domingo, 8 de junho de 2008

Eu mato, eu mato quem roubou minha cueca pra fazer pano de prato

Vozes alteradas. Polêmica em frente à televisão:
- Se eu achasse uma mala com dinheiro, eu só devolveria se soubesse quem foi que perdeu. Ou se tivesse medo que o dinheiro fosse sujo, de máfia, essas coisas. Se não, não. Vou dar pra polícia? Nunca!
- Ah, eu só devolveria se tivesse algum grau de afinidade com a pessoa.
- Ah, não. Se eu soubesse quem é o dono, mesmo que não tivesse afinidade, devolveria.
- Eu não. Quem me garante que se eu perdesse meu dinheiro alguém me devolveria?


Leitores amigos [arrisco serem amigos porque apenas esses aturariam esses o blogue], paira acima o espectro do pensamento mais obtuso que ronda o novo e o velho mundo: o pensamento egoísta.
A primeira criatura, receando que a polícia fizesse apropriação indevida do dinheiro alheio, resolve fazê-lo ela mesma. A segunda criatura não faz aos demais aquilo que espera para si mesma.
O diálogo dinheirista explicita as diferentes éticas professadas por diferentes pessoas. Na certa o mesmo ocorre com os leitores amigos e suas motivações. Por isso, vou chamá-los a duas reflexões: a subjetiva e a objetiva – embora eu creia que são faces complementares.
A ordem subjetiva de que falo é aquela análise psicológica movida pela abstração empática e fraterna comumente condicionada por valores religiosos que recaem na ética do trabalho. Ora, os recursos materiais são conseqüência de merecimento e são dados ao homem para fazer uso responsável e conseqüente, para si e para outrem. Não é sensato crer que malas de dinheiro caem do céu. Se se acha uma mala, antes de pensarmos na necessidade a ser suprida ou nas condições em que ela caiu em nosso colo [que na certa nos parecerão mágicas o suficiente para legitimar nossa sanha mercantil], precisa-se pensar que ela não é nossa. Simples: não é meu, não pego. Se pegar, devolvo. Se não tiver pra quem devolver, vai pra Polícia. Porque a verdadeira paixão cristã, tomando-a por exemplo, é renunciante. Assim imagino o Thiago.
E se alguém quiser doar o dinheiro pra instituições de caridade, oferecê-lo a pessoas amigas, deixar um agrado para a mulher do pão, fazer filantropia de toda sorte, contemplar o porteiro, presentear qualquer pessoa sorridente da rua, complicar a declaração de imposto de renda de algumas dúzias de pessoas, conhecidas ou não? Não, não sou tão ranzinza: é claro que não esqueço dos libertos! E é para eles que abro esse parágrafo especial. Aquele que consegue registrar coelhos fofinhos no céu e espeta morangos nos dedos para comê-los em fila podem dar o fabuloso destino descrito acima ao dinheiro sem preocupações com a legitimidade. Seria altruísta o suficiente para receber aval do Todo Poderoso e estaria de acordo com a perspectiva objetiva.
Por sua vez, essa perspectiva objetiva vem a ser uma análise social conduzida pela razão do sujeito histórico – a imanência pode ser suficientemente moral. Aqui imagino o César. Basta recriarmos uma tipologização dicotomizada entre a extrema solidariedade e entre o extremo egoísmo [algo como Durkheim ou os conceitos de apolíneo e dionisíaco]: a sociedade apolínea ou a mais solidária e coesa na certa são mais sustentáveis. Basta essa premissa para que tenhamos uma moral mais reta, mesmo que a consciência não remeta a nada mais transcendente.
No entanto, não é necessária qualquer forma de pensamento mais elaborado. A ética cristã está difusa no senso comum e determina com segurança a não apropriação da propriedade alheia. Não faça ao próximo aquilo que não quer que lhe seja feito, recomenda.
Assim, com largo espaço para as diferentes motivações que orientam os leitores amigos, é possível concluir que deixar malas com dinheiro perto do César ou do Thiago provavelmente seja mais seguro que guardar o dinheiro na cueca.

5 comentários:

Anônimo disse...

Hahahaha.

Vou salvar o texto só para poder explicar para minha futura turma de sociologia no ensino médio o que é, afinal, objetividade e subjetividade.

Curti ^^

Anônimo disse...

Você tem sorte de ter os amigos que tem... Bom o texto :)

Zé Luiz Sykacz disse...

Pois é... A ética cristã, definitivamente, não está na moda.

Hoje em dia, a lógica vigente é: "Achei. Não é meu? Azar do trouxa que perdeu."

Vá entender... Hunf!

Ah sim: tomo a liberdade de lhe indicar um vídeo que serve para ilustrar muito bem sua análise assaz aprazível: http://youtube.com/watch?v=VQFE1wzmLGA

Abraços amigo.

Thiago Elias disse...

Engraçado, companheiro, você fazer um texto desse, porque há algum tempo atrás eu tinha o sonho de achar 350 milhões de dólares numa maleta. Depois percebi que ainda esta pra ser feita a maleta que conforte tamanha quantia em dinheiro. Enfim.
Tenho dito...

Anônimo disse...

Ainda bem que não esquece dos libertos! hehe. Eu já imaginei várias vezes situações assim. Não necessariamente de encontrar uma mala, mas de ter bastante dinheiro e distribui-lo em forma de alegria por aí.
"Deus vai dar aval sim. O mal vai ter fim. E no final assim calado eu sei que vou ser coroado rei de mim." [Barbudinhos sobre mim]

"Dinheiro é um pedaço de papel. Dinheiro é um pedaço de papel. Dinheiro não se leva para o céu..." [Arnaldo sobre o seu texto, sobre o egoísmo e sobre o amor]

E se você por acaso encontrar uma mala assim por aí, sabe que pode contar comigo pra escolher o melhor rumo pra ela. ;)