quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

Feliz Natal!



Inicialmente minhas congratulações e felicitações a todos os leitores por esta data tão especial! Congratulo-os no dia 24 pois este sempre me foi mais natal que o dia 25 propriamente dito. Toda a emoção da espera, os preparativos da ceia, os amigos secretos, até que finalmente vem a queima de fogos e os presentes.


Gostaria de, com a permissão do leitor, fazer uma breve explanação dos natais que vivi até aqui. Nasci em 88 (não consegui calcular ao certo quantos natais houveram nesse meio tempo), e todos os natais foram passados da mesma forma: na casa da minha avó materna, com todos os tios, primos e etc (até meus avós paternos vem). Como o César bem explicou no último texto deste blog, obviamente isto tras alguns problemas, mas hoje gostaria de focar nas coisas boas.


Desde que me lembro as coisas são bem iguais, primeiro vem o papai noel (antigamente na época da vacas gordas era contratado, hoje em dia é algum dos tios), depois a ceia, depois o amigo secreto então saimos pra ver os fogos, voltamos e as vezes fazem uma ou outra brincadeira ou sorteio. Como vocês podem imaginar a festa dá trabalho, e os preparativos são longos, como moro bem perto da minha vó sempre há aquela ansiedade que a preparação de alguma coisa causa. Com o tempo, os netos cresceram e os adultos quiseram tirar o papai noel, lutamos e conseguimos manter esta tradição para alegrar os netos mais novos que vão chegando. Sempre foi uma festa bem legal.


Com o tempo, quando cheguei à adolescencia não consegui me sentir diferente no natal, parecia que aquela magia havia se perdido (nem a coca fazia a propagando dos caminhões mais, "o natal vem vindo, vem vindo o natal.."). Comecei a me preocupar, eu sempre soube que o natal não era sobre os presentes, mas sim sobre o nascimento de Jesus, afinal sempre frequentei a igreja. E isso começou a me preocupar, por que eu não mais sentia uma emoção especial no natal? Assim se passaram alguns anos, uns melhores outros piores, até que um dia me vejo escrevendo um texto para o blog em plena véspera de natal.


Nada contra, acho ótimo. Mas acho que preciso explicar algo que me aconteceu esta semana. Saí ontem ou antes para comprar alguns presentes que faltavam, e fui abordado por um vendedor de doces na rua, ele era paralítico. Comprei os doces, mas não para ajuda-lo e sim porque gostava daquela bala. Depois refletindo no assunto comecei a me sentir mal. Não sei porque as vezes fico deprimido porque numa época tão feliz como essa sempre me foi (ao menos na infancia) tem tanta gente sofrendo, sem condição de sequer torcer por uma vida melhor.


Percebi então que aquela felicidade incoente da infancia não mais voltará, afinal agora jamais consigo ignorar o fato de que enquanto comemos e bebemos bem, há outras pessoas que por vezes sequer comem. Não sei se algum dia aquela antiga sensação voltará, acho que não. Interessante que nem na igreja senti algo diferente no natal, é estranho falarem tanto do nascimento de Jesus e se esquecerem do verdadeiro motivo porque Ele veio, o amor. Jesus afirma que todos os mandamento podem ser resumidos em "Amar a Deus sobre todas as coisas, e o próximo como a si mesmo".


É dificil amar alguém, e mais dificil ainda é fazer os que você ama felizes. Acho que no fim o natal será isso: um alerta de que nada adiante as luzes coloridas, os enfeites, os presente e a comida, de nada adianta um discurso cristão vazio se nao lutarmos pelo amor. E creio que o primeiro passo para amar a todos é começar a não fechar os olhos para os que estão a nossa volta, principalmnte os que sofrem.




(Minhas excusas se o texto ficou 'sem pé nem cabeça', isto provavelmente se deve ao fato de eu ter voltado ao velho hábito de escrever sem esquematizar o texto antes. Desejo a todos um feliz natal e um próspero ano novo, com muita incomodação na consciencia daqueles que se conformarem com o mundo do jeito que ele esta).

domingo, 21 de dezembro de 2008

Introdução ao natal


... estejamos preparados.

Primeiramente deixo aqui claras minhas limitações para falar de qualquer coisa referente ao natal. Creio que os outros dois cavaleiros cocotidinistas cibernéticos deste blog poderiam fazer uma empreitada literária mais natalina, afinal, ambos tem um lado espiritual que eu, pagão que só, não tenho. Porém fica aqui minha contribuição para a semana de natal...

Nos livros de história, há uma expressão máxima quando se fala da primeira(ou seria segunda?) guerra mundial: a Europa era um barril de pólvora prestes a explodir. Peço toda licença a aqueles que acreditam que natal é tempo de paz, alegria e confraternização, para dizer que tal metáfora sobre a segunda(ou seria primeira?) guerra mundial se enquadra perfeitamente ao natal.

Por que? Bem, reunir tios, primos, avós, irmãos e todo tipo de agregado, sempre é fácil dar problema. Até porque sempre tem um infeliz que dá a infeliz idéia de juntar, na mesma mesa, duas pessoas que não se bicam, só para que elas façam as pazes aproveitando ‘o espírito do natal’. Inocência tal qual a dos comunistas deste mundo afora.

Fato ainda é que nenhuma família é tão perfeita a ponto de não haver questões em aberto entre seus membros – um eufemismo sempre vai bem no natal. Tais questões podem vir a tona por motivos bobos em um natal, e sempre acaba com alguém em lágrimas dizendo que a culpa da desgraça da sua vida é por que quando tinha 5 anos seu irmão furou a bola que ganhou de natal. Essa é a nostalgia do natal, lembrar das velhos e adoráveis traumas que surgem no seio familiar!

Sugiro até que para o próximo passo evolutivo da espécie humana, as famílias venham com um prazo de validade para convivência e coabitação impresso na embalagem: Não permanecer reunida por mais de 3 dias, podendo causar lesões físicas e psicológicas. Acho que aqueles de sangue italiano teriam um prazo bem reduzido(experiência própria).

Mas antes que, prosseguindo nas metáforas, alguém mate Ferdinando ou invada a Polônia, o natal até que é legal. Além do que, briga em natal quando a família se reúne é algo pressuposto, senão, o que será prometido para o ano que vem vindo? Junto das promessas impossíveis – afinal, ninguém prometeria se estivesse realmente a fim de cumprir o prometido – está a utópica paz e reconciliação familiar.

Por fim, aproveitemos o espírito natalino, época mágica em que podemos lavar os pratos sujos e usar logo em seguida o réveillon para desfazer o que foi feito durante a ceia.

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Da Conspiração

Ensaio etnográfico sobre as relações conjecturais ocultas matrilineares

Foi publicada no jornal Gazeta do Povo – esse gigante da comunicação provinciana, extensão da Democracia sobre a qual edificaram conhecimento dois escritores malfadados de blogues fenixianos –, há pouco mais de um mês, uma matéria bastante interessante a respeito de John Maynard Keynes [ver retrato capturado durante um recreio].
Além da versatilidade profissional do aparentemente disposto senhor [que, além de economista e professor universitário, foi também fundador de uma escola], chamava a atenção na matéria uma caricatura feita do mesmo, que ocupava uma página inteira do jornal, muito mais rica em detalhes do que a ofertada por este modesto blogue. O Sr. Keynes, se não me engano com bigode, fora retratado com um colete social, jovial e leve, que lhe permitia movimentos largos – quem lida com crianças precisa, de fato, dessa liberdade e bem-estar.
Observe-se o quão ecologicamente sustentável – eu ouvi ISO? – é escrever “colete social, jovial e leve”, e não “colete social, leve e jovial”. Hoje em dia, com o advento da crise, em um blogue cada vez mais globalizado, poupa-se até cacofonia.
Chamo a atenção para o fato de que, não obstante o Sr. Keynes mereça análise mais pormenorizada acerca de sua contribuição para a macroeconomia mundial e seus implicantes na área da política e da sociologia, não entraremos nesse mérito. Este apanhado tem por objetivo expô-lo a uma observação crítica e racional, a partir do viés pseudo-semiótico, baseado na famigerada página intermediária do caderno de Economia em que foi encontrado. Afinal, desde que a neoliberal Margaret Thatcher mostrou não saber organizar sua própria Bolsa, em meados desse ano, os holofotes do mundo modista se voltaram para Keynes, forte tendência para os outonos que estão por vir.
Por rigor metodológico, desconsideraremos algumas interferências, ainda que oportunas. Entre elas, o fato de o Sr. Keynes ter como segundo nome “Maynard”, alcunha análoga ao colunista responsável pelo fim da Revista Veja. Além disso, forças ocultas fizeram com que o Sr. Keynes em nada contribuísse para a nobre área da Antropologia, o que nos poupa esse desgaste. Feito os adendos, continuemos nossa abordagem do ponto de vista seriamente científico.
A respeito do traje em que Keynes foi representado nas célebres páginas da independência midiática, destaco o depoimento de Carlos Augusto Pegurski, 20 anos:
“- Meu, o cara tava desenhado todo na beca, tooooooooodo meninão! Vai pôr tudo a baixo!”
O discurso do jovem Carlos, embora se mostre no decorrer da entrevista de um requianismo judaico-critão-ocidental excessivamente fundamentalista, é capaz de traduzir com inexplicável perspicácia e clareza os objetivos político-conspiracionais do Sr. Keynes e do berço da católica Ordem Liberal, ao publicá-lo sob determinada imagem.
O Sr. Keynes faleceu no inverno de 1976. Ou seja, 25 anos antes do ataque ao World Trade Center. Caso não lembrem os senhores, 25 é o número de legenda do DEMO [que não permitiremos que perca a majestade de PFL, nem de filho da Thatcher]. E caso não notem os senhores, que essas ligações são por demais subliminares, o Demo é nome vulgar por que é chamado o Tinhoso, político de centro bastante hábil.
Não precisaríamos de maiores evidências, mas as verdades científicas não podem deixar que o bom senso simplesmente considere razoável o argumento plausível. É preciso mais. É necessária a prova dos nove: a cabala.
“John Maynard Keynes Ama de Paixão a Gazeta do Povo”, traduzido para o russo – por que russo? – e colocado para rodar ao contrário em um vinil de junho de 1966, resulta em “ез перевода, а не установка”. Isso mesmo senhores. Que fiquem os empiristas bem enterrados, mas os olhos não enganam a esse ponto. É mesmo assustador.
Porém, o que argumento que considero mais forte está na música Desenho no Jornal [em clara homenagem à matéria que viria a posteriori], do trio Sá, Rodrix & Guarabira. No sétimo verso da música, eles cantam:
“Eu vou te encontrar nas torres de 130 andares”.
Para conferência, no caso de julgar o blogue insuficiente, dar uma olhadela em http://letras.terra.com.br/sa-rodrix-guarabyra/470142/.
Encerro por aqui meu relato. Que os fatos falem por si e provem o que há de obscuro. Espero não provocar tamanho reboliço científico trazendo a verdade à luz da verdade como fez Freud, ao dizer que as crianças tinham impulsos sexuais. Pretendo apenas desvendar as ligações implícitas que costuram a história mundial e, no limite, homenagear as instituições que nos fomentam o limiar da insensatez sobre a imaginação.

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Academias - Para uma aproximação ao objeto de Estudo

(Dedico este texto à Vitória do Carlos em busca da Ipanema do Bonfim)
É com grande prazer que volto a escrever para este pequeno espaço antes subversivo, hoje sabe-lá-oque. Faz tempo que gostaria de analisar o espaço de uma academia mais profundamente, e agora com a volta do blog vejo um momento oportuno pra tal.
Farei de modo como acho mais prazeroso, porque durante todo este semestre tive que fazer trabalhos sob o rigor ‘científico’. Iniciarei com uma analise das personagens envolvidas neste contexto, Cita-las-ei: ratos de academia, ‘posers’, senhoras velhas e gordas e nerds, por hora.
Ratos de academia identificam-se facilmente, camisas regatas, shorts ou calças de uniforme, e com uma garrafinha, que contém proteínas (“não é bomba, é natural” todos eles afirmam, inclusive com a ‘natureza’ lhes proporciona péssimo efeitos colaterais bem conhecidos.) A motivação deles é variada, mas não muito, ficar bombado obviamente para fins de procriação, ou pelo menos ganho de status na hierarquização social de machos alfa, o que passa pelo número de meninas que consegue pegar na balada. Ou pelo para ficar saudável, conceito que certamente não escapa muito do anterior, visto que saúde hoje em dia é sinônimo de tanquinhos!
Os ‘posers’ puxam o saco dos ratos, é normal ver 3 ou 4 deles em volta de um rato, querendo aparecer, ironicamente, preferem aparecer mais para os ratos do que para as meninas. Motivação é a mesma dos agente anteriores, mas sem toda a dedicação que estes tem pelo hipertrofismo. De qualquer modo, julgo-os patéticos.
Nerds (incluo-me aqui) são facilmente reconhecíveis. Roupas que não se encaixam no ambiente, anti-sociais, e com medo extremo de pagar mico, o que geralmente faz com que paguem assim mesmo, pelo humor negro do universo. A motivação é geralmente médica, afinal os hábitos da leitura e da computação trazem seus males, gordura localizada e problemas na coluna (o leitor que se preocupe).
Quanto às senhoras, pouco tenho a dizer. A motivação também parece-me médica, importante notar que elas tem um grupo próprio, que com seus olhares julgadores oprimem a todos, inclusive os ratos. Seus papos: novela, família, doença e morte.
Estes são as personagens básicas deste contexto. Claro que em ambos os gêneros, só coloquei as senhoras no feminino porque é mais raro ver senhores na academia. Visto estes personagens, uma coisa que muito me intriga é o tipo de música tocada na academia. Por quê Hip-hop? Que tenha que ser algo repetitivo é de se entender, mas porque techno? Por quê não algo com bateria e instrumentos de verdade no lugar daquelas programações ridículas?
Feito meu desabafo, só gostaria de concluir dizendo que se algum dia eu chegar a ter dinheiro, farei uma academia em casa para evitar freqüentar esse tipo de lugar!

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Casos de família - parte 1


... a inexorável necessidade do caçula des-brochar.



Tudo começa com uma mãe, solene e nostálgica, lembrando de como eram os filhos. Aí o pai, tomando o mesmo barco, cita um fato familiar histórico aqui, outro fato familiar histórico acolá, e ficam todos os dois com seus sorrisos bobos no rosto. Aos filhos, como agentes de tais fatos familiares históricos – posição essa que implica em constrangimentos/arrependimentos/futuras terapias psico-químicas com profissionais capacitados -, resta a tácita vontade de mudar de assunto. Contudo, a mesa de jantar – também tida como um ritual cerimonial de provação, julgamento e coroação – é território dos pais, e só estes podem guiar a direção dos assuntos, o que nos leva novamente à mãe solene e nostálgica.

- Meus filhos estão crescendo. Esse ano todos tomaram um rumo na vida, isso faz uma mãe tão feliz!
- Ai, mãe! Para com isso. – o filho mais velho é sempre o mais não-nostálgico.
- Ah, eu to feliz, filho. Você professor, formado, se sustentando. Teu irmão com trabalho garantido, tentando um negócio próprio. E o César...

(silêncio na mesa, todos os olhos se voltam por um instante para o caçula de futuro incerto calado no outro lado da mesa)

- Bem – continua a mãe fingindo que só tinha tido dois filhos - logo virão os netos, né? Vai ser tão bom.
- E só vai faltar o César, certo!? – diz o pai, garantindo que o caçula não vai sair limpo dessa história.
- O César é o mais novo, e ele também ta indo no seu caminho, ta virando homem e...

(risadas irrompem na mesa, menos naquele que está recebendo as risadas pois, por algum motivo, ‘César’ e ‘homem’ na mesma frase sempre foi motivo de riso)

- Ele é um patinho feio ainda, mas um dia vai ser um cisne bonito e vistoso – continua a mãe com toda sua bagagem metafórica suspeita.
- Caramba, que papo é esse, mãe!?
- Ah, César. Você sabe... Você ainda tem que desabrochar, igual a uma flor. – nunca a inocência materna beirou tanto a maldade materna.

(risadas novamente)

- Mãe, não sei se percebeu, mas você não tá ajudando muito...
- Que nada, César! Ela ta certa... só falta você DES-brochar. Entendeu, né? DES-brochar! – irmão mais velho além de não nostálgico tem o dom de sacanear o caçula.

Depois de mais um série de gargalhadas na mesa, gargalhadas essas que o caçula – a saber, eu – não compartilhou, o santa inquisição no seio familiar se deu por encerrada. Veredicto? Fogueira moral para este pecador que vos fala. ‘Queima! Queima! Queima!’, gritava a multidão ensandecida.

sábado, 6 de dezembro de 2008

Teoria da Dualidade

Minuta de tese de pós-doutorado, valendo um milhão de exemplares rendidos e a cadeira do imortal Paulo Coelho tão logo sofra eufemismo

Roma: você lembra dos nomes do primeiro triunvirato? E do segundo? Não? Pois é. Três dá cagada. É fatal até pra memória. Como dizem, três é demais. Não foi por acaso que a Itália virou no que virou. Tudo culpa do Tito Lívio e daqueles outros dois. Graças a eles, a Itália virou expert em máfias, salames e ditaduras clericais seculares. Custava eleger um macho-alfa, como a Aline, pra por ordem na bagaça?

Sigamos. Como diz o título, tudo é uma dicotomia. Veremos com profunda seriedade a seguir algumas evidências empíricas que servirão de subsídio para sustentarmos a Teoria da Dualidade.

O um precede o zero em seqüências incomensuráveis, compondo binariamente o mundo em que vivemos. Times e arial. Negrito e itálico. Clique ou não clique. Ligue ou desligue. Dentro de um carro ou de 1024 caracteres, pode-se acessar [ou não] um globo inteiro. Ou sim, ou não. O homem conseguiu sintetizar as teses e as antíteses de uma vida em outra, virtual, programada e resolutiva. A máquina é a pronta-resposta, o contra-comando. É o complemento do homem, e sua negação, por princípio. Rodas dentadas e bocas vazias agitadas mecanicamente. Sistemática perfeito, correto? Quase. No lugar da relação dialética da ferramenta e do produtor, colocou-se outro homem – o amante –, que não é nem um, nem outro. Ao invés disso, é humano, e tem fome.

O pão engendra o circo em seqüências históricas, compondo visceralmente o mundo em que vivemos. Desde o insight de Gutemberg e das marselhesetes, têm-se multiplicado a impressão de impressões causais sobre esse fenômeno. Maslow, para a complexa cadeia de necessidades, anseios e estruturas cognitivas humanas, criou uma pirâmidade. Pirâmides têm três lados, as mais famosas são três. Batata. O que era uma teoria da motivação [minúsculo proposital] entrou na Academia com força total e hoje em dia, com o advento dos clichês tecnológicos, a superficialidade crítica impera. Para Maslow, o ser humano passa fases como em um jogo de vídeo-game. Aos etíopes, jogadores iniciantes, restam duas saídas: 1) os diversos resets e revezes históricos; 2) comprar o histórico password com os jogadores mais experientes. Em tal barganha, os colaboradores da hierarquia humana ganham comida e, em troca, um horizonte.

Igualmente, cerveja e futebol compõem existencialmente o mundo em que nós, homens, vivemos. Cerveja e futebol. Cerveja e futebol. Cerveja e futebol. Cerveja e futebol. Não existe nada que atrapalhe esse casamento perfeito. Correto? Errado. A oposição está atenta. Pasmem os senhores: as mulheres, proprietárias dos meios de reprodução, colocam a tevê ao uso do Gugu. Sim, senhores, do Gugu. Hostilidade que só se explica por corporativismo de gênero. Ou você nunca notou pelo jeitinho do Gugu que ele é uma terceira [!!!] categoria?


sábado, 16 de agosto de 2008

Vampirização (Saindo do Limbo)


(antes de partir para o relato da vez, discuto metablogisticamente acerca do objetivo do blog, se estiver muito chato pulem para o terceiro parágrafo)

O blog foi inicialmente idealizado para ser um espaço de crônicas satirizando situações cotidianas. Em algum momento a subjetividade dos autores começou a se sobrepor e deixar de lado aquele clima de piadas. Foram textos de amores impossíveis, criticas a crimes hediondos, criticas a falta de textos. Mas me pergunto: “Quem hoje em dia tem algum interesse em ler isso?” O mundo simplesmente quer dar risadas e esquecer das atrocidades lá de fora, e quando querem saber dessas procuram a imprensa marrom (que alias de trás pra frente significa ‘morram’) não um blog sem qualquer base jornalística*.

Enfim proponho que repensemos o nosso papel nesse mundo cibernético e passemos novamente a problematizar humoristicamente o cocotidiano. Retomarei este principal objetivo narrando umas historia real que aconteceu com membros e um(a) leitor(a) do blog!

Para fins de preservar a privacidade dos envolvidos chamarei as personagens de ‘A’, ‘Ca’, ‘Ce’ e ‘T’, porque X, Y e Z é muito matematicaizante*. ‘Ce’ adoeceu. Como ele sempre preservou poucas amizades e era novo na cidade, os seus amigos mais próximos resolveram lhe prestar uma visita levando comida e alguns remédios (caseiros diga-se de passagem). Acontece que ‘Ce’ odiava (e até onde me consta, ainda odeia) visitas, principalmente as de surpresa, como aquela que nossos protagonistas planejavam. Antes de chegarmos ao acontecimento propriamente dito devo narrar o que aconteceu no caminho que inclusive originou o título deste manuscrito*.

‘Ca’, ‘A’ e ‘T’ encontraram-se em um ponto da cidade para ir a casa de ‘Ce’, porque ‘A’ não sabia o caminho. O encontro foi como sempre, ‘Ca’ estava lendo O Grande Mentecapto do mestre supremo da literatura brasileira Fernando Sabino (alias ‘CA’ tem o estranho costume de comprar vários exemplares deste livro e não dar para quem realmente precisa, como eu).

‘T’ e ‘Ca’ esperaram ‘A’ por algum tempo, ‘A’ sempre se atrasa, mas é fácil reconhecê-la, basta achar alguém com camisa de ‘Onde Está o Wally?’ ou com uma calça curta demais que pode ser confundido com um calção (se é que ainda usam este termo) muito longo. Enfim Avistaram-na facilmente na praça Tiradentes. Como Curitiba já é uma cidade assaz Europeizante ninguém reparou nas três figuras singulares que por lá transitavam: Uma delas com roupas em tom quase francês, um nerd lendo um livro enquanto andava pela rua XV a mais movimentada da cidade, e outro que de tão tímido não conseguia andar sem fitar o chão.

Quando nossos heróis passaram em frente à praça Santos Andrade aconteceu o inimaginável, o que Maurício de Souza chamou de o Além do obvio ululante que pupula nas mentes humanas*. ‘A’ estava à esquerda (de quem vinha por trás) ‘T’ no meio e ‘Ca’ à direita (infelizmente nestes últimos tempos ‘Ca’ sempre está à direita). De modo que ‘T’ e ‘Ca’ viram claramente uma figura. Para mim (confesso ‘T’ sou eu) ele (a figura era de um homem, ou mais que isso) estava de blusa amarela, mas ‘Ca’ contesta até hoje dizendo que ele estava nu! Enfim, essa “figura” agarrou ‘A’ pelas costas e vampirizou-a. Passemos a análise deste termo:

Emprego o verbo vampirizar (neologismo, visto que o Word não reconhece esta palavra) para afirmar, o que vi com meus próprios olhos, ele agarrou-a por trás e fez alguma coisa com seu pescoço, o que exatamente não pude ver, já que suas costas largas cobriam meu campo de visão.

Quando ele acabou saiu correndo eu e ‘Ca’ com toda nossa coragem achamos melhor não ir atrás dele e ficar simplesmente tentando entender situação, depois de trocarmos olhares daqueles de quem não sabe o que fazer. ‘A’ estava no chão, ofegante, levantou-se desconcertada e suando e disse num misto de gozo, medo e vergonha:

- Era meu ex!

Bastou para eu e Carlos (o ‘Ca’) cairmos na gargalhada, ficamos imaginando o que teria acontecido se eles ainda estivessem juntos, provavelmente a vampirização passaria a uma sodomização e talvez até fossemos presos só por sermos amigos de seres que tem aquelas práticas em pleno século XXI.
Demorei-me demais na narração do fato, encurtarei a história visto que em um blog os leitores estão mais interessados em cortes de cabelo e quem ficou com quem do que uma epopéia mítica-religiosa com rituais quase satânicos.
O fato é que encontramos ‘Ce’ saindo de casa, o que até foi bom porque suspeito pela sua cara que se o encontrássemos em casa ele nos mataria com uma pá! Ele obviamente não quis nos receber alegando que sua casa estava muito bagunçada e suja (não entrarei no mérito da discussão). Fomos tomar café, ‘A’ (que ainda estava e suspeito que até agora meses após o ocorrido ainda está desgrenhada pelo ocorrido) ficou de cara com ‘Ce’, pois ele recusou a cesta básica que incluía leite, remédios, bolo de laranja e ervas medicinais (‘A’ sempre andava com ervas medicinais para o caso de ser atacada na rua). Ele não aceitou provavelmente, pois estava curtindo sua independência. Não o culpo eu provavelmente faria o mesmo. Para piorar ainda fomos parados por um empregado do censo (censor?) que fez as perguntas mais enfadonhas sobre a vida e o cosmos para ‘Ce’, que só respondia negativamente, o que é inerente ao seu ser!

‘Ce’ e ‘A’ ficaram um tempo sem se falar, isso é normal na relação deles pelo que tenho visto, mas depois de alguns dias, como todo bom curitibano, passaram a agir como se nada tivesse acontecido. Depois descobri que ‘A’ estava tão brava por ter de assaltar a venda da própria mãe para conseguir o leite e o bolo de laranja, o que acabou num episodio muito singular (que poderia certamente render outra crônica) envolvendo o alarme, o leiteiro e a mãe de ‘A’*.
Eu e Carlos rimos muito da situação, e espero que este pequeno relato de como vi os fatos sirva pra imortalizar um momento em que nada podia quebrar a amizade do nosso grupo: nem trabalhadores do censo, nem o mau humor interiorano, nem vampiros nus e afins!

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* Minto ao dizer “Sem qualquer base jornalística” pois dois dos idealizadores do blog fizeram estágio em um grande jornal de direita do Paraná, que o nosso governador e Comandante Mor R.Requião chamou de mentiroso.

* Termo auto-explicativo, qualquer dúvida: cacoelias@hotmail.com

* Título: o que está escrito lá no alto. Talvez aqui coubesse uma analise metodológica de porque colocar o título referindo-se a um acontecimento secundário na história, mas chega de metodologia!

*Li isso em um gibi de uma turminha que este autor concebeu, não sei se citá-los aqui quebra algum tipo de direitos autores, por isso é melhor não tocar muito no assunto.

*Minhas lembranças a D. Zuléide.

domingo, 3 de agosto de 2008

Agora vai

Um texto curto. Pra ver se alguém comenta.

sábado, 26 de julho de 2008

Teriam sido um feliz casal


Dos amores desconhecidos e mortos no cocotidiano


Eram perfeitos um para o outro. Suas idades eram as mesmas e os dois preferiam ficar com gente da mesma idade. ‘Só assim dá pra se entender’, diziam por aí sem saber que havia uma outra pessoa na face da terra dizendo a mesma coisa e tão perto, logo ali na esquina. Ela preferia caras de cabelos grandes o suficiente para serem puxados e serem vítimas de um carinhoso cafuné; já ele, preferia os longos cabelos pretos a passar dos ombros e a encobrir a superfície lisa das costas. Também nisso se completavam em desejos. Até a pinta que ela tinha no pescoço ele gostaria, e mesmo ele, com seu jeito atrapalhado, agradaria a ela que gostava tanto de mãos perdidas em bolsos e sorrisos desconsertados. Mesmo sem se conhecerem desejavam um ao outro, tinham seus ideais correspondidos e equilibrados; eram dois desconhecidos que estavam querendo ser conhecidos um pelo outro.

Seus costumes eram incrivelmente semelhantes; tantas tardes passariam juntos a olhar o movimento descompromissado de quem passa pela rua ou de um pássaro a voar com destino desconhecido. Finalmente iriam encontrar uma companhia para assistirem a lua cheia prateando a noite de inverno; alguém para dividir a bebida e comer tudo aquilo que antes, sozinhos com seus pratos cheios de solidão, sobrava pela mesa.

Ele imaginava cada presente que daria nas datas importantes: flores que não fossem rosas, bombons e um porta-retratos personalizado para exibir na mesinha do computador a felicidade de um momento a partir de então eternizado. Ele assumia que isso não era lá muito criativo, mas ela gostaria mesmo assim; já tinha até imaginado o lugar onde poria o porta-retratos, as flores que não rosas e iria para sempre guardar a embalagem de cada bombom. Ela sabia também como apreciaria a foto em noites que sentisse saudades.

Ela não queria um cara pastel e bobo, mas nem por isso deixava de desejar que ele escrevesse rimas ou versos livres, desde que falasse do amor entre ambos. Ansiava receber cartas, bilhetes ou folhas de papel rabiscadas com palavras doces só para, um dia, mostrar a filhos e quem sabe netos. Ele já tinha um arsenal de poesias, ainda sem nome, mas que fariam mais sentido ainda depois que tomasse conhecimento da existência dela, a garota que queria o que ele tinha a oferecer; eram poesias sem título, mas de forma alguma sem alvo.

Ah! Se tivessem um amigo em comum, ficaria claro para este mediador como eram perfeitos um para o outro. Mesmo que não houvesse espírito e fosse só carne – tecidos, ossos e órgãos -, eram dois universos que complementavam-se perfeitamente, numa coordenação suave, em movimentos potenciais de plena consonância. Não haveria musica clássica para superá-los em questão de harmonia.

Moravam na mesma quadra, ele em uma esquina, e ela no meio da quadra. Mas se eram perfeitos em tantas coisas, seus horários nunca permitiam um encontro casual devido as ocupações de cada um, exceto nos finais de semana onde, por serem tão iguais um ao outro, pouco saíam de casa e não poderiam então se ver.

De escolhas em escolhas, sempre bobas e pequenas, foram adiando um possível encontro com um possível grande amor. Se ele passeava por aí de noite, ela ia de dia; se ele preferia as ruas paralelas, ela ia só pelas cruzadas; se ele escolhia sempre buscar pães na padaria do Zé, ela escolhia sempre os pães do Pedro. Algumas coisas na vida parecem conspirar para acontecer, já nesse caso, tudo encaixava de modo a impedir um acontecimento.

Passaram os meses e mudaram-se, ambos, daquela parte da cidade. Certo dia cruzaram pela rua sem que seus olhares se tocassem; ela ia pela vertical, ele pela horizontal. Continuavam perfeitos um para o outro, porém eram mais anônimos do que nunca; o acaso chegou fora de hora. Não que tivessem sua satisfação amorosa amarrada um ao outro, mas pena não terem tido a sorte de se conhecerem. Teriam sido um feliz casal, assim como você e aquela pessoa que deixou de conhecer hoje só por que preferiu ficar 15 minutos a mais no computador lendo este blog.

quarta-feira, 9 de julho de 2008

O Papa não poupa ninguém

Mimese fajuta da prostração sabinista sobre a singela mentecapcidade



Não bastasse acordar 5h30 da madrugada todo sábado pra trabalhar num posto de saúde, tem dia que ainda se acha no direito de te reservar xingamentos, reclamações e chuvisco.
Mas tem dia que vale a pena. Tem dia que dá até pra rir. Esse sábado foi assim.
Diz que lá pelas tantas – garanto a veracidade do relato, não obstante a introdução tão comum em anedotas – me chega o cidadão:
- Tem médico hoje?
- Não, senhor. Hoje estamos abertos apenas para trabalho administrativo. – menti eu. Que não tinha médico, não tinha mesmo. Mas havia procedimentos de enfermagem. Optei por convencionar o ‘apenas administrativo’ como orientação geral dado o trabalho que tive com uma senhora idosa bastante simpática que insistia em passar por exame de aptidão dermatológica para sessões de hidroterapia sem nenhuma necessidade. Continuei:
- Caso precise de atendimento médico hoje, o senhor deve procurar um Posto 24 Horas [que hoje leva o nome pomposo e desconhecido de Centro Municipal de Urgências Médicas].
- E qual o mais perto?
- Perto mesmo não tem. Mas o mais fácil para o senhor ir é o 24 Horas do Fazendinha. – expliquei com bastante calma. – O senhor pega nesse ponto ali [apontei com o dedo diretamente para o ponto de ônibus, muito pedagogicamente] o ônibus Fazendinha. Desce no terminal do Fazendinha. – falei devagar. - Ao lado do terminal do Fazendinha, fica o 24 Horas do Fazendinha.
- Pode anotar, moço?
Anotei, tanto mais pedagogicamente. Cuidei da caligrafia.
- O senhor sabe que eu tenho um prédio?
- Como? – perguntei perplexo. O senhor que aparentava morar na rua estava com a barba a la meu-nome-é-enéas. Carregava um saco de pano, provavelmente com roupas. Boné de candidato a parlamentar.
- Eu tinha, na verdade. Um prédio de dezoito andar. Só eu tinha nove. Dei tudo prum rapazinho mais ou menos da tua idade. Escritura e tudo. Macredita que esqueci pra quem é que dei?
- Nossa, que coisa! – recompus a seriedade.
- Mas importa é Deus. Nós não somos nada. Naaaada. Nada mesmo. Deus é tudo, acima de qualquer coisa.
Concordei.
Lamento dizer que os próximos dois minutos de explanação do caro amigo aqui citado foram ininteligíveis. Algo como cobradores de ônibus, construção civil e novamente um rapazinho quase da minha idade. Na dúvida, concordei com tudo. Parecia surtir efeito. Em determinado momento, voltou ao português:
- ...e eu viajei o mundo inteiro. Fui pra todos os país. Só não fui pra Rússia, que lá eles tavam em guerra e não quiseram parar a guerra pra eu ir.
Não consegui conter a admiração pelo homem. Ri francamente, solícito.
Ele seguiu deliberando cuidadoso, franzindo a testa, muito fiel que era às lembranças:
- E uma vez os americanos me pegaram...
Tomo a liberdade de dar um breque no relato do nosso saqueiro viajante contemporâneo. Não lhes dou o direito de achar coerência no fato de os americanos o levarem, porque toda a epopéia é digna de credibilidade. Não imagina o leitor a espontaneidade do amistoso camarada.
- E uma vez os americanos me pegaram. Me levaram de avião. E eu doente! Pensei que dali mesmo eles me despachavam. Mas não. Me levaram de avião pro lugar onde nasce o sol. E era quente! Ra-paz! Era quente!
O meu muito amigo Viramundo me olhou bem nos olhos. Riu gostosamente. Sentenciou:
- E tive com o papa João Paulo II pouco tempo antes dele morrer. Ele me disse que já sentia. Já sentia que ia morrer. E eu fiquei a distância. Por respeito. E o Papa me pulou e me pegou pelo meio! O Papa me pulou e me pegou assim, pelo meio mesmo. Pelo meio.
Confidenciou em voz baixa, como quem só contasse porque era seu amigo de infância, mas que não era de bom tom falar assim da Sua Santidade, não fosse pela certeza da discrição da minha parte.
Visivelmente sentindo pelo falecimento do Pontífice, argumentou, bastante solene:
- Homem de Deus, que coisa... mas deixa ele. Um homem bom. Ih! Um homem bom mesmo. Que Deus o tenha, né.
Verdade. Deixa ele.

sábado, 5 de julho de 2008

Amizades


Creio não correr o risco de incumbir em nenhum erro ao afirmar que todos já tiveram um melhor amigo, ou um grande amigo, por algum tempo e de repente esta pessoa, que outrora fora tão importante na sua vida, simplesmente desapareceu do seu convívio. Por ser uma proposição com que nos identificamos tão facilmente acho que merece ser o centro da nossa análise cotidiana de hoje: as amizades.

Provavelmente você já teve a oportunidade de ir ao mercado com seus pais, e ver um deles reencontrar um velho amigo. As conversas sempre são estranhas:

- E aí como vai a esposa?

- Me separei, a safada levou quase tudo!

Ou do tipo:

- Opa -saudação comumente usada pelo fato de ter esquecido o nome o amigo em comum – como vai a empresa que você montou?

-Faliu!

Ou trazendo para casos mais próximos, dos jovens leitores deste blog, é como aquele grupinho de amigos que era tão unido no segundo grau e que durante a faculdade faz algum esforço para se encontrar, mas poucas reuniões depois todos percebem que as coisas já não são as mesmas e nunca mais se encontram (exclusas do nunca mais as exceções dos encontros nos mercados, alias parece que os mercados têm algum tipo que imã para fazer velhos amigos se reencontrarem). E o pior é que o mais vagabundo do grupo sempre se torna o mais bem sucedido e que viajou a Europa!

Enfim, as razões pela perda de interesse nas amizades parecem ser obvias, perde-se o laço que unia as pessoas rotineiramente, seja o trabalho, seja o emprego, seja a moradia. O que me faz pensar que as amizades verdadeiras são pouquíssimas, apesar de haver várias pessoas que você considera amigos nos seus círculos sociais (igreja, faculdade, clube de ajuda a populações carentes) uma vez cortado o pressuposto do pertencimento a estas instituições perde-se a própria essência do que unia estes amigos. E logo os papos tornam-se superficiais, simplesmente relembrando o passado, enfeitando as histórias. É até bom reunir os velhos amigos às vezes, mas quando você percebe que todos os encontros cheiram a naftalina é sinal de que a amizade não vai muito bem!

E é isso que me assusta com relação ao presente. Imagino daqui algum tempo quando o César se tornar um grande sociólogo, ou apenas um gênio literato incompreendido, e quando o Carlos se tornar colunista da Folha de São Paulo (censurado, jornal de direita) ou melhor Caros Amigos ou Carta Capital, ou até quem sabe o novo Fernando Sabino e um dia quando o Wal-Mart tiver comprado todos os mercados sem exceções nos encontraremos no estacionamento! Eles com carros zero e eu com o carrinho usado de um poeta ou músico frustrado ou um professor de sociologia! Então virão as perguntas:

-César, encontrou um amor inocente?

-Sim, casei com ela! Depois separei e ela levou tudo, inclusive as crianças!

-Carlos, achou a maleta de dinheiro?

-Olha meu caro companheiro, você nem imagina o que encontrei nesse jogo da política! (Pra quem não sabe o Carlos tem profundas ligações com um grande partido do Paraná).

Mas talvez se até lá essa mania de fazer compras pela Internet já tenha se popularizado evitemos esse tipo de constrangimento e passemos para outro tipo, conversa com velhos amigos via MSN. Pelo menos os silêncios no MSN são menos chatos dos que o na vida real!

sábado, 28 de junho de 2008

Um amor inocente, por favor


Perdoem tamanha subjetividade.

Era sexta-feira, final de semana e final de semestre. Cabeça a mil, coração perdido numa noite típica de quem só faz estudar. 21 horas e vou até a padaria comer algo depois da aula. Por mais incomum que isso seja de acontecer no dito estabelecimento(que aliás, merece um parentese já que foi lá onde, de um certo modo, este blog começou), um atendente chegou até mim e perguntou o que é que eu queria. Me contive e pedi alguma coisa para comer, mas que vontade de dizer polidamente 'um amor inocente, por favor'. Quem sabe tenha um doce com esse nome, mas provavelmente ele ficaria me olhando com cara de passado.

O que eu queria, de verdade, era um amor inocente, como aqueles que deixam de fabricar a uma certa altura da vida da pessoa. Eu queria, mas é um pedido para a coletividade, já que todos precisam dele. Minha teoria é que os quarentões que saem a caça das menininhas são só o resultado do confuso desejo desse amor inocente. O primeiro amor é o que fica não só por ser o primeiro, mas por que geralmente nasce com cheiro de vergonha, pudor, preocupação. As mãos suam, as orelhas ficam vermelhas e logo a vermelhidão vai para a cara toda. Os mais clarinhos sempre se dão mal nesse história.

Digo até que primeiro amor não tem que dar certo, basta que seja inocente. Não importa a idade em que o primeiro amor chegue, pois a inocência não se perde com os anos, mas sim com os amores que vem e vão. Estou falando do amor que não cabe em rígidas demarcações e conceitos; falo do amor que a gente toma por paixão e surge num olhar perdido e súbito. É o amor mais gostoso, por que nele só cabe a vontade pura e sem maldade. Dane-se a coerência, dane-se o sentido.

Não acho que amor tem que ser explicado, e a tendência de algum leitor perguntar 'mas afinal, o que é amor inocente?' só revela a falta que ele faz. Ele existe em relações que se concretizam, mas a concretude não é requisito; o amor inocente existe no beijo, mas existe muito mais no ruborizar; ele pode existir em adultos, mas insistimos em infantiliza-lo. Ele paira no ar pedindo para ser relembrado, mas que estúpidos somos nós em descarta-lo tão logo quanto podemos.

Há quem consiga prolongar esse tipo de amor até uma certa fase da vida, mas a duras penas. Talvez nossos pais e avós tenham conseguido extender isso por mais tempo, mas nós, alvos da mídia promíscua que nos dá namoro, casamento e divórcio, tudo na TV e no mesmo programa, estamos cada vez mais sendo convencidos a largar de canto o amor inocente.

Acho que o amor burocratizou e disso perdeu-se a inocência. Ninguém acredita mais nele senão houver coisas palpáveis ou factíveis. É todo um processo, longo e desgastante, até que o amor possa ser citado. Quero de volta o amor que surge do inexplicável, que não requer histórico nem prognósticos. Por isso defendo amor a primeira vista e até o amor virtual; creio serem os últimos redutos do amor inocente.

Dá dó desses garotos de hoje em dia. Na verdade sempre foram assim, mas acho que tá ficando pior. São todos vítimas da queda do amor inocente. Talvez sejam também as garotas, afinal, se até minha mãe fala do bumbum dos atores, o que dirão as garotas de hoje em dia. Dá medo. Mas são todos uns coitados, dignos de pena. Nunca sentirão o prazer de sentir a euforia que só o amor inocente proporciona quando se pega na mão da pessoa querida; hoje querem pegar logo tudo de uma vez, só para se gabar.

Ah, não queria ser saudoso ou nostálgico de tempos passados; nem parecer com esses hippies bobões que substancializam demais o amor. Mas que falta do amor inocente. A racionalidade nos toma, queremos experimentar tudo, nos deixamos influenciar por todos. Quando vê se foram as séries da escola e agora... tudo é instrumentalizado demais, chato demais. Ama-se não mais para você, e sim para os outros. O amor inocente talvez deva ser perdido para que possamos crescer e encarar melhor o mundo sem amor aí fora, mas que pena que dá ao vê-lo perdido em tão jovens casais.

quinta-feira, 19 de junho de 2008

E o Verbo se fez Carne

E a carne devolveu a regência ao Verbo




Convencionou qualquer coisa de inteligível, aprendeu a grafar, passou a viver em comunidades fixas, aprendeu a domesticar animais e a plantar seu pão e a dividi-lo e a explicar a natureza através de mitos. Terceirizou-se.
Ridicularizou o mítico, questionou a si mesmo, perguntou do mundo, pôs em cheque o visível, adivinhou o invisível, duvidou da existência, deu o Causal ao Altíssimo. Terceirizou-se.
Cantou aos céus, deitou-se às bússolas e astrolábios, imprimiu o sagrado com sangue, romanceou o opaco, rogou insurreições, ignorou verdades, incendiou as virtudes, dizimou espécies, reinventou a roda em anti-horário, quadriculou o Supremo, abraçou morais estranhas, crucificou oferendas. Terceirizou-se.
Gozou com o rígido, confeccionou nova ordem, entregou-se ao progresso, escreveu e leu e rezou e marchou em línguas tantas, manufaturou quitutes, desconheceu a ponta do nó, suou a vida e a morte, expurgou natos nus, ajoelhou em terras improdutivas, ordenhou enteléquias frias, robotizou a argila, postulou seus complexos, lutou pelo terço do dia, fugiu de casa a foguete, militou pela inveja, elegeu conjunturas, compreendeu-se só, arquivou o homem auto-suficiente. Terceirizou-se.
Esqueceu a função, competiu com a sombra, não viu Marte ao olho-nu, engarrafou o escapismo, quixoteou a ética, culpou o gem, enovelou o linear, casou com a virgem dos olhos de vidro, trapaceou o espelho, comprovou renda para adquirir liberdade sem limite disponível, indicou um psicotrópico, julgou-se máquina-bicho, injetou no ramo sintético. Terceirizou-se.

sexta-feira, 13 de junho de 2008

O Espírito Esportivo

Os presentes na sala não poderiam estar mais assustados. O único que mantinha a calma (ou a pose) era o padre, que estava há quase três horas tentando realizar o exorcismo. A possessa gritava com uma voz quase duas oitavas mais grave que a de um homem comum, e os tios e o pai que a seguravam quase não agüentavam. Na sala estava ainda a mãe da moça que disparava ave-marias e pai-nossos quase que mecanicamente.

De repente o padre parou com as falas rituais e olhou para a mãe com um olhar de quem descobre a solução para um problema que o incomoda há tempos:

- Para expulsar o demônio preciso saber quem ele é, conte-me como começaram as possessões!

- Ela começou a passar mal sempre que assistíamos jogos de futebol no final do ano passado – a resposta estava na ponta da língua da mãe, que acompanhava a filha dia após dia.

- Campeonato Brasileiro?

- É.

- Vocês têm tv a cabo?

- Não - respondeu a mãe sem entender a relevância daquilo, mas continuou – aqui só pega a globo!

- Aham. Então eram jogos do Corinthians.

Nesse momento a menina/demônio ficou quieta e procurava com os olhos alguma coisa. O padre chamou:

- Demônio Corinthians?

O demônio virou a cabeça para o padre (numa volta de 360 graus só pra assustar o povo e mostrar que aquilo não era exclusividade de Hollywood), olhou com um sorriso inocente de bêbado que acha o caminho de casa e falou num tom calmo e sereno, reiterado pela voz grave:

- Pois não?

- O que vossa demonecência quer no corpo desta menininha?

- Pera lá – falou como se defendendo de uma acusação implícita- não é nada do que vocês estão pensando, eu só quero saber como vai o timão.

Todos os presentes na sala fizeram um “vixi” sabendo que a situação pioraria quando ele soubesse da campanha do Corinthians. O padre só pode ser sincero:

- O Corinthians está na segundona...

Aqui a fala foi interrompida por um terrível grito de dor do orgulho do capetinha, um grito tão forte que quebraria os vidros da casa, caso a mãe já não tivesse os quebrado no mês anterior num distúrbio hormonal comum na menopausa. O padre continuou aos berros:

- E perdeu a copa do Brasil pro Sport!

- Ah, não acredito!

- É meu caro –respondeu o padre- existem muito mais coisas entre o céu e a Terra do que supõe sua vã filosofia.

- Só – concordou a besta com um linguajar descolado.

- Mas que mal lhe pergunte, por quê você escolheu essa garotinha para possuir e conseguir informações do Corinthians?

- Na verdade eu não escolhi – começou o diabinho tomando a xícara de café que estava no bidê nas mãos e reclinando-se preparando para narrar uma longa história- Como sabia que a Globo só transmitia jogos do timão fui para a central deles, mas fui capturado pelas ondas televisivas e quando vi estava aqui no meio do nada. De repente ouvi o Galvão gritando e fui correndo ver quanto estava o jogo, mas tropecei naquela tábua solta ali ó – apontou para a tábua em questão – e cai no corpo dela. E vou te dizer hein, é uma zona ali dentro, não dá pra entender nada, só pensando em meninos, roupas, opinião das amigas, auto-estima baixa...

- Sei, entendo as mulheres –afirmou o padre, o que fez com que todos lhe olhassem de forma estranha e mais tarde perdesse a batina.

- Enfim não conseguia ver o jogo, aí comecei a gritar feio doido. Será que o senhor pode me tirar daqui?

- Posso sim, mas devido a todo trabalho que você me deu vai com um castigo junto.

- Pega leve aí tio.

- Vá de retro satanás!

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Agradeço a sugestão de título à companheira Aline.

quarta-feira, 11 de junho de 2008

O lápis quer ser caneta.


O lápis queria, do fundo de seu grafite, ser uma caneta. Cansara-se de tanto escrever, rabiscar, riscar, para que depois viesse a implacável borracha e lhe apagasse. Queria que todas suas anotações fossem tidas como sérias e que uma vez escritas, nunca seriam reformuladas. Nem borradas!

Toda vez que se colocava de lado para que a caneta, toda prepotente, fizesse uma rubrica ou passasse a limpo tudo o que ele, o lápis, tinha feito, sentia-se nada mais do que isso: uma coisa que ao tornar-se inapagável teria de abandonar sua escrita original. Não tinha outro jeito, o lápis tinha que se tornar caneta.

Estava saturado de gastar seu grafite em poemas apaixonados e fórmulas exatas. Todas as palavras que tinha delineado para dar forma literária ao amor só tinham validade quando caneta passava-lhe sobre. Tudo o que conseguia calcular precisamente, de nada valia se não fosse em azul ou preto; o cinza, perecível a borracha, de nada valia. Quando retirava-se para dormir em seu modesto penal de colegial, perguntava-se por que de tamanha má sorte, por que de ter sido fabricado como um lápis e não como uma caneta.

Não gostava de escrever isso, mas sentia inveja da caneta; ela estava sempre pronta para o que desse e viesse, vivia mais, servia mais, vendia mais, era forte em várias superfícies e mais forte que o lápis justamente nas superfícies na qual eram sua especialidade. Um caderno em branco sempre daria mais notoriedade para uma caneta; até o sistema favorecia a caneta.

E não era só isso. Olhar-se num espelho perdido na mochila era sentir ainda mais inútil por ser um lápis; não vivia sem um apontador por perto, e quando estava sendo utilizado por uma das mãos, a outra sempre segurava uma borracha. Uma condição de existência estressante, além do que, a caneta vive muito bem sem qualquer apontador, ela é independente e inapagável.

A pior crise que o lápis teve, e que foi também a primeira vez que quis ser uma caneta, foi quando sobre uma folha em branco, a serviço de um apaixonado errante, escreveu numa linha coisas sobre o amor, a paixão, o futuro brilhante e a felicidade prometida, mas um ou dois dias depois, escreveram por cima dele com caneta, sem dó nem piedade, coisas sobre ódio, desilusão, passado frustrante e uma infelicidade constante. Só depois lhe apagaram e lá ficou, forte como sempre, as letras da caneta.

Por fim, o lápis cansara-se de seu ser-objeto. No fim daquele bimestre, quando chegara o seu fim e não lhe restavam mais do que alguns poucos centímetros de vida, olhou para todas as páginas que escrevera e que foram viradas displicentemente. O que seriam de todos seus verbos passados? Estava esgotado e sem ânimo para mais nada, estava para perder a ponta.

Como ultimo ato, quis fazer as pazes com a borracha. Falou-lhe de seus dramas existenciais, e a borracha, flexível como sempre, pediu desculpas sinceras e, tentando confortar o lápis, disse-lhe que deveria estar feliz por que de tudo o que fazia, pelo menos algo era visível -ou poderia ser-, ao contrario da borracha que só fazia apagar e nunca teria notoriedade nenhuma, nunca deixaria algo 'escrito' no caderno.

Ficou pensativo. Resolveu falar com o seu próprio coveiro, o apontador. Explicou-lhe dos seus problemas e queixou-se da condição de lápis. O apontador, frio em seu misto de plastico e lâmina, só disse que o lápis era um bobo, pois todos sabiam que se queixava de boca cheia; quem era aquele que dava os primeiros passos para a construção final, mesmo que ela fosse feita pela caneta? O lápis! O apontador finalizou dizendo que ele sim tinha motivos mais verdadeiros para se queixar, pois tudo o que fazia era uma pequena participação, e rara, em qualquer texto que fosse.

O lápis ficou confuso com o que ouvira, mas ainda estava certo de sua condição. Se a borracha era triste por não deixar nada escrito, o lápis achou-se mais triste por que tudo o que deixaria escrito um dia se apagaria ou seria ofuscado por uma caneta. Se o apontador achava-se triste por deixar uma pequena atuação na obra geral, o lápis sabia que sua participação seria sempre o meio termo, o chove não molha, o escreve e apaga.

Não adiantava, o lápis cansara-se de seu grafite e de sua sempre cinzenta presença. Antes de seguir para seus centímetros finais, imaginou por aulas inteiras realizando uma escrita colorida, inapagável, última, essencialmente com o pé na eternidade e fugindo da triste história de tudo que é efêmero perante uma borracha.

domingo, 8 de junho de 2008

Eu mato, eu mato quem roubou minha cueca pra fazer pano de prato

Vozes alteradas. Polêmica em frente à televisão:
- Se eu achasse uma mala com dinheiro, eu só devolveria se soubesse quem foi que perdeu. Ou se tivesse medo que o dinheiro fosse sujo, de máfia, essas coisas. Se não, não. Vou dar pra polícia? Nunca!
- Ah, eu só devolveria se tivesse algum grau de afinidade com a pessoa.
- Ah, não. Se eu soubesse quem é o dono, mesmo que não tivesse afinidade, devolveria.
- Eu não. Quem me garante que se eu perdesse meu dinheiro alguém me devolveria?


Leitores amigos [arrisco serem amigos porque apenas esses aturariam esses o blogue], paira acima o espectro do pensamento mais obtuso que ronda o novo e o velho mundo: o pensamento egoísta.
A primeira criatura, receando que a polícia fizesse apropriação indevida do dinheiro alheio, resolve fazê-lo ela mesma. A segunda criatura não faz aos demais aquilo que espera para si mesma.
O diálogo dinheirista explicita as diferentes éticas professadas por diferentes pessoas. Na certa o mesmo ocorre com os leitores amigos e suas motivações. Por isso, vou chamá-los a duas reflexões: a subjetiva e a objetiva – embora eu creia que são faces complementares.
A ordem subjetiva de que falo é aquela análise psicológica movida pela abstração empática e fraterna comumente condicionada por valores religiosos que recaem na ética do trabalho. Ora, os recursos materiais são conseqüência de merecimento e são dados ao homem para fazer uso responsável e conseqüente, para si e para outrem. Não é sensato crer que malas de dinheiro caem do céu. Se se acha uma mala, antes de pensarmos na necessidade a ser suprida ou nas condições em que ela caiu em nosso colo [que na certa nos parecerão mágicas o suficiente para legitimar nossa sanha mercantil], precisa-se pensar que ela não é nossa. Simples: não é meu, não pego. Se pegar, devolvo. Se não tiver pra quem devolver, vai pra Polícia. Porque a verdadeira paixão cristã, tomando-a por exemplo, é renunciante. Assim imagino o Thiago.
E se alguém quiser doar o dinheiro pra instituições de caridade, oferecê-lo a pessoas amigas, deixar um agrado para a mulher do pão, fazer filantropia de toda sorte, contemplar o porteiro, presentear qualquer pessoa sorridente da rua, complicar a declaração de imposto de renda de algumas dúzias de pessoas, conhecidas ou não? Não, não sou tão ranzinza: é claro que não esqueço dos libertos! E é para eles que abro esse parágrafo especial. Aquele que consegue registrar coelhos fofinhos no céu e espeta morangos nos dedos para comê-los em fila podem dar o fabuloso destino descrito acima ao dinheiro sem preocupações com a legitimidade. Seria altruísta o suficiente para receber aval do Todo Poderoso e estaria de acordo com a perspectiva objetiva.
Por sua vez, essa perspectiva objetiva vem a ser uma análise social conduzida pela razão do sujeito histórico – a imanência pode ser suficientemente moral. Aqui imagino o César. Basta recriarmos uma tipologização dicotomizada entre a extrema solidariedade e entre o extremo egoísmo [algo como Durkheim ou os conceitos de apolíneo e dionisíaco]: a sociedade apolínea ou a mais solidária e coesa na certa são mais sustentáveis. Basta essa premissa para que tenhamos uma moral mais reta, mesmo que a consciência não remeta a nada mais transcendente.
No entanto, não é necessária qualquer forma de pensamento mais elaborado. A ética cristã está difusa no senso comum e determina com segurança a não apropriação da propriedade alheia. Não faça ao próximo aquilo que não quer que lhe seja feito, recomenda.
Assim, com largo espaço para as diferentes motivações que orientam os leitores amigos, é possível concluir que deixar malas com dinheiro perto do César ou do Thiago provavelmente seja mais seguro que guardar o dinheiro na cueca.

sexta-feira, 30 de maio de 2008

Cocotidiano Hipócrita

Um pequeno manifesto.

Era uma aula sobre essa coisinha chamada cultura cívica, que quando os europeus colonizadores e imigrantes vieram para cá, esqueceram de trazer. O lance principal da aula, tirando as histórias sempre engraçadas da única professora de nível superior a usar all star, era colocar em choque o interesse pessoal contra o interesse coletivo. Se todos sabemos que o melhor seria agirmos em conjunto para evitarmos um punhado de problemas, por que só nos preocupamos em tirar o nosso da reta? Mais ou menos isso.


O exemplo que a professora deu foi o tal do dilema do prisioneiro: dois presos cúmplices estão incomunicáveis; se um sacanear o outro e resolver dedurar, este se livra da pena quando aponta seu cumplice como culpado; mas se este ficar em silêncio e aquele outro dedurar, vai receber uma pena pesada pois foi dedurado; e se os dois ficarem em silêncio, ambos recebem uma pena leve pois ninguém dedou ninguém. “E aí, o que vocês fazem?” pergunta a professora. Me pareceu aquele tipo de situação que a gente vive pelo menos uma vez na escola – você e um colega meliante sob o carcere da diretora - ou então em casa – você e seu irmão sob o carcere paterno.


Depois de algum silêncio a professora explica que a moral da história é que confiança é uma via de mão dupla: você tem que confiar no outro e saber que o outro confia em ti para fazer a escolha mais proveitosa para ambos. Pena que meus colegas da oitava série não tiveram essa aula e não hesitaram em apontar quem iniciou a grande segunda guerra com tubos de caneta bic e papel mastigado, bem no meio da aula de geografia - ninguém valoriza um espírito guerreiro.


Enfim, toda a aula passava meio que em branco – uma sensação típica do curso – pois eram coisas um tanto vagas e idealizadas, e isso ficou mais forte quando surgiu o tema da reciprocidade: dar sabendo que vai receber. Há quem dê e acabe não recebendo nada de volta, e isso em vários sentidos – é o que dizem mas me isento de testemunhar qualquer prática pessoal sobre isso. Enquanto tentava entender o assunto, surge o burburinho na carteira atrás de mim e que eu teria ignorado se não fosse a carteira do bon vivant desse blog, a saber, Thiago:


- O que você acha disso, Marechal?

- Do que?
- Da reciprocidade.
- Se eu acho que é viável? Claro que é, e... - ia continuar seu pensamento em uma breve digressão séria sobre o assunto, mas é interrompido.
- Me dá 20 centavos então.
- Hein?
- 20 centavos para o RU.


Diante do silêncio desconsertado do Marechal, e da posterior enrolação até emprestar os 20 centavos, entendi melhor o problema da reciprocidade na prática. Dar e receber é complicado.


Mas algo ainda pairava no ar, pedindo para ser explicado também na prática. A aula acabara e, tirando o pequeno episódio dos 20 centavos, só tinha sobrado teoria pura e vazia. Mas eis que a chamada começa, e logo a tensão típica de uma ultima aula de sexta-feira começa: conversas altas, risadas, arrastar de carteiras, fechar de zíperes. Ninguém podia conter-se para responder a chamada e ir embora, contudo ninguém podia ouvir seu nome sendo chamado. Quem respondia um 'presente!', bem gritado por sinal, se ainda não estava conversando começava a conversar e contribuía para a poluição sonora; como ouvir seu nome em meio a tanto barulho? Alguns alunos ainda faziam um 'shhhh' na esperança de que o silêncio fosse reestabelecido e a chamada feita com paz e ordem. Mas tudo em vão. Aqueles que respondiam a chamada já não tinham mais compromisso moral algum; o de letra A estava cagando e andando para o de letra V e desatava a dificultar a chamada. Foi aí que entendi na prática o que é a falta de cultura cívica, o que é você tirar somente o seu da reta e não ligar para mais nada.


Ninguém podia suprimir sua vontade individual, expressa no conversar típico de colegiais eufóricos, para o bem coletivo, expresso na chamada. Mas ainda bem que são só universitários e que eles serão somente a futura classe a ocupar postos que exigem uma certa carga de conhecimentos científicos e morais. Bem, pelo menos não sou o único a não aprender muito bem o que se passa na faculdade.


Para finalizar, nada melhor do que, mais uma vez, a piada de fundo político feito pela nossa querida e simpática – também ligada na moda dos all stars- professora de política:


- Se na Alemanha uma pessoa cai em um buraco, ninguém faz nada, afinal, lá existe um Estado forte que vai ajudar a pessoa e tomar todas as providências necessárias para quem caiu no buraco. Se nos EUA (sempre eles) alguém cair no buraco, logo forma-se um grupo de pessoas, todas fazendo de tudo para tirar essa pessoa do buraco e tomar as medidas necessárias; uma Sociedade toda ajudando um membro seu. Já no Brasil, se alguém cai no buraco, ninguém faz nada pois sabe que aqui não tem Estado nem Sociedade para ajudar, ou seja, não precisa fazer nada por que sabe que ninguém vai fazer mesmo.


Acho que isso finaliza bem o texto.

quarta-feira, 28 de maio de 2008

Pássaros

Pássaros

Sempre gostei de observar animais

Principalmente os humanos

E o mais interessante

A comparação que estes fazem com o resto da bicharada

Tomemos o pássaro por exemplo

Todos que se comparam com ele

Dizem querer ter asas pra voar

Mas eu nunca consegui deixar de pensar

Que se eu fosse um pássaro

Além da asa muito mais determinante

Seria a cloaca



Thiago Elias

sábado, 24 de maio de 2008

Aos amigos de Comores

Em especial àqueles que são humanos e o demonstram

Conhece Comores?
Comores é um discreto arquipélago ao sudeste do continente africano. Lá pelos idos de mil trezentos e bala Zequinha foi ocupada pelos árabes, o que determinou sua formação cultural e religiosa. No Século XVI, portugueses invadiram as ilhas – que ficam a caminho das Índias –, promoveram saques e destruíram a economia local. Desde então esteve sob domínio árabe e francês, até a proclamação da república. Uma das ilhas ainda se encontra sob domínio francês. As demais contam com sistema presidencialista – vitalício, praticamente. Além da instabilidade política, os comorenses sofrem com analfabetismo, desnutrição infantil, entre outros problemas.
Hoje, 24 de maio de 2008, comemora-se 30 anos da proclamação da República Islâmica de Comores.
E daí? Aí que está: daí que Comores somos nós e nossos badulaques, atabaques, luso-saques. Somos nós mesmos, senão por ofertarmos meia dúzia de itens específicos da lista de mercado da Coroa: ouro pro mês, uns troncos de pau-brasil, oportunidade territorial ímpar, um punhado de prata; e não esquecer daquela promoção barata de mão-de-obra.
E daí que pouco importa se eram muçulmanos, se eram cristãos, se não eram nada disso – aliás, hoje, o cristianismo é proibido em Comores. Pouco importa se eram vermelhos, pretos ou amarelos, antes dos sucessivos estupros pálidos. Pouco importa se caçavam, pescavam e colhiam desbravando o seu quintal cuidado pelos deuses ou se comiam à sorte da rede e de Alá. Pouco importa se éramos nós, se foi o nosso sangue que caiu, qual bandeira flamejava orgulhosa. Era gente, de carne, osso e um pouco mais, que conheceu a mais covarde selvageria. Criaturas vivas na rota da civilização que em um dia perdido foram o meio justificado pelo fim estrangeiro. Seres íntegros sucumbindo perante titãs com porretes de ferro. Pessoas, agentes transcendentes, atores históricos sentindo a essência da carne dilacerada por risos, urros, guinchos superficiais e ininteligíveis. Existências apagadas por monstros humanóides, viajantes em ilhas móveis empurradas por pano imensamente desenhado com cruzes púrpuras.

É evidente que a proclamação da república por si só em nada representa a libertação do povo comorense. Nós mesmos continuamos cerceados, subjulgados, espremidos entre dedos nortistas apontados em riste para nós. Seria ingênuo se felicitar e esperar reformas radicais a partir disso. Entretanto, a História nos prova seguidamente que as mudanças são graduais, que bem-estar social não se baixa por decreto – tampouco por revolução*. O processo de uma efetiva independência se constrói pouco a pouco, antes ao tempo do lápis [e da borracha] que ao tempo da caneta.
Os votos que faço a Comores no trigésimo são os mesmos que faço a nós. Que são os mesmos que faço aos estadunidenses, errantes conscientes; aos franceses, que teimam na gafe; aos portugueses, que nada são além do século XVIII; aos cubanos, que erram ineditamente; aos chineses, que prometem errar. E que são os mesmos que faço aos muçulmanos, que já são a maioria de errantes; aos cristãos, errantes seculares; às boas e más pessoas, ainda errantes.
Navegar é preciso. Ser empático também é preciso.



*Dedico a presente nota à Aline: ambos questionamos a
educação que forma médicos em pencas mas não permitiria que eu publicasse esse
mesmo texto por a internete não ser liberada para domicílios.

quinta-feira, 22 de maio de 2008

Corpus Christi – O Feriado (22 de maio - este ano)

Em qualquer outra quinta feira normal eu estaria preocupado, afinal não tem choro, nem vela, nem fita amarela escrita com o nome dela(1), amanhã é imprescindivelmente sexta-feira. Mas hoje, 22 de maio do ano do nosso Senhor 2008 dediquei-me ao ócio e a arte da sociabilidade via MSN o dia inteiro, e como estamos no Brasil, chego à noite sem preocupações porque nenhum professor universitário ousaria não emendar o feriado. Nestas incursões cibernéticas fui indagado sobre o significado deste feriado, não pude responder, devido obviamente a minha ignorância (que, diga-se de passagem, só faz aumentar). O fato muito estarreceu quem me perguntava pois ele bem sabe que sou cristão assíduo, em seguida fiquei com vergonha por ser cristão e não saber o que significa um feriado que tem Christi no nome.

Por isso aqui estou fazendo uma análise deste feriado. Recorri obviamente ao instrumento de pesquisa de todo o adolescente de hoje em dia uma enciclopédia virtual que tomarei o cuidado de não citar por questões autorais (afinal uma mega empresa poderia acabar com este pequeno espaço subversivo e subjetivo a ponto de me deixar sem calças até a segunda geração, ou segunda ordem). Enfim aprendi que a data de Corpus Christi é uma festa que deve ocorrer necessariamente na quinta-feira após a festa da Trindade, que por sua vez ocorre no domingo seguinte à festa de pentecostes. Antes que o leitor ache que o mês de maio é algum tipo de férias coletivas do pessoal lá de cima devido ao número de festas, onde provavelmente não se trabalha com tanta assiduidade como nos outros dias, repare que as festas instituídas pelos homens ( A Festa de Corpus Christi foi instituída pelo Papa Urbano IV com a Bula ‘Transiturus’ de 11 de agosto de 1264) coincidentemente não caíram em nenhum domingo, como aconteceu com a data de pentecostes que ocorreu quando o Espírito Santo desceu sobre os discípulos de Jesus, e portanto foi dada por uma vontade superior. Este é o meu primeiro ponto, quando deixam os homens fazerem os feriados eles fazem num dia que possam emendar a folga no dia seguinte.

Certo, o que significa esta celebração mesmo? A data foi instituída, segundo as minhas fontes (ou a minha fonte), pois a igreja católica sentiu a necessidade de reiterar a presença real e substancial de Cristo na eucaristia. Eucarie..o quê...? Eucaristia, segundo a igreja católica durante a Santa Ceia (ato de comer o pão e beber o vinho assim como fez Nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo na sua última refeição, para lembrar do seu corpo partido por nós e por seu sangue derramado para o perdão dos nossos pecados) o pão transforma-se no corpo de Cristo e o vinho em seu sangue através do milagre da Transubstanciação. Aí percebo porque eu desconhecia esta data, os protestantes (ou evangélicos) crêem que a Santa Ceia é apenas um ato simbólico, portanto para lembrar do sacrifício de Cristo, como professo esta fé não faria sentido celebrar a presença substancial de Cristo na Eucaristia.

Obviamente não travarei nenhum embate teológico neste blog, só espero que este “testículo”(2) seja útil para mostrar aos leitores o que significa este feriado, em que provavelmente pouca gente sequer parou para pensar em Deus, ou em Jesus ou mesmo para refletir na própria vida, e tudo o que fizeram foi dar graças (a Deus ou não) por não precisar ir ao trabalho.

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(1)- Velho deitado, digo, velho ditado muito útil e belo.

(2)- Diminutivo de texto, na falta de algum melhor.

quarta-feira, 21 de maio de 2008

Análise do vestuário da professora feminista



Etnografia empático-crítico-hermenêutica

Propondo-me a fazer uma análise de ocasião [resolvi neste momento por ímpeto intuitivo fazer ciência e não tomar café], lancei-me a campo como quem entra em uma sala de aula estranha – pois foi justamente o que fiz, sob o olhar legítimo ainda que enfadonho da transcrição etnográfica comentada.
O ambiente me foi receptivo. Adentrei entre os presentes sem nenhum tipo de olhar de estranhamento etnocêntrico. Mais tarde vim a saber que isso se deu por não ser uma aula de antropologia.
Já sentado, fiz cara de nativo e, sob essa máscara, soube que se tratava de uma aula de sociologia feminista. Não percebi, entretanto, qual sociologia deveria estar sendo discutida de acordo com o cronograma curricular. Ignoro este elemento e atenho-me àquele, empírico.
Tendo em mãos diversos elementos de compreensão [já sabia então do que se tratava, por que eu caí ali, quem participava da panfletagem e, obviamente, conhecia as referências temporais e espaciais], faltava-me ainda um elo, um tema de diálogo. Faltava-me o como.
Não saberia o leitor o quão tenaz foi minha busca introspectiva no sentido de compreender empaticamente as motivações residentes na práxis cocotidiana, lar-doce-lar do objeto feminista. E, não tendo eu sociological blues suficiente para dar conta do simbólico, fixo-me na estética, que acaba por responder meus questionamentos mais hermenêuticos. Assim, cri na análise do vestuário para objeto destas linhas carcomidas por preconceitos de gênero conscientes.
Em se tratando a aula de um processo ritual, ainda que cocotidiano, para melhor compreendê-lo eu opto por um agente envolvido. Escolhi a professora por ser quem dá o tom da ritualística, por determinar seu clímax [dando o ritual por encerrado], quem está em pé – o que evidencia o objeto cosmético: ela –, além de contar com um irritante sotaque estadunidense que na certa merece um castigo como esse.
A professora está – começando pela cabeça, como sugere o intercurso antifeminista – com um óculos preto, discreto, quase charmoso. O pescoço está desnudo, mas não observei estranhamento dos presentes. Ela usa [pasmem!] uma camisa rosa e uma jaqueta vermelha, o que não combina nem aqui nem na China. Nem nos esteites.¹
Dando seqüência à nossa discussão superficial e linear-vertical da vestuarística, tenho o pesar em dizer que sobre isso vai ainda um casaco preto: a moldura infame do conjunto demodê supracitado. Descendo em nosso nível epistemológico, a respeito das peças íntimas não posso dizer nada; nem se vai coberta por uma langerri, já que a professora veste uma calça dins cigarrete² azul que se afunila da delgada cintura até o sapato marrom de cadarços caramelos.
Lembro ao leitor que em nosso exercício de análise não convém considerá-la uma aberração. Há de ter sentido funcional no meio que em que vive. E agora me veio na cabeça a função da burca...
Os alunos, como são chamados os demais atores do ritual, fazem-se absolutamente passivos. Alguns entraram em transe e mantinham-se acordados por pouco tempo. Um deles, especialmente absorto, disse-me algo como ‘a matéria é obrigatória’. Pareceu-me algo como uma carga horária compulsória onde dever-se-ia aprender coisas úteis como a mesóclise, mas usa-se de tortura e chantagem para impor condições de manutenção social naquela comunidade.³
Continuando nossa vereda estética-hermenêutica, detenho-me enfim nas expressões corporais do nosso objeto docente. Embora tenha ajeitado a franja uma ou duas vezes, não a encaixo no clã emo4 por ter cabelo crespo [a classificação, me parece, é biologizante, meramente]. O olhar é sempre baixo e fixo, quase psicopatológico, o que deve estar relacionado às vestes ligeiramente comentadas. O mesmo deve ainda justificar a ocorrência do posicionamento dos braços como um tiranossauro reques.
Concluo este pequeno e mui objetivo olhar sobre a professora, que nos possibilitou eficaz compreensão do ethos feminista. Seguramente, nem o tema abordado nem o presente clichê estão esgotados. Na certa, há ainda amplo guarda-roupa a ser matizado por essa corrente de impacto cosmético, de fundamental importância para a compreensão sociovirtual.


¹PEGURSKI, Carlos A., Tratado Antropológico Universal das Vestes Sobreutilitaristas, Ed. Bohemia, 2008.
²Grato à amiga Wemily por me explicar o que é uma cigarrete, isso lá pelos idos de mil novecentos e bala zequinha.
³Precisaria ir mais à faculdade para assegurar esse fato.
4Sobre os emos, consultar FRANCO, César B., Diário de um Adolescente Interiorano, Ed. Miguximpresso, 2008.

domingo, 18 de maio de 2008

Rua da Saudade


Cidade pequena...

...e suas ruas da saudade


Cidade pequena tem muita coisa para a infância-juventude de uma pessoa que só quem lá mora pode entender. O grande prazer de morar num lugar assim, de tímidos prédios a surgir no horizonte – que tem como fundo o campo - e de ruas centrais de faixa única, não é o fato de você conhecer grande parte das pessoas. Na verdade, isso é o pior da cidade pequena; sente-se observado o tempo todo e sabe, que o que fizer em público e até no privado, vai ser realmente público no dia seguinte. O bom de morar num pequeno aglomerado urbano de interior é saber que por mais que não haja necessidade de saber o nome das ruas - afinal, a melhor referência é o banco, a loja ou o mercado – você pode nomear cada uma delas de acordo com acontecimentos de sua vida. Quando pela noite anda-se por ruas que te remetem a sua própria história, isso sim é a verdadeira intimidade do interior; não uma relação íntima entre você e um outro, mas entre você e aquela cidade que para sempre levará um pouco de ti.


Em algumas ruas você encontra o lugar das primeiras lições, a construção onde foi sua escola e que hoje você já não reconhece mais; mas lá ainda tem salas de aulas metamorfoseadas que guardam também uma essência de você, da manhã que tirou uma nota boa, da tarde que ficou no mesmo grupo da menina bonitinha que sentava a sua frente, da noite que achou no bolso um bilhetinho romântico. Talvez a cantina já não exista, mas a rua detrás da escola onde recebeste o primeiro 'oi' de sua paixão escolar sempre vai existir.


Outras ruas, de arvores aladas e canteiros decorados, trazem as casas de quintais verdes, um campo para tantas partidas de futebol com amigos que hoje são estranhos. Trazem também as casas que, uma ou outra, um dia serviu de palco para festa de aniversário de 12 anos de seu colega, e que a partir daquele dia virou um grande companheiro. É a mesma rua que preserva a casa vazia desde sua partida; vazia de suas sujeiras, suas bagunça, mas sempre contendo – mesmo que seus futuros donos não saibam – as madrugadas de risos e confissões.


Tem as ruas das brigas e tensões que teve em sua vida até então curta. Mas a rua das palavras que voaram pelo ar só para ofender seu amigo é a mesma rua em que depois andaram juntos, conversando sobre os desenhos, planejando longas tardes de jogos de tabuleiro quando terminassem as tarefas escolares. A mesma rua que andaram lado a lado enquanto seus orgulhos permitiram.


Uma das poucas avenidas contém algo de 3 anos, 36 meses, em que virou rotina fazer aquele caminho de bicicleta apostando corrida com seus pares a caminho da escola; por mais que hoje, quando eventualmente passar por lá você passe de carro, vai sempre lembrar dos dias especiais, de alguns tombos, das conversas ofegantes, dos dias frios em que se usava luva para aquecer os dedos; e você ainda vai lembrar o cheiro da luva, e o arder de seu rosto quente em encontro com o vento frio da ladeira em que as rodas da bicicleta giravam sem parar impulsionadas pelas suas pedaladas.


Mas muitas ruas trazem as bicicletas e lembram ainda os finais de semana em que não tinha diversão igual a andar de bicicleta por aí. Coisa de cidade pequena talvez, coisa antes da invasão em massa da internet provavelmente. Aqueles que andavam do seu lado já estão em lugares desconhecidos hoje, a garota por quem você se apaixonou e também estava lá, hoje igualmente está perdida pela distância, mas a rua em que você caiu da bicicleta tentando impressiona-la ainda permanece.


Muitas ruas poderiam tem nomes ligados a garotas. Não que sejas mulherengo ou coisa do tipo, mas por que aquelas ruas sempre conspiraram para te marcar sob um nome feminino. A via transversal, em frente a um consultório médico e atrás da quadra de esportes, seria a rua do primeiro beijo, tímido e desajeitado. O muro que serviu de apoio a mãos trêmulas ainda está lá. Há ruas que lembram pequenos e não menos importantes momentos de sua vida sentimental. A rua da praça em que, frente a ela, tinha lojinha onde comprou um anel, de pedras vermelhas e inocentemente baratas, para dar a sua primeira paixão. Você nunca deu o anel, a loja fechou, mas até hoje a rua lembra o nome de sua paixonite juvenil. Há até a rua que, por graça do acaso, conserva ainda o pé de manga onde depois de ter suas palavras de amor ignoradas, jogadas ao vento, deitou-se na calçada em uma madrugada e repetiu o nome da garota tantas vezes até que começou a não querer dize-lo nunca mais; mas o nome ainda está lá, junto da rua.


Talvez sejam ruas fascinantes por que presenciaram a maior parte de sua vida pré-responsabilidades. Mas teve também a rua do alistamento militar, a rua da biblioteca na qual passou horas estudando para o vestibular, a rua que perguntou-se dos grandes porquês do mundo e frustrou-se por sequer entende-los. Houve a rua que olhou para o céu e pensou no colega falecido.


Realmente não sabes o nome daquelas ruas, mas lembras de cada uma delas, e lembras tanto que com toda certeza o nome de algum figurão ou dito herói brasileiro não poderia jamais conter todo seu valor; até prefere não saber se eram ruas de príncipes, barões, estados ou países, gosta de lembrar delas por suas adjetivações e personificações. Por isso se um dia lá voltar, onde quer que vá, saberá que todas as ruas serão ruas suas e de mais ninguém; ruas pessoais e próprias de tua existência. Indo ao mercado ou a rodoviária, serão todas, sem exceção nenhuma, ruas com nome Saudade. Não foram só coisas boas que lá viveu, mas grande parte do que é hoje, tem suas raízes em ruas estreitas, pequenas e que quando unidas, essas pequenas ruelas dão corpo à uma pequena cidade interiorana. Dão corpo a ti mesmo.