domingo, 1 de maio de 2011

Café da Manhã


O despertador do celular tocou as dez para as oito. Era um bom horário, não muito cedo. Ele se sentou na cama, desligou o alarme, e virou para o lado, deu um beijo na testa dela e tentou acorda-la, mesmo sabendo que ela não levantaria até ele levar o café. Mesmo assim ele gostava de beija-la e olhar pra ela antes dela acordar. Levantou-se devagar e esfregou os olhos enquanto ia ao banheiro. Foi a cozinha e começou a preparar o café, pôs agua para ferver, colocou o pó no coador e começou a preparar as torradas. Enquanto a agua fervia ele foi se trocar. Aproveitou para olha-la dormindo novamente, ela era engraçada, ele deu um sorriso com o canto da boca, estava se sentindo bem.

A agua ferveu, ele passou o café, preparou as torradas, uma com manteiga e uma com geleia para cada um, preparou o café dela na xicara lilás, pouco leite e pouco açúcar, e levou o café para o quarto. Dessa vez ela despertou, alias com um sorriso encantador, ela agradeceu deu um jeito que ele não se importaria em ter que fazer aquilo a vida toda. Ela pegou a xicara com as duas mãos, e ele adorava o jeito que ela fazia isso! Tomaram café juntos, sentados na cama, conversando pouco, mas rindo bastante, estavam felizes.

Ela se levantou e quis tomar um banho rápido, já estavam atrasados. Ele guardou as coisas na cozinha, e olhou pela janela enquanto esperava, dia cinzento, mas pelo menos não estava frio. Depois disso ele foi ao banheiro e ficou olhando para ela enquanto ela secava o cabelo, ela fazia caretas pelo espelho e ele entrou no jogo. Riram mais um pouco. Ela terminou a maquiagem, pouca coisa, e ele gostava do seu jeito de se maquiar, não precisava de muito pra ficar bonita, alias, não precisava de nada.

Estavam prontos, hora de ir. Agora ele estava com um nó na garganta, e ela sabia. Abraçaram-se demoradamente. Os cabelos dela eram longos e ainda estavam molhados embaixo, ele adorava isso, sentia seus braços irem molhando vagarosamente. Quando o abraço parecia estar se acabando ambos apertaram mais forte e ficaram ali sentindo um ao outro.

Afastaram-se e ficaram apenas de mãos dadas e se olhando por um tempo, em seguida ela foi andando, meu Deus como ele adorava o jeito que ela andava! Ele a observou por um bom tempo, ela olhou pra trás e sorriu, sorriso lindo aquele!

quinta-feira, 28 de abril de 2011

Salsicha enlatada

Eles eram um grupo de jovens da Igreja Luterana em viagem pelo Brasil. Na verdade, formavam um coral de música gospel, e por isso estavam na cidade – uma porção de apresentações aqui e ali.

Tudo muito corriqueiro não fosse o detalhe de serem norte-americanos.

Fala aqui, convida ali, cobra um favorzinho de lá, e puft: os americanos visitariam a nossa universidade. Mais especificamente, a nossa turma de Língua Inglesa é que seria a agraciada.

Tudo didaticamente orientado, claro, pela professora; seria uma aula interativa para que treinássemos conversação com os nativos e coisa e tal.

O primeiro nó veio aí: nativos. Até hoje só ouvi essa palavra com um velado tom pejorativo. Os índios brasileiros são nativos, alguma cultura tribal africana é feita por nativos, aqueles povos sem-fim da Melanésia são nativos .

Mas os yankees, eles, logo eles, são em algum ponto nativos? Enfim, o primeiro de outros nós antropológicos.

O segundo nó, não meu, veio com a fantasia em cima de nossos vizinhos distantes. As garotas suspiraram em imaginações que iam longe. Devaneios sobre a harmonia e beleza nórdica.

Seriam do tipo Zac Efron para os moderninhos, ou à la George Clooney para os clássicos – para redimir eventuais suspeitas sobre minhas preferências, cito que precisei pesquisar como se escreve Zac Efron já que não fazia parte do meu universo simbólico-cognitivo.

Quando os americanos chegaram, as garotas notaram, desapontadas, que são gente como a gente. Não fosse o idioma, passariam despercebidos na fila do supermercado.

Mas o terceiro nó, o grande, dado notavelmente em mim, foi durante a dita conversação com o nativo. A dinâmica era em pequenos grupos; um americano por grupo, fazendo perguntas diretas para os alunos. Em inglês, obviamente.

Lá pelas tantas, ele me pergunta meu estilo musical preferido. Eu, tirando da ponta da língua, digo cheio de mim que adoro o rock dos anos 60. O nativo norte-americano exclamou animado – Oh, yeah! – e disse adorar também o rock dos anos 60.

Em segundos veio o clique. E fiquei deprimido. Céus, como sou colonizado! Quando falei do rock dos anos 60, a comunicação teve completo sucesso sem que eu precisasse dizer qual era o rock da década de 60. Estava dado que só existia um, e o yankee entendeu ser o seu rock dos anos 60.

Foi, de fato, como se só existisse um rock-dos-anos-60: o estadunidense. Pior: na minha cabeça uma potencial distinção nem sequer chegou a insinuar-se. Na minha cabeça, quando disse o que disse, o rock anos 60 era um só, e em completa sintonia com a cabeça do norte-americano. Sinonímia de aculturado.

O fato de eu ser brasileiro, e cá ter tido um rock na década de 60, passou longe de ter qualquer relevância quando eu disse gostar do rock anos 60.

Não sou do tipo purista que propala neuróticas acusações contra as misturas e influências culturais, porém, fiquei com um incômodo eco.

Colonizado, dito bem baixinho, suave, mas grafado em itálico, repetido na consciência.

Ou, como diria minha professora de Português: "Não se iluda! Você é uma salsicha enlatada!"

O sentido da frase é confuso, polissêmico, cheio da verve marxista da dita professora, mas sinto que deve aplicar-se a esse caso.

quarta-feira, 30 de março de 2011

A Internet, O Ser Humano e o Copo de Leite


Um dia desses (alias noite) estava no computador de madrugada, olhando sites de relacionamento e fazendo algumas reflexões sobre isso. Fantástico não? O novo vício é passar horas diante de um computador conhecendo pessoas que você não conhece, e mesmo assim, as vezes conhece melhor do que as pessoas com quem você mora. Pensei na evolução da comunicação, como isto afetas relacionamentos e tudo mais. Pois bem, já era tarde, a casa em silêncio, resolvi desligar o computador e tomar um copo de leite antes de dormir (atire a primeira pedra quem não tem este costume). Enquanto desligava o computador e saia do quarto reparei em quão forte brilham as luzes do computador, essas que informam que ele esta ligado ou que o num lock e caps lock estão ligados. Surpreendi-me, é realmente uma luz muito forte. E aí começaram os questionamentos existenciais: ”Uau, como o homem foi capaz de inventar isso? E o computador? Como aparecem imagens num monitor, as vezes mais bem definidas que a própria vida real (é que estou com um monitor novo bem bacana)?"


Com algum esforço mental alcancei a cozinha, como sempre a caixa de leite estava vazia na geladeira, amaldiçoei a caixa, a geladeira e tudo mais, e fui pegar outra caixa na dispensa. Se tem uma coisa que pode te fazer pirar com raciocínios inconsistentes de madrugada é uma caixa dessas de leite UHT pasteurizado! Realmente, quem teve a ideia de tratar o leite desta forma e fazer uma caixa dessas é um gênio, ou um capitalista aproveitador das superstições humanas quanto a sujeira de fazendas e coisa e tal. Peguei uma tesoura para abrir o leite, ah a tesoura! Que instrumento incrível! Se não me falha a memória das poucas e ótimas aulas de arqueologia que tive no curso de ciências sociais (nem a consulta a Wikipédia), o metal começou a ser trabalhado e utilizado a cerca de 7000 mil anos atrás, e revolucionou o mundo (de outro modo como abririam caixas de leite?). Posterior a chamada idade da pedra, e anterior a invenção da escrita, a idade do metal consolidou o péssimo hábito sedentário dos homens, e assim a agricultura evoluiu, as cidades evoluíram e os homens continuaram se matando.


Peguei o copo, e mais um momento de reflexão, coisa fantástica o vidro não! Dizem que é só esquentar a areia que vira vidro, fato é que se eu fosse abandonado numa floresta (o que provavelmente vai acontecer se eu não parar de escrever textos como esse) eu jamais conseguiria forjar um copo de vidro, nem um pedaço de metal pra virar uma tesoura, muito menos um plástico ou um led de computador.


De qualquer forma coloquei o leite semi-desnatado (boiolice, eu sei) no copo e bebi-o. Muito bom, enquanto bebia me ocorreu a ironia: ser humano ultra moderno, mexendo num computador, trajando roupas específicas para o ato de dormir, utilizando os mais mirabolantes aparatos que a humanidade descobriu, enfim, fazendo de tudo para se diferenciar de um animal bebendo o leite (o alimento mais elementar) de uma vaca! Um distante parente bovino!


Resumindo: Utilizando a internet, invenção mor da humanidade, utilizando todo o conforto disponível, utilizando pijama xadrez, mesmo assim a verdade é uma só: somos todos animais! Não somos melhores nem que as vacas, afinal, destruímos florestas e florestas, e assim destruímos o próprio mundo, para criar pasto (e ainda tem uns infelizes que vão para o interior e pensam “Ah a natureza!”). Destruímos nosso planeta para dar abrigo as vacas, nos iludindo achando que estamos no controle por no fim poder beber do seu leite! Fato é que os bezerrinhos também bebem leite e não pagam nada!


O que surpreende ainda mais é que com tudo que o ser humano conseguiu manipular a partir da natureza, a humanidade não vai nada bem! Você leitor pode até estar bem lendo em seu PC enquanto outra janela está aberta com seus sites de relacionamento, mas uma grande parcela da população sente fome. Acho que isso é meio inconcebível para nós, passar fome de verdade. Outra parte está envolvida em guerras, gente morrendo por causa de petróleo, religião, territórios e tudo mais. E toda a riqueza do mundo acaba mal distribuída (sim, usando um marxismo barato, afinal já era de madrugada).


E tudo isso porque eu quis um copo de leite! Ainda bem que não comi bolacha aquela noite!