quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Assim é uma cidade do interior

Já antecipo o pedido de desculpas pelo texto; mesmo estando uma semana de molho na casa dos pais, coçando a barriga para não coçar outra coisa, escrever pode ser algo torturoso. E neste caso, resultado das pressões editoriais(leia-se, o Carlos estava me cobrando), não podia dar coisa muito boa. Mas vá lá, é quase verão, quase fim de ano, e o Brasil é quase um quase-bom país. Então dá para agüentar certas coisas. Imagino que cada um pode escrever melhor do que entende, vive e sente; sendo assim, lá vai - é tempo para um segundo pedido de desculpas, desta vez por tamanha subjetividade.

Enquanto escrevo isso, o sol ali fora doura a vizinhança: as casas vizinhas, os caras que pintam o muro, as árvores grandes, a rua estreita. O vento é fresco e traz o canto dos passarinhos – uns pardais amarronzados e uns mais coloridos que faço a mínima idéia do que sejam; volta e meia as crianças passam correndo de bicicleta rindo, e depois passa um sorveteiro e sua buzina clássica que o anuncia. Mais cedo passou o verdureiro com a carroça puxada por um cavalo, sovado e cansado, e mais tarde, caindo a noite, passará uma legião de velhos caminhando para a igreja que fica umas ruas adiante. E assim a cidade do interior cruza o dia.

Mais tarde também, antes de anoitecer, é hora de ir no parque; depois da seis, do fim do expediente as pessoas saem dos seus trabalhos e vão bater perna na pista que circunscreve o lago do parque municipal. As crianças vão de motoca – sim, isso ainda existe -, os adolescentes com perfume – sempre é hora de
paquerar por aqui – e os adultos com roupas de exercício mas que escondam as barrigas de cerveja e carne – que se repete todo final de semana, só muda a casa do ‘compadre’. E se não é o parque, são as ruas comuns mesmo; com o final da tarde os alunos das escolas passeiam para lá e para cá tomando sorvete e atualizando as fofocas.

Aí todo dia é dia de feira. As melhores são as de terça e sexta-feira. São aquelas que aparecem mais feirantes e mais pessoas; no início da feira, que começa pelas cinco da tarde, vão as pessoas que querem comprar legumes, frutas e verduras; também tem café moído na hora, pão caseiro de todo tipo e tanto tipo de farinha que é preciso de um intérprete para saber qual é qual. Aí, quando a noite vem caindo, a feira é tomada pelos mais novos; comem coxinhas, pastéis, tapiocas, espetinhos de carne e de queijo, bebem sucos naturais, garapa – com abacaxi, limão ou pura, vai do gosto -, matam o tempo até ficar tarde demais e as barracas começarem então a se fechar. E assim se diverte a cidade do interior.

Na ruas as pessoas encaram, olham, cumprimentam. Quem chega de fora é notado e estranha tamanha invasão ocular – deve ter nome melhor para as insistentes olhadas, mas fiquemos com invasão ocular que até sofistica esse texto simplório. Na feira, no parque e na igreja – o que resume bem a vida social curta, mas nem por isso simples, da cidade do interior -, todo mundo já nota quem é daqui e quem é de fora, pois quem é de fora ta sempre fingindo que não conhece ninguém e que não existe situação própria para soltar um ‘boa tarde!’ senão em uma situação formal. Velhos ou jovens, as pessoas realmente cumprimentam; basta fazer o mesmo trajeto, cruzar nem que seja a mesma esquina ou caminhar na mesma hora, e vai estar aí uma situação boa para um cumprimento cordial. E é assim que as pessoas funcionam no interior.

É um universo peculiar, único, que cada cidadezinha do interior do Paraná apresenta e é. Nada resume, nem quando falamos com respeito e menos ainda quando se fala com desprezo. Cidades do interior são o que são, e, ah, são muito! Aí chega um pseudo-curitibano e pseudo-cientista social tirando uns dias de folga, caindo sem pára-quedas numa cidade assim – ‘a modo’ de visitar seus pais, diriam os nativos daqui -, e fica todo bobo. Mas a bobice é perdoada; por mais que seja bom estar numa cidade grande que corra independente de você, indiferente a você, e livre de você, acordar e ver que o horizonte não é tomado por prédios é uma coisa que dá um conforto; sabe-se que andando uns poucos quilômetros tanto ao norte, ao sul, a leste ou a oeste, a cidade acaba, os rostos se repetem, e a vida parece um pouco, um pouquinho só mas já o suficiente, mais colorida do que nas grandes capitais.

O vento cessou um pouco, os caras que pintavam o portão deram um tempo; o sol ta muito forte. As crianças do vizinho agora se reúnem embaixo de uma árvore, e do outro lado da rua a babá cuida de uma menininha de no máximo 4 anos que brinca com uma boneca. O sorveteiro vem voltando, ao longe já da pra escutar novamente a buzina; os pardais fazem a festa no monte de areia que ta posto na construção inacabada ali na esquina, e também é possível escutar uns quero-queros que voam por perto. Mais ao longe, quase que raramente, escuto uma moto que cruza a cidade; estando só a 5 minutos do centro, parece até que aqui não há carro. Ah, assim é uma cidade do interior.

terça-feira, 6 de outubro de 2009

Outras breves questões acerca do mundo laboratório

Homenagens rendidas por temas baratos

Em nossa última publicação – Algumas Breves Considerações Acerca do Mundo Laborativo –, o Thiago arranhou o ponto fundamental da mais alta antropologia já produzida, que procuramos retomar neste precioso texto que vos prende a atenção: aquilo que diferencia os homens. Segue o excerto que conclui o artigo anterior:

“Creio que a maioria se misturaria com as pessoas, usaria seu incrivel
instrumental político para ascender na carreira, daria mostras de sua
inteligencia e potencial, mas eu, tímido, sem muita afeição pelos seres humanos,
que nunca gostei de política, e preferi estudar a sociologia interacionista,
fico lá tirando xerox, carimbando papel, e analisando as relações sociais,
tranformando quatro anos de faculdade de ciências sociais em um belo
passatempo...”
Primeiramente, cabe lembrar que a tradição antropológica bestruturalista já respondeu em parte à questão fundamental: apenas os grupos humanos são capazes de produzir cultura. Se essa cultura nasce dum biguebengue epistemológico ou se ela se deu gradativamente, dos primatas aos promíscuos, cabe aos neurocientistas do Fantástico responderem. O fato, porém, é que a partir dessa produção é que o ser humano se torna ser humano. É o que o diferencia como tal.

Em segundo lugar, é superficial considerar o homem cultural como um produto antropológico acabado. O circo é nômade por excelência. Faz-se necessário questionarmos que homem é esse; que cultura é essa; que conhecimentos e valores são esses. Se não podemos considerar mais ou menos complexos e evoluídos um grupo em detrimento de outro, a razão quantitativo-visual promove uma reflexão que reside entre a curiosidade mórbida e o interesse empático.

Que diferenças são essas? – insistimos. Proponho que respondamos pelo excerto retirado do texto do Thiago, a quem não chamo pelo sobrenome de Elias, para evitar ambigüidades. Seguindo no trem azul, depreende-se do trecho extraído que há sobretudo duas esferas que permeiam as posturas que se pode assumir em comunidade: uma político-cênica, evidenciada pelo ser de contatos ou relações que protagoniza sua sociabilidade ao nível da linguagem interpessoal; e uma psicológico-sinestésica, caracterizada pela interiorização do ser, pelos monólogos ou diálogos silenciosos, pelo nível da consciência.

Eis o que diferencia manifestações culturais em termos subjetivos. Trata-se de fenômenos psicológicos, social e culturalmente determinados, cuja motivação subsidia as reflexões acima propostas [que homem é esse; que cultura é essa].

Não é difícil identificar, aliás, em que lado desta dicotomia nos filiamos. Observemos o Thiago, novamente. A postura de espectador perante o mundo adulto-sério é complementada compreensivelmente por participação ativa nas esferas que exigem essa profundidade subjetiva: escrita, música, religião...

Para complementar, a dicotomia fecha-se com o César, colaborador-alfa deste blogue. O César é um racionalista por natureza. Se o Thiago gosta de café preto, o César logo acrescentaria que o Thiago pensa que gosta. Isso não faz do César má pessoa; apenas o torna pouco afeito a visitas em ateliês, por exemplo. Aliás, sua afeição tão superficial à arte pode comprometer seu apreço por este texto.

Enfim, este trabalho antropológico de fôlego, qualitativamente inédito, não tem por objetivo central narrar a forma cativante como determinado grupo social casa, come, defeca, transa, sobe em árvores ou descasca abacaxis – mesmo porque etnografia urbana é deveras perigoso nas capitais. Ainda assim, esperamos que a contribuição que vos prende os olhos seja inscrita nos anais da mais alta produção artística a ser vendida em bancas e revistarias, em conformidade com a vocação antropológica.

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Algumas Breves Considerações Acerca do Mundo Laborativo


Queridos e queridas leitores desse pequeno espaço subversivo online. Nem me arriscarei mais a pedir desculpas pela demora nas atualizações, haja visto que as únicas mensagens ciberneticas que os outros idealizadores desse blog (Ave Cesar e Carlos) são quanto a minha demora. Pois bem, atualizemo-nos então.


Tenho vinte e um anos completados no ano da Graça de 2009. Até então jamais havia trabalhado, sempre que conto isso logo emendo dizendo que fazia estágio na Universidade, o que não é mentira, mas é uma (com o perdão da expressão) puta cara-de-pau, já que o estágio era de 1 semestre (4 meses na UFPR) num jornal chapa branca, com a incrível carga horária de 4 horas SEMANAIS.


Decerto os leitores estão curiosos querendo saber o que eu fazia da vida até então. Não fazia muita coisa, a única coisa que me rendia algum pouco dinheiro, eram as aulas de violão e guitarra que eu ministrava à pessoas mas vagabundas que eu. Mesmo com tanto tempo ocioso, a matéria da faculdade (a leitura) nunca estava em dia, e eu me sentia extremamente fatigado.


Pois bem, passei em um concurso público para a prefeitura de uma cidade da região metropolitana de Curitiba. Cerca de 1 hora pra ir, mais 1 hora para voltar, e a Universidade a noite (alguns dias da semana, eu certamente morreria se tentasse uma grade completa a noite, essa atitude me rendeu meio semestre a mais na faculdade). Chegamos aqui ao ponto em foco desta noite:o mundo do trabalho.

Extremamente Estranho, excetuando o fato de todos execrarem a minha demora em dar estarte à vida laborativa, ainda tive de me adaptar a um tipo de relação social muito diferente das das instituições de ensino, e das famliares.


No "serviço" há um pressuposto de que todos se gostam, coisa que agora com mais de tres meses de trabalho já caiu por terra faz tempo. É o tipo de relação mais hipócrita que já conhecia, mais hipócrita até do que de algumas igrejas, todos dão bom dia e sorriem, e na primeira oportunidade (CREU) pegam o cargo do coleguinha.


Por mim tanto fede quanto caatinga, entrei lá apenas pelo dinheiro (sim, não podia mais dar uma de pseudo-comunista, sem falar que preciso da grana para comprar armas para a revolução armada) não pretendo seguir carreira por lá nem nada, aliás preferia vender instrumentos musicais. Mas é triste ver que em uma prefeitura com cerca de 2000 funcionários, já temos uma pequena amostra das corruptelas e desonestidades que vão se ampliando a medida que incha a máquina estatal.


E o que um sociólogo faz numa hora dessas?


Creio que a maioria se misturaria com as pessoas, usaria seu incrivel instrumental político para ascender na carreira, daria mostras de sua inteligencia e potencial, mas eu, tímido, sem muita afeição pelos seres humanos, que nunca gostei de política, e preferi estudar a sociologia interacionista, fico lá tirando xerox, carimbando papel, e analisando as relações sociais, tranformando quatro anos de faculdade de ciências sociais em um belo passatempo...

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Crônica do xerox perdido

Para quem não teve a oportunidade de conhecer o xerox da Reitoria da UFPR, vai uma pequena descrição. Situado entre um estacionamento e o falecido Mercadorama da rua Amintas de Barros, é uma salinha para dentro de um paredão. Espaço pequeno e modesto, tem um balcão que divide o lado de quem pede as coisas do lado de quem atende pelas coisas pedidas, sendo que o primeiro é uma parte apertada e a segunda é uma parte um pouco menos apertada. Em suma, de um lado alunos e do outro funcionários e as pastas. Sim, as pastas, essas coisas onde os professores lotam de coisas para serem lidas – motivo, afinal, pelo qual vão os alunos até o xerox.

Para poupar o leitor de entediosa descrição pormenorizada do sistema operacional do xerox e sua participação no lucrativo submundo da educação universitária, bem como economizar nas adjetivações subjetivas, completo a introdução apenas a título de maior entendimento dizendo que a coisa se processa de modo simples: o aluno informa ao funcionário o número da pasta, o funcionário traz a pasta, o aluno analisa o que quer copiar, e assim também o pede ao funcionário. Mui simples, não fosse horário do rush.

Sim, rush, atropelo, engavetamento de pessoas no xerox. Geralmente no intervalo dos períodos, almoço e janta. E lá estava eu, a espera do meu lugar ao balcão, tentando fazer minhas cópias. Pela espera ser longa, me entreguei a observação.

Na minha frente havia um grupo de risonhas pedagogas – que com o perdão da observação, só fazem rir -, um casal alternativo, uns professores e seus pupilos, e alguns alunos indistintos quanto ao curso, estilo ou status maior. Seja como for, minha vez de ser atendido ainda ia longe.

Por um momento esqueci o que ia pedir, até que as risonhas pedagogas entre relinchadas – não por ofensa animal, apenas semelhança sonora – comentaram qualquer coisa sobre política educacional. Um estalo sugerido veio na cabeça: Marx!. Sim, um texto sobre teoria marxista era o meu objetivo. Não que eu goste, mas são ossos do ofício acadêmico. 'Marxismo induz a preguiça mental', não sei quem disse isso não sei quando, mas pareceu música aos meus ouvidos e culpei ele por toda minha preguiça presente e futura.

As pedagogas se vão, é a vez do casal alternativo alcançar o balcão. Por alternativo é difícil lançar um conceito, pois no setor acadêmico de humanas o alternativo é o comum e o comum é alternativo. Seja como for, de vista e fuxicos anteriores sabia eu se tratar de um casal todo 'ista'. Marxista, leninista, anarquista, comunista, socialista, ou um outro 'ista' qualquer de afinidades revolucionárias de cor esquerda; confesso que pouco sei sobre esses 'istas', mas não me importo pois quem se diz 'ista' geralmente também não sabe muito e cai em contradição. Acharia bonito a troca de carícias entre os dois não fosse o eco do bravejar, deles, sobre as instituições machistas, controladoras e opressivas de nossa sociedade capitalista – cruzes!. Mas fato é que até os istas precisam de um amor para chamar de seu.

Eles se vão, e agora dois professores e seus alunos são as bolas da vez. Intelectualidade instituída formalmente via organização social, em suma, ser professor, tem duas prerrogativas: uma é ser frustrado nos relacionamentos afetivos, e a outra é ter público ad aeternum para rir de suas piadas. Deduzo por simples observação empírica: professores raros são os que usam anéis de noivado ou casamento, e raros são aqueles que diante de uma piada boba não tenha seu Bira do Jô Soares de prontidão.

Seja como for, foram embora também, os professores à frente e os pupilos pendurados atrás rindo tanto quanto as pedagogas. Quase alcançando o balcão só espero a massa de alunos indistintos pegarem o que querem e irem embora. Como estou quase na ponta da fila, muita gente se aglomera atrás. Se eu fosse gaúcho uma piada caberia, mas como não sou, nada cabe – o que dá pano para outra piada.

Os alunos indistintos vão embora, chego até ao balcão. Pasta 495, por favor. O funcionário com a vontade que merecidamente não tem, olha lenta e vagarosamente a prateleira de pastas. Nada. Busca na outra prateleira. Nada. Resolve checar se por a caso a pasta 495 não estaria jogada por cima, sinal de que a pouco alguém a tinha usado. Aí ele a achou; pousada numa parte do balcão distante de onde eu estava, estava a pasta 495. O funcionário, repito que com a vontade que merecidamente não tem, aponta para ela e dá os ombros. Te vira, imagino que ele tenha dito em pensamento. Por sorte, um outro funcionário, esse sim deveras prestativo, me alcançou a pasta 495. Cabia até uma música de fundo no melhor estilo Rocky.

Um vento bateu, e trouxe um perfume. Morango, cereja, amoras. Talvez, não sei. Devia ser de alguma frutinha vermelha simpática tamanho era o prazer olfativo causado. Do meu lado chega uma mulher. Não dava 30 anos para ela. Pele alva, rosto com umas sardas cheias de graça, cabelo liso e preto. Olhos não vi, pois como sabe o leitor, em Curitiba é atentado ao pudor encarar nos olhos alguém tão próximo quanto ela estava de mim.

O cheiro bom era dela, mas emulava alguma frutinha vermelha muito da simpática. A mulher carregava algumas partituras; ignorante que sou em música, só pude notar a beleza que é uma página cheia daquelas notas musicais em longas linhas que se sucedem por todo o espaço em branco. No canto superior direito, um nome de italiano; imagino que o autor. No centro, também no alto, um nome que não recordo, pois minha atenção ficou toda numa frase logo abaixo: Moderato Affettuoso. Não sei o que é, mas é um treco bonito de se ler quando eu nariz é tomado por um perfume de frutinhas vermelhas simpáticas.

Volto para meu mundo e dou a devida atenção à cópia que preciso fazer. Procuro entre as folhas grampeadas da pasta 495, mas nada. Ou o material ainda não chegou, ou algum aluno roubou – outra tragicômica picardia do mundo acadêmico.

Teria sido tudo mui simples e esse texto acabaria no quarto parágrafo, não fosse o horário do rush.

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Peças que a vida nos prega

Boa notícia: após o crítico período de ócio salutar causado por um agente virótico produzido pela ala neomaltuziana da indústria biofarmacêutica [e após o clamor desesperado de pais e/ou responsáveis], os colégios deste planeta voltaram à ativa. Que alegria! Uma leva pandêmica de nanosseres cuja safra data da última década desafiou o luto de um ano recomendado pela ONU em virtude do falecimento de Michael Jackson e desde esta segunda-feira, 17/08/09, renlouquece inspetores de todo o globo.
As aulas na Universidade onde estou matriculado e eventualmente estudo só voltam no dia 24. E eu, bom irmão que sou, decidi buscar meu adorável calo consangüíneo que atende por Vitória na saída do colégio. Cheguei cedo e sentei num murinho em frente ao colégio, conforme recomendam a prudência e a preguiça. Garoava um pouco. Fazia algum frio. Vadiava brisa. O dia cheirava a normal. E, estando a admirar as calças de uma moça simpática que passava do outro lado da rua, para um carro em minha frente. O motorista me pergunta:
– Sabe onde tem uma autelétrica que recondicione alternador?
Fingi pensar. Franzi a testa. Fiz cara de quem não conhece a região e me desculpei.
– Por aqui eu não sei, cara. Fico te devendo.
Me senti um piá de prédio. Afinal, sou um piá de prédio. E o que é que um piá de prédio vai saber sobre conserto de carro? A geração toddynho foi criada pra ter um carro e ouvir tuche num posto sábado à noite. Nunca ouvi falar de propaganda de problemas autelétricos. E minha formação acadêmica maneja palavras, não porcas e parafusos. Comunicação não dá conta dessas coisas excessivamente tangíveis. Não sei o que um alternador alterna nem sabia que ele era condicionado.
Aliás, adendo: embora o nome do curso que faço na Universidade seja Comunicação Institucional, alunos e professores anulam este adjetivo. Todos sabemos que o Comandante Chávez vai mandar no mundo, expandir o Mar Vermelho, elevar a boina per capita e rir do Mercado. Logo, fazemos Comunicação lato sensu [porque alguém terá que se dizer democrático e achar o Bolivar broder, de preferência em rede nacional]. Na real mesmo, trata-se de um laboratório para o Discurso Bolivariano.
Nisso saiu minha irmã em meio a uma manada de filhotes. O que eu tava fazendo ali, que eu levasse a mala dela, a aula foi boa, a de português melhor, tinha a professora grávida faltou de novo, pegou um livro na biblioteca...
E nada como a ladainha infantil para blindar o ouvido, centrar a mente, resgatar o adendo e nos remeter a pensamentos metafísicos: eu havia me comunicado com alguém de outra espécie! Por necessidade de sobrevida da tecnologia – em última análise, humana – eu fui interpelado por um primo, duma espécie próxima, e consegui me comunicar com razoável sucesso! Muito bem: eu fiz contato com um legítimo homo graxeirus. Em carne e osso. Que fantástico. Que exótico. Pensei de imediato no blogue: vou registrar esse momento histórico e o cocotidiano aparecerá na wikipédia. Vamos bombar no “Hoje” do Live Messenger. E mais. Daqui a cem anos, nas Universidades [então Universidades Nacionalistas Independentes de Formação Bolivariana], a juventude engajada e revolucionária estudará fósseis de capitalistas em escalas antropométricas e lerá este relato etnográfico de vanguarda que vos penetra durante uma aula de paleontologia bolivariana. Então o camarada professor falará de alguns grupos humanos extintos ao longo do séxulo XXI, sumidos junto à tecnologia de fetiche: o homo graxeirus, o homo consumus, o homo egoicus...
Chegando à esquina, o senso de cuidado para atravessar a rua estourou a bolha hipotético-imaginativa-pseudofilosófica-semionírica. Minha irmã ainda estava ligada. Falava de uma briga entre coleguinhas. Bons tempos esses em que a gente brigava por mesquinharias sem valor de troca...
E paramos antes do meio-fio, frente à faixa de pedestre. Primeiro a máquina.

terça-feira, 11 de agosto de 2009

Ciência pura, comportamento sexual nem tanto




Como os leitores devem saber, descobriu-se que o comportamento sexual dos indivíduos da espécie humana são determinados por um alelo em um cromossomo de certo gen. A comunidade científica mundial esteve em festa nos últimos dias, finalmente as ciências exatas puderam demonstrar suas teorias e rechaçar de vez a idéia de que o meio social influencie os comportamentos sexuais humanos (e das cachorras também).



Divulgou-se na revista científica anglo-saxonica “The Truth”* que os hetero-orientados caracterizam-se pela presença do agente químico “metil-certil” no gen especifico da reprodução, enquanto os homo-orientados caracterizam-se pelo “dil-metil”, os bissexuais pelo “bucetil-metil” e assim por diante.


Alguns grandes intelectuais deram seu parecer sobre a nova descoberta: O antropólogo Levyu-Tudo (um ícone do pensamento estruturalizante-estruturador) afirmou que cada agrupamento social produz uma verdade que define padrões pré-estabelecidos de linguagem, que por sua vez acabam em dar em nada, bem como em tudo, produzindo assim a sociedade atual-contemporanea-apocalitpica-pos-moderna. Ao termino de sua entrevista vários dos repórteres ali presentes converteram-se ao dadaísmo epistemológico, rasgaram as roupas e foram morar no mato, com o grupo indígena mantido pela USP.



O sociólogo Roberto Henrique Justus, em uma analise mui esclarecedora ponderou que nada se cria na vida, muito menos filho boiola. E que se há um grande culpado nessa história toda é a demonização de algum estilo de vida que deu-se ao longo da história por medo do desconhecido. Dentre os principais vilões da história o sociólogo citou a igreja católica, o vaticano, o papa, a Disney, a ditadura militar, os opositores da ditadura militar, os judeus, os turcos, e o PT.


Do outro lado o biólogo alemão, homo-orientado, Chucrutz Sanchez, defendeu a descoberta como um pequeno passo para um homem, mas um sapato de salto para os outros, explicando que agora poder-se-á** produzir fetos e similares in vitro, possibilitando que os mais tímidos também tenham sua chance de repassar seus gens para as próximas gerações.

O tão esperado posicionamento do papa deu-se ontem pela manhã. Ele retomou vários pontos da história para reafirmar a infabilidade papal, e concluiu em sete idiomas diferentes: “tudo isso é uma incógnita! A vida, ah a vida, ninguém sabe nada da vida.”

Enfim nota-se claramente como não há consenso entre os diferentes setores da sociedade, mas todos voltaram a discutir a velha oposição individuo x sociedade, instinto x costume, cultura x palmeiras. Essa notícia serve apenas para demonstrar como uma descoberta pode reabrir velhas feridas.

Em nota de última hora, foi demonstrado que os pedófilos tem um desvio no gen IN-fantil-comil, e que não podem fazer para suprimir esse comportamento. Com isso militantes dos PSDB (Pedófilos Simpatizantes De Bebes) sairam as ruas pedindo a soltura dos presos por esse crime. O papa não quis comentar, mas vários padres aplaudiram de pé.

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* Periódico científico europeu, titulo traduzido como ”A verdade, pura e simples e absoluta”
**Perdão pela mesoclise, parece-me errada.

sábado, 4 de julho de 2009

Às vencedoras, os caquis!

Adicionar vídeoO cartaz branco e de letras grossas vermelhas anunciava a promoção do dia: Caqui. Não sei se era barato ou não o preço em questão, mas se formava um pequeno alvoroço agitado em torno da bancada da dita fruta, e notavelmente composto por senhoras idosas.

Estimulado pela vontade de comer caqui, fui chegando perto do burburinho. Dentre aquela dúzia de senhoras, todas de costas para mim e entertidas com a caça aos bons caquis, havia um pequeno espaço. Assim como quem não quer nada, enfiei-me de lado tanto quanto o espaço permitia, preocupado em não esbarrar nas frágeis idosas, só o suficiente para que meu braço alcançasse as frutas. E aí eu vi: se de fora parecia agitado, de dentro estava ainda pior.

Eram incontáveis as mãos sobre as frutas; em um movimento frenético, elas apalpavam tantas quanto podiam e logo, como num malabares, arremessavam para dentro do saco que a mão livre sustentava; eram mãos enrugadas, com unhas em tom perolado-velho, mas incrivelmente ágeis! Algumas senhoras, espertas e corporativas, formavam duplas: uma escolhia usando ambas as mãos, enquanto a outra segurava o saco plástico feito uma cesta de basquete. Repito que era incrível a velocidade com que elas faziam todo o processo.

Eu, lento e leso na arte de escolher-ensacar frutas, logo me vi atordoado. Levei alguns arranhões das unhas peroladas-velhas , mas eram tantas as mãos que sequer pude achar a culpada(sacana oportunista!). Perdido por um instante, sem saber se recolhia minha mão cada vez com mais arranhões vindos daquela orgia de dedos e unhas, uma das senhoras me deu um baita chega pra lá com seus potentes quadris. Eu, que estava de lado, fui arremessado feito saco de batatas para cima de outra senhora.

Ainda bobo com aquele ato, eu já me preparava para reassumir posição e pegar tantos caquis fosse possível - era questão de honra agora! Contudo, havia cerca de dez senhoras dificultando a coisa toda. E para piorar, àquela pobre idosa para a qual fui arremessado após o chega pra la, ficou enraivecida e me deu uma puta ombrada no meio das costas! Poxa vida! Como diz o Arnaldo, a regra é clara: chegou no corpo do outro jogador, mas não foi ombro a ombro, é falta!

Depois do segundo sacode, o instinto de preservação da espécie falou mais alto: Danem-se os caquis, eu vou é sair daqui. Me afastei tanto quanto pude daquela selvagem busca pelos caquis promocionais, e de longe assisti um bando de senhoras disputando entre si.

Elas podem ter enganado a todos. Aquelas roupas no melhor estilo 'roupinha de vovó', cabelos grisalhos, e óculos de grau certamente despistaram os outros clientes, mas não a mim, detentor de um apurado olhar sociológico. Na certa era a divisão feminina do time curitibano de Rugby da terceira idade. Não há dúvidas. No mínimo sairiam dali direto para a academia, parando no meio do caminho numa dessas lojas de suplemento alimentar. Pois nunca vi umas senhoras tão porretas quanto àquelas. Quanto a mim, tal como os pequenos animais da savana africana, esperei os leões se servirem para depois pegar os restos.

sexta-feira, 12 de junho de 2009

Os pupilos do senhor reitor

Como sabem – afinal, quem lê nossa bodega na certa o faz por proximidade pessoal, e não por hedonismo literário –, estive matriculado em Ciências Sociais na UFPR de 2006 até a metade de 2008. Tinha aulas nos prédios da Reitoria e fazia laboratório sobre a sociabilidade urbana no pátio entre os prédios durante as idas e vindas regadas a cafeína.
Confesso que não fui o mais aplicado dos acadêmicos. Nem o segundo melhor. Sequer o terceiro. O que tem seu lado bom: o último serei o primeiro. Mas, além desse recurso retórico, e não obstante eu fuja do estereótipo bicho-grilo-maconheiro-com-tempo-de-ler-teóricos-anacrônicos-e-ver-a-banda-passar-no-pátio-da-reitoria e não conheça com profundidade muitas respostas a algumas questões que eu mesmo nutro, tive algum aprendizado que não sai de mim não sai de mim não sai. Assim como quem ouve Chico Buarque e Tom Jobim não apenas aprende a cantá-los, mas conhece Chico Buarque e Tom Jobim – ganha consistência.
Senão as amizades singulares que me sustentam generosamente nos caminhos que escolhi, mesmo que distantes desse pátio, a melhor parte desses poucos anos em que fiz Ciências Sociais são algumas certezas que trago comigo. O acesso ao pensamento científico-formal trouxe alguns nortes que eu não encontraria no círculo doméstico, religioso ou profissional. São portas específicas.
Entre elas, o fato de eu olhar criticamente para tudo e todos. Olhos de julgamento analítico. Olhos ora compreensivos, ora rotulantes. Algo pouco cristão, é verdade, mas desvendar(-se) exige uma coragem, um distanciamento e uma doação perene – mais que dez por cento dos esforços, mais que um horário marcado com o êxtase do encontro íntimo. O filem acadêmico não dá conta de todas as demandas do ser humano, mas abre-nos os olhos para algumas maravilhas e alguns horrores da sua manifestação.
Não se trata de divinizar a Ciência. Afinal, como ilustração, há teorias que sustentam a superioridade de uma etnia perante as demais. A questão é outra, quase oposta: se há na Ciência um ranço positivista de culto à razão (ou a sofismas), há também uma dimensão de liberdade. Um espectro lúdico ronda os bastidores da Ciência; um espírito onírico, de quem não dá conta e sequer reconhece, existe por ela.
Não precisamos ir longe. A arte ama a Ciência. O pensamento científico ainda representa, em alguns aspectos, a libertação de uma criatura subjugada pelo seu Criador – ela toma as rédeas do mundo do saber e torna-se produtor de conhecimento. A arte é justamente a licença poética que a Ciência precisa para ser plena.
Em termos objetivos, julgo que a Ciência seja um fenômeno inédito na história da humanidade. Num recorte milenar, nenhum outro advento gerou tamanho impacto no direcionamento da História. Afinal, é graças à Ciência que o fogo hoje é vendido praticamente em caixinhas e uma parte considerável da humanidade dispõe de meios de transporte impensáveis há alguns séculos. E o bojo ideológico parece-me ainda mais pontual. Onde pulsa a Ciência? Na academia, é claro! É lá que residem os matizes de humanismo que a Ciência gera por resíduo, por antítese, por resistência, por capricho. É lá que se afirma quem é mais importante. É lá que o ator social veste-se autenticamente e usa as cores que lhe convém com liberdade. É lá que o homem científico sente-se em casa. É lá que pulsam as regras do jogo dessa Ciência passional. É lá que o homem é inteiro.
Quem diria: o pátio da Reitoria faz bem para a auto-estima da humanidade.

domingo, 31 de maio de 2009

Domingo dá poesia




Sim, dá sim. E nem é por que logo nele, no dia do descanso, uma seqüência de sabe-se lá quantos dias de tempo nublado e úmido se encerrou. Aqueles dias tipicamente curitibanos, dizem orgulhosamente os curitibanos; dias que são o terror de quem precisa lavar roupa em casa e depende de um solzinho qualquer para que as roupas sequem. Mas quando isso acaba, e as roupas podem ser secas no varal, não é motivo suficiente para dizer que um domingo pela manhã tem graça. Numa padaria qualquer, sempre tem alguém discutindo que não precisamos achar uma causa científica, teórica, ou mesmo prática para as coisas; as vezes basta sentir. É o feeling. E é por isso que domingo de manhã pode ter toda uma graça, talvez um encantamento, quando se anda pelas ruas de Curitiba – e noutros lugares também!, seu curitibano boboca.

No elevador, um casal até ignora aquele vizinho de apartamento que também acordou cedo. Mas isso não é frieza, antipatia, nem qualquer outra coisa que aqui adjetivamos, repito e insisto, orgulhosamente como curitibana. Certamente aquele casal tinha suas pupilas dilatadas, sintoma de quem tem no coração o coração de outra pessoa, e vice-versa. No elevador o ar era um misto de três aromas: o halito de café fresco que vinha do casal, o perfume doce dela, e o sorriso bobo dele – sorriso também tem aroma, basta querer perceber. Pela despedida a noite foi longa, mas ainda assim incrivelmente curta para quem tem que se despedir num domingo pela manhã. Poesia de fim triste, mas só é triste por que antes foi feliz, e ta aí a graça.

Já no mercado, assobiando conforme a música ambiente, um idoso escolhia os produtos na prateleira. A touca que usava era daquelas que possuem cobertor para as orelhas que a gente só vê na TV e em pessoas que viram surgir a TV. Aquele senhor, com uma lata de conserva nas mãos, pegava sua lupa no bolso do acinzentado casaco e olhava preço, data de validade e descrição do produto. Ele perdia o foco, mas não o assobio. As mãos tremiam um pouco dados os anos vividos, mas eram esses mesmos anos que lhe davam a sutileza de curtir o ritmo da música ambiente e deixar qualquer espectador curioso; estava frio, não eram nem 8 horas da manhã, ele era velho, mas nada disso parecia ser verdade, ou se fosse, então era compensado por um segredo que só ele sabia. Talvez tivesse descoberto o tal feeling bem a tempo.

Fora dali, ao lado da fila de taxis – laranjados e pretos aqui na capital paranaense -, o contraste ficava por conta de uma rosa vermelha. Estava abandonada sobre um pequeno detalhe da arquitetura do prédio que lhe dava suporte; estava muito nova, muito vermelha, e muito bem alinhada para ter sido jogada ao acaso. É piegas, brega, um dramalhão falar de rosas vermelhas, mas elas existem e esta em específico estava lá. Cada um pode dar uma versão diferente, uma explicação da flor ali jogada; perto dos taxis, pode ter significado alguma despedida dolorosa de onde só a rosa restou, mas como já tivemos uma despedida nesse texto, passo a bola e deixo cada um imaginar o que fazia uma rosa - de botão semi-aberto tal qual nas fotos que acompanham poemas - no centro de uma capital que tem a alcunha de ser impessoal.

Eu poderia prolongar as linhas sobre uma porção de coisas possíveis de serem invocadas ao se falar de uma manhã de domingo em Curitiba. Poderia citar todo um caos urbanosfeito por skinheads, homofobia, deputados que estão nem aí, e mendigos acumulados debaixo das marquises; toda uma esquizofrenia da cidade de Curitiba que quem não é curitibano acredita que aqui não existe – e alguns muitos curitibanos também. Só que preferi falar de algumas outras coisas que também não dispensam nossa ajudinha para serem salvas, que precisam ser lembradas para não serem esquecidas – óbvio assim -, inclusive a graça bem poética que acorda, enquanto muitos dormem, num domingo pela manhã.

sexta-feira, 1 de maio de 2009

contribuição para uma (ou duas) sociologia(s) do(s) meio(s) de transporte, e pelos parênteses.



Não pretendo aqui apresentar alguma teoria que dê conta de explicar o funcionamento das representações e práticas acerca dos meios de transporte, muito pelo contrário, quero desconstruir, afinal isso sempre foi mais fácil que construir qualquer coisa (os pós-modernos que o digam).


Cada cidade tem um modo de transporte característico, o Rio tem (ou tinha) os trens, São Paulo os mêtros (e os metro-sexuais), e Curitiba os ônibus. Como sou um garoto assaz provinciano me focarei nestes.


Para começar uma critica, ou duas, a dois grande intelectuais, que em suas correntes de pensamento esqueceram de analisar coisas simples como o meio de transporte, o que EU faço aqui para VOCÊ leitor. O grande e venerável Marx afirma que tudo o que é sólido se desmancha no ar, obviamente ele disse isso ignorando a realidade dos ônibus de Curitiba e dos meios de transporte em geral no Brasil (ver foto acima). Digo isso porque qualquer um que já esteve num desses transportes sabe que o cheiro do braço do vizinho não desmancha no ar, aliás deve ate desmanchar o próprio ar (02) e substituir por moléculas de suor (CC).


O outro intelectual que quero criticar só para criticar é Bauman. Grande sociólogo primo distante do Batman (outro teórico da sociedade). Bauman em algumas de suas obras discorre por intermináveis paginas sobre a fluidez das relações sociais nas sociedades modernas, ou contemporâneas. Tivesse ele pego um ônibus alguma vez na vida saberia que não há nada de fluído em um meio de transporte moderno. Alias, há quase que um bloco monolítico (Kubrick que o diga) constituído de uma massa de pessoas, onde já não há mais indivíduos mas o coletivo. O coletivo pelo coletivo, a volta a barbárie, os instintos animais do homem (e das mulheres) em sua forma menos civilizada, a luta pela sobrevivência. Como haveria fluidez num bloco onde desaparece o indivíduo?



Feita essas criticas encerro o texto. Que é um saco pegar ônibus de manha é. Que em todo lugar os meios de transportes estão super-lotados e ultra-poluentes estão. Mas que nada é melhor do que poder fazer uma analise sucinta e jocosa dessa realidade não é (ou é).

sábado, 25 de abril de 2009

O que resta ao orante

Escrever é uma arte que nos exige a alma. É muito mais que mera transcrição: é um olhar depoente sobre a vida.

Que o Rubem Alves ignore a coincidência do exemplo, mas um bom chefe de cozinha é um sujeito chato por excelência – o chato é por minha conta. Acorda antes do sol e vai à feira. Permite-se absorver pelas cores. Pergunta. Apalpa. Cheira. Degusta. Calcula: a confiável couve do seu Armando, ligeiramente amarelada, ou a exuberante porém desgostosa couve da dona Amália?


A manhã vai alta quando enfim as especiarias mais apetitosas terminam de escolhê-lo. Munido, enfim, dos ingredientes mais frescos, fecha-se em seu templo para celebrar. O quê? Celebrar o sabor. Celebrar o sabor é a sagrada linguagem do mestre-cuca.

Que é carregada de ritos. O chefe devota atenção paternal aos itens de sua dispensa. Desembrulha o repolho com desvelo; amacia os extremos do pepino para não lhe ter amargo; abre a couve [do seu Armando] em mil tiras sem largura; faz do tomate oito gomos precisos; descobre cada curva da alface sob a água corrente; trata a berinjela; declara-se à cebola.


Feito isso, reúne sua prole dentro de relicários de metal em mística irreproduzível. O relógio confere: cozinha, cozinha, cozinha – e eis que se enche de aromas e sabores! As mágicas cotidianas invadem fronteiras para declarar que está na mesa aos homens de bom apetite.


No entanto, só e sem chapéu, recolhe-se. Restam os restos. Pratos, travessas, colheres e tampas: escombros da ilusão matinal. Solidão inexorável. Ingrata missão essa que avassala a alma e que se lava dia-após-dia.


Amanhã levantará antes do sol. Que ímpeto em recomeçar! Cozinhar também é uma arte que nos exige a alma. É muito mais que mera fervura: é um olhar temperado sobre a vida.

quarta-feira, 15 de abril de 2009

Práticos e Racionais

Os homens são práticos e racionais, calculistas, por natureza. É o que dizem por aí. Acho que é só uma dessas mentirinhas que se vinculam a um dos sexos. O cocotidiano oferece os mais variados argumentos contra a idéia de serem esses seres de barba e amantes do futebol – o esteriótipo as vezes vem bem a calhar - os mais práticos e racionais de todos. E afinal, se fosse verdade, não teria muito mérito... além de homem, mulher e aqueles perdidos entre os termos, o que resta? Ser o melhor de 'três' não seria lá algo para se gabar, mas enfim...

Somos práticos e racionais, dizem eles entre uma cerveja aqui e uma carne sangrando ali. Mas eu não vejo muita praticidade em certas coisas que fazem... o cidadão vê uma mulher de formas provocadoras – eufemismos para os olhos mais cristãos – e, dentro do seu carro ou em cima de uma moto, põe-se a buzinar freneticamente para a mulher; alguns inovam, sofisticam, tentando imitar um coiote, cachorro ou outro animal qualquer entre uivos e ganidos*. Céus, algum homem já conseguiu algo fazendo isso? Qual a taxa de aproveitamento, se é que existe? Quantas são as mulheres que, ao receberem uma buzina, sorriem alegremente de volta e gritam seu telefone no meio da rua mais movimentada da cidade?

Por isso acho que esse papo de homem racional, homem prático, é mentirinha. As mulheres contam que gostam de homens inteligentes, legais e que dinheiro pouco importa, e em troca os homens contam que são práticos e racionais. Mentira por mentira, digamos assim.

Mas as vezes até nos confundimos dada a vasta gama de artifícios que se vestem os homens, e tudo para camuflar a sua não-praticidade. Vejamos um caso hipotético de dois homens que discutem e rompem relações – vale ressaltar que briga entre eles, extremamente racionais e práticos, geralmente é por que o ego racional e prático de um não é aceito pelo ego racional e prático do outro; uma dinâmica estritamente racional e prática.. Um dia eles se encontram novamente, e tentam fazer as pazes. Não como as mulheres que tentam discutir a relação e por os pingos nos “is”; não, os homens não.

- Opa, e aí, cara.
- E aí...

(seguido do silêncio pós-cumprimento, o primeiro ensaia da um abraço enquanto o segundo vinha com um aperto de mão, mas quando um nota a intenção do outro, sem jeito, imitam à ela, o que acaba criando mais confusão ainda; o primeiro vai com um aperto de mão enquanto o segundo vem agora com um abraço. Mas confusão por confusão, ficam no tapinha nas costas. Coisa de quem é racional e prático)

- Jogaço o de ontem, hein! - assuntos fugazes são próprios para a ocasião de paz.
- Sinistro mesmo. Com gol no último minuto.
-E o filme depois?
-Sinistro! Já viu a continuação?
- Sim, com aquela 'mulher de formas provocadoras', né? - mantenhamos o respeito aos olhos cristãos.
- Isso. 'Mulher de formas provocadoras' demais!
- Maneiro.
- Pode crer... - sentem que se o gelo não foi quebrado, pelo menos ficou de lado.
- Então, topa um churrasco final de semana?
- Fechou!

E a amizade volta a existir. Não importa se a briga tivesse sido gigantescamente séria, ou infimamente besta, as coisas se resolvem assim. Se bobear, no caminho do churrasco do final de semana, estarão juntos no carro que buzinará para as mulheres e imitarão para elas seus respectivos animais interiores – mas em constante manifestação exterior.

Poderia um leitor distraído ver nisso o máximo da prática e da racionalidade, mas é obvio que não. O que podemos notar aqui é a enorme, latente, e sempre pesada, incapacidade de falarem essas coisas do coração – coisas essas que até hoje, os únicos homens que conseguiram falar, foi Los Hermanos, Roberto Carlos, e(levanta uma voz no fundo da sala) Taiguara. O resto, pobres são os barbudos perdidos entre as dores do viver, e a obrigação de fingir-se racional e prático.


*Para alguns, imitar animais é bem mais fácil, e vemos imitações dignas de confusão: é um homem ou um animal?

PS
: na procura de uma foto boa para este texto, digitei 'homens' no Google Imagens, o que me faz uma pessoa apta a dar um sábio conselho: aqueles que não quiserem ver fotos de homens sarados, abraçados, ou limpando o chão com toda a sua musculatura peitoral a vista, não repitam este ato inocente.

terça-feira, 7 de abril de 2009

Amizades de novo


De vez em quando me admiro que as pessoas realmente leiam este blog. Inclusive desconfio que o contador de visitantes esteja errado (César). Enfim já que estamos aqui analisemos algo palpável: seriam as amizades como as reações químicas, no sentido de atingir um ápice em determinado momento e depois morrer as minguas?


Por quê está reflexão? Provavelmente você leitor, assim como eu, em um dado momento se sentiu muito feliz em um grupo de amigos, e de repente nota que ele nunca mais atingirá aquele ponto. E você pode fazer de tudo para tentar reaver aquele momento, mas ele nunca é igual. E obviamente não seria. A vida é dinâmica (ouvir dizer que até a continuidade é um tipo específico de mudança*), as pessoas mudam, não só de lugar mas de caráter e você também muda. Bobeira é achar que tudo será igual um dia, se serve de consolo, nunca sabemos se o zênite da relação já chegou....


Juntei algumas frases só pra não deixar esta velha catedral (blog) às moscas (textos repetidos). Proponho um brinde a todos os CAROS AMIGOS, nesta pequena CARTA CAPITAL que escrevo para que você VEJA que não está sozinho, ISTO É: as relações de amizade em grupo podem ser menores ou maiores dependendo do dia, mas os CARAS que estão com você nunca deixarão de ser seus amigos, e sempre ouvirão seus TI TI TIS independente deles serem SUPER INTERESSANTES ou não.

*Ou vice versa, não lembro, não li o texto inteiro.

**Já escrevi um texto com tema similar, mas todos os bons autores ficam repetindo o que dizem (veja o Foucault, ou os Bee Gees que tocam a mesma música a trinta anos por exemplo) por que não poderia um autor ruinzinho fazer o mesmo.?

terça-feira, 3 de março de 2009

Mágico de Boz- tá bom...


Era uma vez três amigos. À um deles faltava coragem, para lhe dar com as mulheres, ao outro coração, para vencer o objetivismo, e ao outro faltava o cérebro, para conseguir completar as idéias. Quando alcançaram idade suficiente para se dar conta disso resolveram ir atrás de um tal mágico milagroso, a quem se atribuía as maiores maravilhas e poderes de cura, e isso que ele nem tinha um canal de televisão.


No caminho até esse mago, encontraram uma tal de Alice ou Aline não se sabe ao certo. O fato era a semelhança de suas roupas com o personagem Wally, que ninguém sabe a este ponto, ao certo, onde está. Outro fato certo é que ela havia vindo de outra história (ou curso), alguma coisa sobre um país das maravilhas, que era de fato onde ela sempre estava com a cabeça. Chega de fatos e cacofonias. O último fato, perdoem-me os leitores, é que ela, sem convite prévio certo, vejam bem, ingressou no grupo, o que foi bom porque ela não deixava o sem coração andar sozinho na frente.



Por fim alcançaram o mago, ao pedirem-lhe os favores ele os mandou escrever um blog por algum tempo, e que ao fim de um período eles teriam uma surpresa.
Depois de árduos textos, versando sobre os assuntos mais diversos, e alguns sobre o nada, eles voltaram a falar com o mágico. Ele perguntou ao sem coração:

- Sobre o que você escreveu majoritariamente?

- Sobre coisas afetivas, formigas, família, saudades, ruas, beijos...- respondeu ele.

O mago dirigiu-se então ao sem coragem:

- Após seus textos, quantos comentários de meninas, depoimentos, e recados você recebeu?

- Inúmeros – Respondeu ele sorrindo.

Por fim perguntou a mim, digo ao último:

- Você leu todos os textos?
- Praticamente.
- Entendeu-os?
- Não, a maioria não pelo menos, não entendia as palavras e o objetivo.
- Sobre o que foi o seu último texto postado?
- Uma analogia entre uma história pseudo-infantil e a vida real, utilizando personagens desta.



- Pois bem, você já tem um cérebro! Só com ele você poderia criar uma narrativa tão brilhante.



- E quanto a vocês – dirigiu-se aos outros dois – Vocês também já tem o que queriam! Sob uma carapuça de objetivismo e cientificismo escondia-se o seu coração meu caro. E você sempre teve a coragem para as garotas, mas você usa-a de outro modo, mais intimista, alguns diriam até gay.


-E quanto a você...- dirigiu-se à menina-...o que você queria mesmo?


Os meninos sabiamente puxaram-na para fora antes que ela começasse a falar alguma coisa sobre a amiga de direita (ou do direito) dele, e assim aborrecesse o mágico.



E assim acaba a nossa história, os quatro foram saltitando de volta para casa, ao som de Somewhere Over The Rainbown (a versão do Eric Clapton, é claro) cientes que bons tempos como estes não voltam.



ps.:Minhas Excusas à:
- Os leitores (pela minha demora em postar um novo texto, o que acarretou no fato de vocês terem de ler textos de fontes não confiavéis)

- Alice ( Acho que exagerei dessa vez)

- Amiga da Alice (Malz aí)

- Carlos ( foi o césar que pediu retaliação pq vc sempre zoa a gente nos textos)

- Aos leitores (por escrever coisa que poucos vão entender, ou que muitos farão pouco caso)

- A mim mesmo ( porque ngm merece ficar se excusando por tudo)

sábado, 28 de fevereiro de 2009

Romeu e Julieta: hoje.


É uma história, no mínimo, boa. Um bom estilo trágico que para melhorar só se descobrissem que Romeu era irmão de Julieta e que, dado essa escapada marota da Senhora Capuleto, a intriga entre as famílias tornou-se histórica. Claro que isso não consta, e claro que não estou tentando desmerecer aquilo que persiste há séculos como um clássico histórico, mas o fato é que persistir na história não é o mesmo que resistir ao desenrolar dela(reflexão pseudo-filosófica digna de um café com pão-de-queijo em alguma padaria qualquer).
Fizeram até um filme versão moderna da história, e é curioso assistir para ver como a tragédia seria na modernidade; carros, armas de fogo, TV. Tudo muito bom, mas acho que foi a ultima versão moderna viável de ser feita. Por que? Pensem só como seria um Romeu e Julieta mais moderno(talvez pós-moderno!).

Para começo de história, Romeu e Julieta teriam Orkut, o que ia complicar as coisas... Julieta teria no seu perfil alguma comunidade de família, tão em moda. ‘Família Capuleto’, e outra semelhante ‘Odeio os Montecchios!’; isso provavelmente já acabaria com o drama logo no primeiro ato pois saberiam quem é quem.
No Orkut do Romeu teria um depoimento todo apaixonado de Rosalina(para quem não lembra, é a ‘outra’, aquela que sacaneia ele), e teria ainda fotos de rosto colado com a moça e legendas do tipo ‘És tu minha razão de viver tão sombrias horas orvalhadas’. Julieta ia ver isso e daria pulos de raiva que se converteriam em recadinhos atravessados na página de Romeu, o que também está em moda.

Quando se separassem após jurarem amor eterno, sequer sofreriam de tantas saudades. Cada qual com seus celulares iam mandar torpedinhos apaixonados e abreviados. Iam telefonar e passar horas a fio no telefone, o que suspeito que desse um fim ao drama no segundo ato, pois ao contrário da história original, iriam se conhecer bem e logo Julieta ia sacar o galinha que era Romeu(lembrem-se de Rosalina), e Romeu se assustaria com a dramaticidade da moça(fingir-se de morta não é lá muito razoável).
Caso a coisa toda continuasse após os percalços da maravilhosa era da comunicação instantânea, onipresente e que corta todo o barato romântico, eles oficializariam sua condição de casal. No MSN os dois teriam coraçõezinhos em seus Nicks, algo tipo Ro (coração) Ju, e vice-versa, mas é claro que bloqueariam todos aqueles primos chatos inconvenientes que ficam se matando só por que uns são Montecchios e outros Capuletos.

E se o drama chegar até o ultimo ato, quando ocorre o mais famoso mal-entendido das histórias, é claro que não será por que uma carta extraviou-se. Quem, hoje em dia, usaria de papel e caneta(!!!) para se comunicar? Que nada. É muito provável que a porcaria toda ia se dar via e-mail. Iam mandar um e-mail a Romeu avisando do plano e da falsa morte de Julieta, mas o servidor de e-mail dele iria estar off-line, hackeado, ou em manutenção, o que impossibilitaria a história ter um final feliz. Romeu vendo Julieta ‘morta’ se mataria, e em seguida, quando ela retornasse de seu mórbido sono, Julieta veria seu amado morto e morreria também(desta vez de verdade).
Claro que hoje em dia isso tudo seria uma grande baboseira, até por que todo mundo sabe que esse tipo de drama ta fora de moda; quem vai ficar dando pelota tamanha pra uma ficada ocasional em uma festa a fantasia? Ninguém, quanto mais morrer por isso...

Enfim, "Jamais história alguma houve mais dolorosa / Do que a de Julieta e a do seu Romeu.". Não mesmo, mas só por que não aconteceu nos dias de hoje...

domingo, 22 de fevereiro de 2009

Pasquinismo

A opressão da mídia gorda sobre os movimentos sociais, cuja corresponsabilidade por tal usurpação democrática paira sobre certos blogueiros provincianos no aniversário de vinte anos da nossa Carta Magna: a influência em um jornal ilibado de dois filhotes do sistema, aspirantes à colunistas de vida pacata e de boemia matutina a serem custeadas pelas ratazanas da imprensa marrom.



Independentemente do posicionamento político-partidário que cada um nutra a partir de convicções íntimas [desde que se seja requianista], é sabido que a História se constrói a partir das relações de poder - a saber, a partir da perpetuação dessas relações.

Essas relações de poder têm implicantes sociais bastante importantes. Não à toa, o governo federal no últimos anos encontrou no sistema de cotas uma forma paleativa de contemplar os afrodescendentes e os estudantes da rede pública no acesso ao Ensino Superior. [Importante: no Estado Democrático de Direito em que vivemos, recheados de clichês como esse, é vital que se possa opinar a respeito de políticas compensatórias em mesas de bar sem assédio moral de militantes xiitas, estudantes de antropologia ou sínteses desse casamento].

Novamente, independentemente do posicionamento ideológico que se possa sustentar acerca da validade dessas políticas públicas, é necessário admitir que se trata de uma vitória dos movimentos sociais ligados às causas socioeconômica e etnocultural. São movimentos orgânicos que nascem como antítese natural da dinâmica social - e sua existência é tão legítima quanto a existência do Rotary Club, da Rede Globo, da Daslu e suas respectivas esferas valorativas.

No Estado Democrático de Direito em que vivemos - insisto no jargão tão comum nesse último ano, em que a CF88 completou vinte primaveras -, mais que uma possibilidade, constitui desejável manifestação da orientação ideológica pertencer a nichos como os citados acima [exclua-se o engajamento antropológico]. É salutar para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária [já riria o Rei: como é grande o meu amor por clichês] esses vínculos institucionais.

Pelas razões aqui levantadas, não se pode admitir sem interrogações críticas que passam pela função social do jornalismo que um veículo impresso, entre os dez mais lidos do país, traga [pasmem!] no seu editorial mensagens como a seguinte: "O Fórum Social sempre chamou mais a atenção do público pelas presenças inusitadas. Ora são grupos indígenas fazendo seus exóticos rituais em praça pública, ora são movimentos anarquistas envolvendo a população em debochados jogos lúdicos." [Gazeta do Povo, 31/01/2009]

Para um jornal que está entre os dez mais respeitados do país, é uma pena que não haja uma cobertura inteligente e ampla sobre o Fórum Social Mundial. É de se estranhar, aliás. É uma pena também que façam tão marginal e monocromática a pluralidade dos movimentos sociais. E é lastimável, principalmente, que ainda considerem a cultura ameríndia 'exótica', mesmo depois de quinhentos anos de convivência compulsória, razoavelmente amena.

A dúvida persiste: apenas jornalistas podem escrever em jornais? Maus exemplos como esse podem derrubar o argumento da exclusividade profissional do jornalista. Mas isso é papo pra outro papo.
Por ora, se for-me permitida uma conclusão, devo dizer que, após muita análise, asseguro que um jornal idôneo como é a Gazeta só pode ter sido corrompido no íntimo por uma dupla de estudantezinhos dignos de Sessão da Tarde. A práxis jornalística dessa maculada instituição, quase centenária, está seriamente comprometida graças à contramilitância contracultural de dois lobinhos reitorianos blogueiros. Tudo bem, fazem Sociais, mas passaram dos limites.

Em tempo, aproveito o megafone para me posicionar em defesa dos movimentos sociais, seja eles quais forem, como forem, quem forem, para quem forem e por quanto forem; contra o aumento da passagem [passe livre para os homens de bem!]; em defesa do jornalismo objetivo, imparcial, neutro e utópico; contra o terceiro mandato; a favor do Requião...

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Lá iam as formiguinhas.


Não, isso não é uma daquelas historinhas de fundo moral.

No parque, domingo a tarde, uma longa fila de formigas atravessava o chão perto dos banquinhos. Um guri, naquela fase detestável dos ‘por ques’, ia testando a paciência de seus pais perguntando sobre as coisas mais aleatórias. “Por que os peixes não comem barro?”(sic!). Quando viu a fila dupla de formigas – uma carregava folhas e restos de comida que o pessoal que vinha ao parque deixava, e a outra fila, rente a primeira, iam as formigas em sentido contrário, indo buscar mais folhas e restos de comida – o guri se agachou com aquele entusiasmo curioso que se perde conforme vamos passando pela escola.

- O que é isso, mãe?
- Ué, isso é formiga filho.
- Por que elas tão assim?
- É o caminho que elas tem que fazer.
- Por que?
- Por que elas querem.
- E por que essa daqui ta fora da fila? – apontou para uma formiga que não ia em fila nenhuma.
- Ela se perdeu. Ta vendo aquela outra ali, ó? É a mãe dela preocupada e procurando por ela.
- Cadê o pai?
- Aaah, hoje é domingo, o pai-formiga não ta, ele foi passear.

(breve silêncio do guri, mas como é sabido, silêncio de criança só quer dizer que ela está prestes a aprontar alguma)

- Posso matar elas!?
- Ai, filho. Deixa disso. Elas não estão fazendo mal algum, além do que...
- Toma! Tap, tap, tap - mais ou menos esse o barulho das chineladas que o moleque deu.
- Ah, filho! Não precisava fazer isso.
- Hehehe, tap, tap, tap - chineladas de novo... criança é um treco maldoso.
- Olha lá! Ta vendo aquela formiga? É mãe também, e agora ta chorando por que você matou os filhos dela...

(surge no garoto uma expressão de espanto, seria remorso se ele soubesse o que é isso e se não fosse criança)

- Mãe... por que elas não se mexem mais?
- Você matou elas, estão mortas. Mó-rreu. Babau. Agora não tem mais jeito.
- Mas elas não vão embora?
- Não filho, você matou todas.

(o guri, quieto, ainda tentou empurrar as formigas mortas para ver se surtia algum efeito, quem sabe elas voltariam a andar, mas diante do fracasso desistiu de tentar de novo)

- Manheee... – todo choroso.
- O que foi filho?
- Quero ir embora...

Acho que esse vira militante do Greenpeace quando crescer, só para dar vazão ao arrependimento.

sábado, 3 de janeiro de 2009

Simpatia pra começar 2009 com tudo: como fas/

Primeira introdução babaca do ano, a ver pelo tiopês. Sobre a primeira introdução babaca do ano.

Respire fundo. Beba uma boa dose de coragem sem gelo. Repita cem vezes: “És um monstro, ó besta! Mereces o fim!” A passos determinados, vá para a frente do espelho. Encare o dinossauro cara-a-cara a no máximo 15 centímetros de distância. Ignore o mau cheiro – é apenas mofo, quem sabe um pouco de mau hálito. Provoque o cascudo até que ele rosne. Permita que ele babe e sue, até o vidro embaçar completamente.
Aproveite esse momento e espalhe maquiagem corretiva em toda superfície do crânio do animal. Você poderá sentir no ar, gradativamente, o hipotético aroma de menta! Sinta o frescor e a leveza da propaganda de Kolinos – água, jetesquis, garotas seminuas! Rapidamente, treine um semblante feliz e satisfeito.¹
Lembra da posição de Lótus, própria para relaxar, deixar o pensamento fluir e as energias positivas tomarem conta do seu eu? Esqueça. Ela é extremamente dolorida para os não-iniciados nas práticas ioguísticas. Ninguém que fuja de sua consciência agüenta a dor nas costas. Imagine-se, isso sim, sentado com as costas no sofá mole da sua avó vendo televisão num final de semana indolente, com a cabeça totalmente vazia – sugiro os Pequenos Talentos do Raul Gil.²
Feche os olhos. Saque um ral de cereja do bolso e espere as papilas gustativas entrarem em movimento harmônico. Desperte em sua mente uma música que lhe dê prazer. Sugiro a sonata para piano em ré maior K576, II Adágio, de Mozart. Se conhecer algum mantra tibetano, entoe. Eu, particularmente, aprecio o OM AH HUNG VAJRA GURU PADMA SIDDHI HUNG.³ Evite o transe, todavia.
Experimente! Você verá a diferença logo na primeira aplicação! É melhor que Activea. Expõe você a aquilo que habita no seu reflexo, é bem verdade. Mas fique tranqüilo: sua saúde retocologastrointestinal continuará no limiar da privacidade. Nada de vender seu “reloginho”.4

Feito esse ritual de purificação pessoal, você estará pronto para entrar no Ano Novo sem maculá-lo. Assim, já pode se preocupar com os rituais socialmente normatizados para o reveiom.
A urucubaca mais querida pelo senso comum é o significado das cores das roupas. Passar a virada5 de branco atrai paz. Amarelo traz dinheiro. Verde, esperança. Vermelho é a cor da paixão. Azul, do Cruzeiro. E assim por diante.
No campo da culinária, existem milhares de simpatias. Milhares de razões para milhões de pessoas prometerem ao Ano que chega que emagrecerão bilhões de quilos. Podemos citar o hábito de comer porco, porque fuça para frente, e lentilha, por crescer ao ser cozida – hábito realmente comum nessa época.
Enfim, poderíamos citar listas imensas de costumes e práticas que se perpetuam ao longo de décadas, ainda que a cultura de comunicação de massa, a globalização, o advento da tecnologia, os clichês subcríticos, o Tio Sam, a racionalidade e, convenhamos, o bom-senso ofereçam resistência. Trata-se de um fenômeno sociológico fantástico! É formidável observar como as relações matrilineares de poder no seio familiar estabelecem as mães, tias, as avós e as tias-avós como detentoras do sistema de condução desses ritos coletivos de passagem!6
Longe de esgotar o tema7, espero ter contribuído, ainda que a posteriori, para um começo de ano alto astral!
Em tempo, faço votos de que uma das metas do leitor para 2009 seja a fidelidade ao Cocotidiano.



¹Sabe aquela Kolinos amarela?
²Longe de considerar o baluarte dos cholmens domingueiros ou os novos expoentes da Música Popular Brasileira desinteressantes.
³Existem duas interpretações correntes. Em uma delas, o mantra significa: “Possamos nós receber a transmissão completa das bênçãos do corpo, da palavra e do espírito do Mestre de Diamante!”.
4Espero que sirva de consolo.
5...
6Sociológico, eu disse.
7Um dos clichês de predileção.