segunda-feira, 15 de junho de 2015

A vida e o melão

Olho para a lista, e depois de cebolas tem melão.

E eu escolhia um melão quando tive a grande sacada da semana. Semana não, do mês mesmo – e se nada melhor vier daqui em diante, do ano. A coisa piscou em grandes letras dentro da minha testa: viver é como tentar escolher um melão maduro. 

E no duro, é isso mesmo.

A gente pega aquele troço que fica rolando nas mãos e você tem que tomar cuidado pra não deixar cair e ferrar tudo. E você quer um melão bom, daqueles suculentos e docinhos, que quando cortados inundam a cozinha com um cheiro fresco. Mas, caramba, como é que você escolhe a porcaria dum melão bom? Não dá pra sacar assim, de cara, não mesmo.

E a gente até tenta. Aperta aqui, bate ali. Gira bem para ver todos os lados; não tem manchas, nem batidas, nem buracos... e ainda assim não dá pra ter ideia se por dentro o negócio tá bom ou não. E você fica lá, igual paspalho, com aquele melão na mão, com cara de quem não tem a mínima ideia do que tá fazendo.

Mas aí que tá o segredo da coisa e que pouca gente ensina (esses sacanas conspiradores!).

Bater, girar, apertar, até dar uma cheiradinha de leve na casca: é tudo um faz de conta cretino pra burro. O lance é você não dar a entender que tá ali perdidinho com aquele treco nas mãos. Ainda mais quando tem gente olhando. E sempre tem gente olhando o paspalho da vez na ingrata tarefa de escolher o melão.


No auge do desespero, quando se percebe que daquela casca amarela (podia ser verde-escuro, se melão caipira, mas vá lá) a gente não vai tirar informação de nada mesmo, surge a ideia. Ideia besta, mas na hora parece super lógica. 

- Oi. Viu, me ajuda aqui? Sabe como escolher um melão maduro?

E aí a cretinice vai a mil. Depende da pessoa, mas geralmente vai a mil, porque quase ninguém admite que tá tão perdido quanto você. E vão bater, girar, apertar, dar uma cheiradinha, e em tudo fazendo cara de um entendimento profundo. Verdadeiros frutólogos.

- Pega esse daqui ó, esse tá bom. 

Só porque sabem que quando você abrir o melão e se decepcionar com aquela coisa insossa e rígida, que te faz pensar num isopor orgânico, vão estar longe de qualquer culpa, inalcançáveis para qualquer tipo de responsabilidade.

As tias velhinhas são as piores. Meteram na cabeça que seria uma vergonha sem-fim admitir que não sabem escolher um melão (isso é sério, jamais confie nas tias velhinhas).

E o duro é que tem melões que são ruins por safra mesmo, nem tem muito o que escolher. Outros, é o mercado que fode com tudo – o mercado não cuida lá muito bem dos melões nem de nada – e aí é escolher o menos pior e se contentar.

Mas o triste mesmo é que tem gente que nunca escolheu melão algum. Se bobear, nem sabe do melão.

Aí alguém interrompeu minha grande sacada. Acho que já eu tava ali há um bom tempo com aquele melão em mãos e passava a impressão de um frutólogo experiente, do tipo que dá entrevista na Globo e tudo.

- Oi, moço. Hein, sabe me dizer qual melão tá bom?

Olho para a pessoa. Sinto uma força incrível em mim, que começa em desespero e termina com farsa. Respiro fundo, só pra já ir alimentando as palavras, mas sinto o ego pegando umas beiradas. Empunho outra dessas bolas amarelas com tanto sabor em potencial – ou não. Bato aqui, giro lá, aperto mais pra frente, aproximo do nariz. Assumo ar profundamente filosófico, mais frutólogo do que nunca fui.

- Esse daqui tá maduro, pode pegar. 

(Baseado em uma história real, menos a parte das tias velhinhas; elas são as pessoas mais adoráveis que podemos encontrar num mercado e pedir informações sobre frutas e verduras). 

sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

O Dia Mundial dos Introvertidos

No dia 2 de janeiro de 2011 foi comemorado, pela primeira vez, o Dia Mundial dos Introvertidos. Uma iniciativa bacana e que vale a pena passar para a frente. 

Mesmo que na agenda política, social e ecológica possam existir questões muito mais urgentes, é sempre bom aproveitar toda e qualquer possibilidade para sairmos da casinha de nossas cabeças e tentar ver o mundo pelos olhos do outro - inclusive quando esse outro é uma pessoa introvertida que está mais ou menos tragicamente perdida em um mundo feito para extrovertidos. 

Introversão é diferente de timidez (não obstante a reação intransigente das pessoas que cercam o introvertido possam colaborar para desenvolver um quadro de timidez ou mesmo outros problemas mais sérios, como a depressão). De acordo com o dicionário, e referenciando Carl Jung, introversão é "orientação predominante da energia psíquica para o interior do próprio sujeito". 

Ou, traduzindo em miúdos, alguém que fica ruminando as ideias, observando o mundo a sua volta e cultivando o silêncio, mas faz isso com uma intensidade um pouco acima da média.

Mas e por que é que é importante um dia dos introvertidos? Qual a validade de uma data para pensar na introversão? Para aqueles que nasceram do lado de lá desse rio chamado 'vida social' (ah, seus extrovertidos faladores e socializadores!), aqui ficam algumas razões.  

Sim, o mundo é feito (também) por introvertidos!


Porque ser quieto e apreciar a solitude (que é a solidão gostosa, produtiva e voluntária) não deve transformar ninguém em esquisitão ou doente. 

Porque preferir a tranquilidade e o silêncio ao invés da muvuca e do falatório não deve significar que esse alguém é antissocial, antipático, ou que detesta as pessoas - geralmente nós, introvertidos, como qualquer outra pessoa, só detestamos aquelas pessoas que já são detestáveis.

Porque ter dificuldades e resistências a festas, confraternizações e outras situações sociais em que reina a conversa mole e fiada não deve ser motivo para esse alguém ter de ouvir 'por que você é tão quieto?', 'você deveria falar mais!', 'não seja tão sério!', 'se solte!', ou, o pior de todos, 'saia do seu casco!' - não temos casco, mas se tivéssemos consideraríamos seriamente permanecer dentro dele se isto significasse sermos poupados deste tipo de comentário-cobrança.

E, aliás, porque não gostar de, ou não conseguir ter, conversas moles (especialmente com quem não conhecemos direito) não significa não gostar de, ou não conseguir, conversar.  

Porque assim como tem pessoas que necessitam absurdamente estar no meio de outras pessoas e fazendo coisas com outras pessoas (juro que não entendo como as pessoas sacrificam de boa vontade seus finais de semana em eventos coletivos e barulhentos, mas ok, aceito isso), há quem precise urgentemente, de tempo em tempo, meter as caras num livro, filme, jogos ou qualquer outra coisa que possa ser feita sozinho (e se você não entende isso, não custa aceitar, certo?).

E finalmente, porque pessoas introvertidas não são menos por serem introvertidas - que o diga Einstein, Darwin, Nietzsche, Bill Gates e tantos outros nomes de nossa História, inclusive atores e políticos.

Hoje, Dia Mundial dos Introvertidos, caso não seja um deles, faça apenas um pequeno exercício: antes de rotular de arrogância, grosseria ou antipatia o silêncio de alguém, pense que esse alguém pode ser um introvertido curtindo um maluco e intenso mundo interior de ideias e observações. E dica bônus: se você tiver paciência e empatia, pode até ser convidado a conhecer, num relato de primeira mão, esse maluco e intenso mundo interior.