quarta-feira, 9 de julho de 2008

O Papa não poupa ninguém

Mimese fajuta da prostração sabinista sobre a singela mentecapcidade



Não bastasse acordar 5h30 da madrugada todo sábado pra trabalhar num posto de saúde, tem dia que ainda se acha no direito de te reservar xingamentos, reclamações e chuvisco.
Mas tem dia que vale a pena. Tem dia que dá até pra rir. Esse sábado foi assim.
Diz que lá pelas tantas – garanto a veracidade do relato, não obstante a introdução tão comum em anedotas – me chega o cidadão:
- Tem médico hoje?
- Não, senhor. Hoje estamos abertos apenas para trabalho administrativo. – menti eu. Que não tinha médico, não tinha mesmo. Mas havia procedimentos de enfermagem. Optei por convencionar o ‘apenas administrativo’ como orientação geral dado o trabalho que tive com uma senhora idosa bastante simpática que insistia em passar por exame de aptidão dermatológica para sessões de hidroterapia sem nenhuma necessidade. Continuei:
- Caso precise de atendimento médico hoje, o senhor deve procurar um Posto 24 Horas [que hoje leva o nome pomposo e desconhecido de Centro Municipal de Urgências Médicas].
- E qual o mais perto?
- Perto mesmo não tem. Mas o mais fácil para o senhor ir é o 24 Horas do Fazendinha. – expliquei com bastante calma. – O senhor pega nesse ponto ali [apontei com o dedo diretamente para o ponto de ônibus, muito pedagogicamente] o ônibus Fazendinha. Desce no terminal do Fazendinha. – falei devagar. - Ao lado do terminal do Fazendinha, fica o 24 Horas do Fazendinha.
- Pode anotar, moço?
Anotei, tanto mais pedagogicamente. Cuidei da caligrafia.
- O senhor sabe que eu tenho um prédio?
- Como? – perguntei perplexo. O senhor que aparentava morar na rua estava com a barba a la meu-nome-é-enéas. Carregava um saco de pano, provavelmente com roupas. Boné de candidato a parlamentar.
- Eu tinha, na verdade. Um prédio de dezoito andar. Só eu tinha nove. Dei tudo prum rapazinho mais ou menos da tua idade. Escritura e tudo. Macredita que esqueci pra quem é que dei?
- Nossa, que coisa! – recompus a seriedade.
- Mas importa é Deus. Nós não somos nada. Naaaada. Nada mesmo. Deus é tudo, acima de qualquer coisa.
Concordei.
Lamento dizer que os próximos dois minutos de explanação do caro amigo aqui citado foram ininteligíveis. Algo como cobradores de ônibus, construção civil e novamente um rapazinho quase da minha idade. Na dúvida, concordei com tudo. Parecia surtir efeito. Em determinado momento, voltou ao português:
- ...e eu viajei o mundo inteiro. Fui pra todos os país. Só não fui pra Rússia, que lá eles tavam em guerra e não quiseram parar a guerra pra eu ir.
Não consegui conter a admiração pelo homem. Ri francamente, solícito.
Ele seguiu deliberando cuidadoso, franzindo a testa, muito fiel que era às lembranças:
- E uma vez os americanos me pegaram...
Tomo a liberdade de dar um breque no relato do nosso saqueiro viajante contemporâneo. Não lhes dou o direito de achar coerência no fato de os americanos o levarem, porque toda a epopéia é digna de credibilidade. Não imagina o leitor a espontaneidade do amistoso camarada.
- E uma vez os americanos me pegaram. Me levaram de avião. E eu doente! Pensei que dali mesmo eles me despachavam. Mas não. Me levaram de avião pro lugar onde nasce o sol. E era quente! Ra-paz! Era quente!
O meu muito amigo Viramundo me olhou bem nos olhos. Riu gostosamente. Sentenciou:
- E tive com o papa João Paulo II pouco tempo antes dele morrer. Ele me disse que já sentia. Já sentia que ia morrer. E eu fiquei a distância. Por respeito. E o Papa me pulou e me pegou pelo meio! O Papa me pulou e me pegou assim, pelo meio mesmo. Pelo meio.
Confidenciou em voz baixa, como quem só contasse porque era seu amigo de infância, mas que não era de bom tom falar assim da Sua Santidade, não fosse pela certeza da discrição da minha parte.
Visivelmente sentindo pelo falecimento do Pontífice, argumentou, bastante solene:
- Homem de Deus, que coisa... mas deixa ele. Um homem bom. Ih! Um homem bom mesmo. Que Deus o tenha, né.
Verdade. Deixa ele.

6 comentários:

Zé Luiz Sykacz disse...

Eu acho que á conversei com esse senhor num ônibus (não, não era o Fazendinha).

A diferença é que ele me contou o bate papo que ele teve com o john kennedy, poucos dias antes dele morrer (o kennedy, não o velho).

Foi mais ou menos assim:

-Eu dei uns conselhos pra ele. O homi tava com uma idéias loucas.
-Sério?
-Sim... só que eu -nesse momento ele dá uma olhada estratégica pra se certificar que ninguém está olhando - não posso te contar mais nada do assunto. Entende? Coisa perigosa.
-Ah sim. Compreendo.
-Mas uma coisa eu te digo: quando eu falei com ele tava na cara que ia fazer o que fez, que ele ia se matar.
-Mas ele não foi baleado num atentado?
Nesse momento ele deu uma risdinha irônica do tipo "é o que eles querem que todos pensem" e completou:
-Pense nisso, meu filho. Pense nisso...

Ele me contou mais algumas histórias mas admito que a exemplo do cara com que vc conversou, boa parte das frases que ele falou eram inaudíveis. Eu só balançava a cabeça afirmativamente fingindo prestar atenção.

Será que topamos com o mesmo senhor??

Música de suspense, maestro!
.
.
.
Acho que não!

Abraços!

Thiago Elias disse...

De vez em quando eu paro pra pensar em quanta gente fantástica existe ao nosso lado e nem percebemos!

MAs que bom que o companheiro pôde compartilhar a experiência, realmente intrigante e ainda mas com o seu impeto histriônico para a literatura, muito bom!!!

Anônimo disse...

Ainda bem que o dito cidadão escolheu a pessoa certa para relatar sua história; qualquer outro não sendo o companheiro Carlos não conseguiria escrever tão bem o desenrolar da coisa toda.

E três vivas para as estranhas figuras curitibanas(falo do dito cidadão hein)!

Gabriela disse...

Fazia um tempinho que não vinha aqui. Entrei cheia de esperança de encontrar um monte de textos novos. Morreram? =)

Desse eu gosto bastante. Além do super personagem, tem o super escritor pra nos dar minutos de prazer na leitura. ;)

Thiago Elias disse...

Pois é tô achando que morremos mesmo!!!

Se tá assim nas férias imagina com o começo das aulas, podemos mudar o nome pra limbo ou coisa assim!

E que eu saiba é a vez do César!

Élyka Dalossi disse...

coisas que só acontecem nos sábados de manhã! E chuvosos!! hahahahahaha... mto bom! E por estarmos em Curitiba, e existir o Largo da Ordem, eu não duvido de nada do que está escrito nesse post.

quanto às suas considerações no meu post... devo dizer que por conta da sua comprovada dedicação às pesquisas acadêmicas variadas, posso inclusive isentá-lo das mensalidades do curso. (Sim, é FREE!) Contando que vc compartilhe com toda a turma seus conhecimentos adquiridos com a leitura da ICB, que possam, por acaso, ter alguma relevância para a Pegalogia.
O MEC ainda não se pronunciou sobre o curso. Mas foda-se, ele aprovou a Uniandrade... oq podemos esperar de um órgão desses???
tem autorização da gerência
e isso basta, uahuahauhauhaa
=*