quarta-feira, 21 de maio de 2008

Análise do vestuário da professora feminista



Etnografia empático-crítico-hermenêutica

Propondo-me a fazer uma análise de ocasião [resolvi neste momento por ímpeto intuitivo fazer ciência e não tomar café], lancei-me a campo como quem entra em uma sala de aula estranha – pois foi justamente o que fiz, sob o olhar legítimo ainda que enfadonho da transcrição etnográfica comentada.
O ambiente me foi receptivo. Adentrei entre os presentes sem nenhum tipo de olhar de estranhamento etnocêntrico. Mais tarde vim a saber que isso se deu por não ser uma aula de antropologia.
Já sentado, fiz cara de nativo e, sob essa máscara, soube que se tratava de uma aula de sociologia feminista. Não percebi, entretanto, qual sociologia deveria estar sendo discutida de acordo com o cronograma curricular. Ignoro este elemento e atenho-me àquele, empírico.
Tendo em mãos diversos elementos de compreensão [já sabia então do que se tratava, por que eu caí ali, quem participava da panfletagem e, obviamente, conhecia as referências temporais e espaciais], faltava-me ainda um elo, um tema de diálogo. Faltava-me o como.
Não saberia o leitor o quão tenaz foi minha busca introspectiva no sentido de compreender empaticamente as motivações residentes na práxis cocotidiana, lar-doce-lar do objeto feminista. E, não tendo eu sociological blues suficiente para dar conta do simbólico, fixo-me na estética, que acaba por responder meus questionamentos mais hermenêuticos. Assim, cri na análise do vestuário para objeto destas linhas carcomidas por preconceitos de gênero conscientes.
Em se tratando a aula de um processo ritual, ainda que cocotidiano, para melhor compreendê-lo eu opto por um agente envolvido. Escolhi a professora por ser quem dá o tom da ritualística, por determinar seu clímax [dando o ritual por encerrado], quem está em pé – o que evidencia o objeto cosmético: ela –, além de contar com um irritante sotaque estadunidense que na certa merece um castigo como esse.
A professora está – começando pela cabeça, como sugere o intercurso antifeminista – com um óculos preto, discreto, quase charmoso. O pescoço está desnudo, mas não observei estranhamento dos presentes. Ela usa [pasmem!] uma camisa rosa e uma jaqueta vermelha, o que não combina nem aqui nem na China. Nem nos esteites.¹
Dando seqüência à nossa discussão superficial e linear-vertical da vestuarística, tenho o pesar em dizer que sobre isso vai ainda um casaco preto: a moldura infame do conjunto demodê supracitado. Descendo em nosso nível epistemológico, a respeito das peças íntimas não posso dizer nada; nem se vai coberta por uma langerri, já que a professora veste uma calça dins cigarrete² azul que se afunila da delgada cintura até o sapato marrom de cadarços caramelos.
Lembro ao leitor que em nosso exercício de análise não convém considerá-la uma aberração. Há de ter sentido funcional no meio que em que vive. E agora me veio na cabeça a função da burca...
Os alunos, como são chamados os demais atores do ritual, fazem-se absolutamente passivos. Alguns entraram em transe e mantinham-se acordados por pouco tempo. Um deles, especialmente absorto, disse-me algo como ‘a matéria é obrigatória’. Pareceu-me algo como uma carga horária compulsória onde dever-se-ia aprender coisas úteis como a mesóclise, mas usa-se de tortura e chantagem para impor condições de manutenção social naquela comunidade.³
Continuando nossa vereda estética-hermenêutica, detenho-me enfim nas expressões corporais do nosso objeto docente. Embora tenha ajeitado a franja uma ou duas vezes, não a encaixo no clã emo4 por ter cabelo crespo [a classificação, me parece, é biologizante, meramente]. O olhar é sempre baixo e fixo, quase psicopatológico, o que deve estar relacionado às vestes ligeiramente comentadas. O mesmo deve ainda justificar a ocorrência do posicionamento dos braços como um tiranossauro reques.
Concluo este pequeno e mui objetivo olhar sobre a professora, que nos possibilitou eficaz compreensão do ethos feminista. Seguramente, nem o tema abordado nem o presente clichê estão esgotados. Na certa, há ainda amplo guarda-roupa a ser matizado por essa corrente de impacto cosmético, de fundamental importância para a compreensão sociovirtual.


¹PEGURSKI, Carlos A., Tratado Antropológico Universal das Vestes Sobreutilitaristas, Ed. Bohemia, 2008.
²Grato à amiga Wemily por me explicar o que é uma cigarrete, isso lá pelos idos de mil novecentos e bala zequinha.
³Precisaria ir mais à faculdade para assegurar esse fato.
4Sobre os emos, consultar FRANCO, César B., Diário de um Adolescente Interiorano, Ed. Miguximpresso, 2008.

6 comentários:

Anônimo disse...

4Sobre os emos, consultar FRANCO, César B., Diário de um Adolescente Interiorano, Ed. Miguximpresso, 2008.

ehuehueuhehuehuhuehuehue

Tá. Primeiro ponto a ser debatido: MEU QUE MERDA DE IMAGEM É ESSA QUE VOCÊ COLOCOU AO LADO DO TEXTO PARA FALAR DA ESTADUNIDENSE?

ok. Perdoaremos. tá, segundo - você cita a si mesmo? 0.0

EEE, quanto as vestes, se o caro amigo tivesse prestado atenção, perceberia que os outros membros do ritual não fugiriam muito da configuração dela... Exceto por DREADs e afins né?
=X

Anônimo disse...

Essa foto tão libidinosa permanece um mistério quando pensamos na docente em questão =P

"Alguns entraram em transe e mantinham-se acordados por pouco tempo. Um deles, especialmente absorto, disse-me algo como ‘a matéria é obrigatória’."

Resumiu perfeitamente a dinâmica ritualística!

Adorei mais um capítulo discutindo o quase sempre exótico vestuário de nosso meio! Da proxima vez fale algo sobre o uso do all star, a nota numero 4 pode te ajudar.

Thiago Elias disse...

Deixando de lado a questão da figura (que aliás esta no lado direito quando todos sabemos que tudo neste blog deveria ater-se a esquerda) foi um texto muito bem elaborado, o qual pude ver de perto não só sua produção, mas ler o primeiro esboço.

Só fico imaginando que o próximo a postar sou eu, e vou ter que superar a prolixidade genial do companheiro Carlos e as introspecções amiguxas (como bem colocou a camarada comunista roxa Aline)de César.

Haja cocotidiano para analisar!!!
p.s.: parabéns pelo ótimo uso da mesóclise.

Anônimo disse...

Hahaha...
talvez por não ser (quase não ser) do ramo não tenha entendido o significado de palavras que, caso entendesse,traria uma consequência maior à minha leitura - ao menos é o que imagino.
Mas dei boníssimas risadas!Gostei de você ter salientado o fato de que não tinha conhecimento das vestes "de baixo". haha. Esse é meu amigo Carlos.
Ps: comprarei seu livro aqui divulgado!
Beijos!

Gabriela disse...

Acho que você deveria fazer moda, Carlos Augusto! Nunca vi alguém reparar mais nas roupas das professoras e ainda escrever sobre isso do que você! [Sim, eu estou exagerando. É só o segundo que leio.]
Sobre a imagem... deixa pra lá! :)

Wemily B. disse...

Fico feliz que meus ensinamentos de pseudo-consultora-de-moda, tenham servido para alguém (ou não). hahaha

Carlitos <3