sábado, 26 de julho de 2008

Teriam sido um feliz casal


Dos amores desconhecidos e mortos no cocotidiano


Eram perfeitos um para o outro. Suas idades eram as mesmas e os dois preferiam ficar com gente da mesma idade. ‘Só assim dá pra se entender’, diziam por aí sem saber que havia uma outra pessoa na face da terra dizendo a mesma coisa e tão perto, logo ali na esquina. Ela preferia caras de cabelos grandes o suficiente para serem puxados e serem vítimas de um carinhoso cafuné; já ele, preferia os longos cabelos pretos a passar dos ombros e a encobrir a superfície lisa das costas. Também nisso se completavam em desejos. Até a pinta que ela tinha no pescoço ele gostaria, e mesmo ele, com seu jeito atrapalhado, agradaria a ela que gostava tanto de mãos perdidas em bolsos e sorrisos desconsertados. Mesmo sem se conhecerem desejavam um ao outro, tinham seus ideais correspondidos e equilibrados; eram dois desconhecidos que estavam querendo ser conhecidos um pelo outro.

Seus costumes eram incrivelmente semelhantes; tantas tardes passariam juntos a olhar o movimento descompromissado de quem passa pela rua ou de um pássaro a voar com destino desconhecido. Finalmente iriam encontrar uma companhia para assistirem a lua cheia prateando a noite de inverno; alguém para dividir a bebida e comer tudo aquilo que antes, sozinhos com seus pratos cheios de solidão, sobrava pela mesa.

Ele imaginava cada presente que daria nas datas importantes: flores que não fossem rosas, bombons e um porta-retratos personalizado para exibir na mesinha do computador a felicidade de um momento a partir de então eternizado. Ele assumia que isso não era lá muito criativo, mas ela gostaria mesmo assim; já tinha até imaginado o lugar onde poria o porta-retratos, as flores que não rosas e iria para sempre guardar a embalagem de cada bombom. Ela sabia também como apreciaria a foto em noites que sentisse saudades.

Ela não queria um cara pastel e bobo, mas nem por isso deixava de desejar que ele escrevesse rimas ou versos livres, desde que falasse do amor entre ambos. Ansiava receber cartas, bilhetes ou folhas de papel rabiscadas com palavras doces só para, um dia, mostrar a filhos e quem sabe netos. Ele já tinha um arsenal de poesias, ainda sem nome, mas que fariam mais sentido ainda depois que tomasse conhecimento da existência dela, a garota que queria o que ele tinha a oferecer; eram poesias sem título, mas de forma alguma sem alvo.

Ah! Se tivessem um amigo em comum, ficaria claro para este mediador como eram perfeitos um para o outro. Mesmo que não houvesse espírito e fosse só carne – tecidos, ossos e órgãos -, eram dois universos que complementavam-se perfeitamente, numa coordenação suave, em movimentos potenciais de plena consonância. Não haveria musica clássica para superá-los em questão de harmonia.

Moravam na mesma quadra, ele em uma esquina, e ela no meio da quadra. Mas se eram perfeitos em tantas coisas, seus horários nunca permitiam um encontro casual devido as ocupações de cada um, exceto nos finais de semana onde, por serem tão iguais um ao outro, pouco saíam de casa e não poderiam então se ver.

De escolhas em escolhas, sempre bobas e pequenas, foram adiando um possível encontro com um possível grande amor. Se ele passeava por aí de noite, ela ia de dia; se ele preferia as ruas paralelas, ela ia só pelas cruzadas; se ele escolhia sempre buscar pães na padaria do Zé, ela escolhia sempre os pães do Pedro. Algumas coisas na vida parecem conspirar para acontecer, já nesse caso, tudo encaixava de modo a impedir um acontecimento.

Passaram os meses e mudaram-se, ambos, daquela parte da cidade. Certo dia cruzaram pela rua sem que seus olhares se tocassem; ela ia pela vertical, ele pela horizontal. Continuavam perfeitos um para o outro, porém eram mais anônimos do que nunca; o acaso chegou fora de hora. Não que tivessem sua satisfação amorosa amarrada um ao outro, mas pena não terem tido a sorte de se conhecerem. Teriam sido um feliz casal, assim como você e aquela pessoa que deixou de conhecer hoje só por que preferiu ficar 15 minutos a mais no computador lendo este blog.

2 comentários:

Anônimo disse...

hehehe
acho que nem vou mais sair pra não correr o risco de encontra-lo. ;p

Carlos Pegurski disse...

Tinha que ser o César pra subjetivar nosso blogue, firmado em rígidos princípios de ordem e progresso.
Tinha que ser o César. Tinha que ser de Medianeira.