sexta-feira, 30 de maio de 2008

Cocotidiano Hipócrita

Um pequeno manifesto.

Era uma aula sobre essa coisinha chamada cultura cívica, que quando os europeus colonizadores e imigrantes vieram para cá, esqueceram de trazer. O lance principal da aula, tirando as histórias sempre engraçadas da única professora de nível superior a usar all star, era colocar em choque o interesse pessoal contra o interesse coletivo. Se todos sabemos que o melhor seria agirmos em conjunto para evitarmos um punhado de problemas, por que só nos preocupamos em tirar o nosso da reta? Mais ou menos isso.


O exemplo que a professora deu foi o tal do dilema do prisioneiro: dois presos cúmplices estão incomunicáveis; se um sacanear o outro e resolver dedurar, este se livra da pena quando aponta seu cumplice como culpado; mas se este ficar em silêncio e aquele outro dedurar, vai receber uma pena pesada pois foi dedurado; e se os dois ficarem em silêncio, ambos recebem uma pena leve pois ninguém dedou ninguém. “E aí, o que vocês fazem?” pergunta a professora. Me pareceu aquele tipo de situação que a gente vive pelo menos uma vez na escola – você e um colega meliante sob o carcere da diretora - ou então em casa – você e seu irmão sob o carcere paterno.


Depois de algum silêncio a professora explica que a moral da história é que confiança é uma via de mão dupla: você tem que confiar no outro e saber que o outro confia em ti para fazer a escolha mais proveitosa para ambos. Pena que meus colegas da oitava série não tiveram essa aula e não hesitaram em apontar quem iniciou a grande segunda guerra com tubos de caneta bic e papel mastigado, bem no meio da aula de geografia - ninguém valoriza um espírito guerreiro.


Enfim, toda a aula passava meio que em branco – uma sensação típica do curso – pois eram coisas um tanto vagas e idealizadas, e isso ficou mais forte quando surgiu o tema da reciprocidade: dar sabendo que vai receber. Há quem dê e acabe não recebendo nada de volta, e isso em vários sentidos – é o que dizem mas me isento de testemunhar qualquer prática pessoal sobre isso. Enquanto tentava entender o assunto, surge o burburinho na carteira atrás de mim e que eu teria ignorado se não fosse a carteira do bon vivant desse blog, a saber, Thiago:


- O que você acha disso, Marechal?

- Do que?
- Da reciprocidade.
- Se eu acho que é viável? Claro que é, e... - ia continuar seu pensamento em uma breve digressão séria sobre o assunto, mas é interrompido.
- Me dá 20 centavos então.
- Hein?
- 20 centavos para o RU.


Diante do silêncio desconsertado do Marechal, e da posterior enrolação até emprestar os 20 centavos, entendi melhor o problema da reciprocidade na prática. Dar e receber é complicado.


Mas algo ainda pairava no ar, pedindo para ser explicado também na prática. A aula acabara e, tirando o pequeno episódio dos 20 centavos, só tinha sobrado teoria pura e vazia. Mas eis que a chamada começa, e logo a tensão típica de uma ultima aula de sexta-feira começa: conversas altas, risadas, arrastar de carteiras, fechar de zíperes. Ninguém podia conter-se para responder a chamada e ir embora, contudo ninguém podia ouvir seu nome sendo chamado. Quem respondia um 'presente!', bem gritado por sinal, se ainda não estava conversando começava a conversar e contribuía para a poluição sonora; como ouvir seu nome em meio a tanto barulho? Alguns alunos ainda faziam um 'shhhh' na esperança de que o silêncio fosse reestabelecido e a chamada feita com paz e ordem. Mas tudo em vão. Aqueles que respondiam a chamada já não tinham mais compromisso moral algum; o de letra A estava cagando e andando para o de letra V e desatava a dificultar a chamada. Foi aí que entendi na prática o que é a falta de cultura cívica, o que é você tirar somente o seu da reta e não ligar para mais nada.


Ninguém podia suprimir sua vontade individual, expressa no conversar típico de colegiais eufóricos, para o bem coletivo, expresso na chamada. Mas ainda bem que são só universitários e que eles serão somente a futura classe a ocupar postos que exigem uma certa carga de conhecimentos científicos e morais. Bem, pelo menos não sou o único a não aprender muito bem o que se passa na faculdade.


Para finalizar, nada melhor do que, mais uma vez, a piada de fundo político feito pela nossa querida e simpática – também ligada na moda dos all stars- professora de política:


- Se na Alemanha uma pessoa cai em um buraco, ninguém faz nada, afinal, lá existe um Estado forte que vai ajudar a pessoa e tomar todas as providências necessárias para quem caiu no buraco. Se nos EUA (sempre eles) alguém cair no buraco, logo forma-se um grupo de pessoas, todas fazendo de tudo para tirar essa pessoa do buraco e tomar as medidas necessárias; uma Sociedade toda ajudando um membro seu. Já no Brasil, se alguém cai no buraco, ninguém faz nada pois sabe que aqui não tem Estado nem Sociedade para ajudar, ou seja, não precisa fazer nada por que sabe que ninguém vai fazer mesmo.


Acho que isso finaliza bem o texto.

4 comentários:

Carlos Pegurski disse...

Isso me faz pensar que tudo se reduz a mim. Não no sentido de que eu só importo; pelo contrário. É antes no sentido de que se eu acho que a reciprocidade é importante, que eu comece a exercê-la por mim. Mas não por mim, apenas: principalmente pelos outros, o que me inclui. Metermenêutico.
E não gostei da alusão aos alemães e aos estadunidenses. Nada a ver. O povo brasileiro é colaborativo. Não é organizado, politicamente gregário, etc, mas temos manifestações de coesão, de solidariedade.

Thiago Elias disse...

como bon-vivant e poeta frustrado digo que a aula seria realmente muito ruim não fosse a minha bela piada que fez esses universitários tomarem um ouco de reciprocidade na testa...

Aline disse...

E a gente que é fraco, cai no buraco.

Hahahaha.

ótimo texto. O que falta realmente é uma educação que faça o interesse individual coergir com o interesse coletivo.

-

será que isso existe?

-

Enquanto não der pra saber, o interesse individual sempre vai estar a frente, a menos que haja uma força coersitiva forte o bastante para conter o indivíduo.

Este é o mundo - Assim falou Aline Stéfanie.

E a gente é fraca, cai no buraco, o buraco é fundo, acabou-se o mundo!

Anônimo disse...

Outro dia lembrei desse texto durante a aula de Constitucional, na hora da chamada... :D