quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Peças que a vida nos prega

Boa notícia: após o crítico período de ócio salutar causado por um agente virótico produzido pela ala neomaltuziana da indústria biofarmacêutica [e após o clamor desesperado de pais e/ou responsáveis], os colégios deste planeta voltaram à ativa. Que alegria! Uma leva pandêmica de nanosseres cuja safra data da última década desafiou o luto de um ano recomendado pela ONU em virtude do falecimento de Michael Jackson e desde esta segunda-feira, 17/08/09, renlouquece inspetores de todo o globo.
As aulas na Universidade onde estou matriculado e eventualmente estudo só voltam no dia 24. E eu, bom irmão que sou, decidi buscar meu adorável calo consangüíneo que atende por Vitória na saída do colégio. Cheguei cedo e sentei num murinho em frente ao colégio, conforme recomendam a prudência e a preguiça. Garoava um pouco. Fazia algum frio. Vadiava brisa. O dia cheirava a normal. E, estando a admirar as calças de uma moça simpática que passava do outro lado da rua, para um carro em minha frente. O motorista me pergunta:
– Sabe onde tem uma autelétrica que recondicione alternador?
Fingi pensar. Franzi a testa. Fiz cara de quem não conhece a região e me desculpei.
– Por aqui eu não sei, cara. Fico te devendo.
Me senti um piá de prédio. Afinal, sou um piá de prédio. E o que é que um piá de prédio vai saber sobre conserto de carro? A geração toddynho foi criada pra ter um carro e ouvir tuche num posto sábado à noite. Nunca ouvi falar de propaganda de problemas autelétricos. E minha formação acadêmica maneja palavras, não porcas e parafusos. Comunicação não dá conta dessas coisas excessivamente tangíveis. Não sei o que um alternador alterna nem sabia que ele era condicionado.
Aliás, adendo: embora o nome do curso que faço na Universidade seja Comunicação Institucional, alunos e professores anulam este adjetivo. Todos sabemos que o Comandante Chávez vai mandar no mundo, expandir o Mar Vermelho, elevar a boina per capita e rir do Mercado. Logo, fazemos Comunicação lato sensu [porque alguém terá que se dizer democrático e achar o Bolivar broder, de preferência em rede nacional]. Na real mesmo, trata-se de um laboratório para o Discurso Bolivariano.
Nisso saiu minha irmã em meio a uma manada de filhotes. O que eu tava fazendo ali, que eu levasse a mala dela, a aula foi boa, a de português melhor, tinha a professora grávida faltou de novo, pegou um livro na biblioteca...
E nada como a ladainha infantil para blindar o ouvido, centrar a mente, resgatar o adendo e nos remeter a pensamentos metafísicos: eu havia me comunicado com alguém de outra espécie! Por necessidade de sobrevida da tecnologia – em última análise, humana – eu fui interpelado por um primo, duma espécie próxima, e consegui me comunicar com razoável sucesso! Muito bem: eu fiz contato com um legítimo homo graxeirus. Em carne e osso. Que fantástico. Que exótico. Pensei de imediato no blogue: vou registrar esse momento histórico e o cocotidiano aparecerá na wikipédia. Vamos bombar no “Hoje” do Live Messenger. E mais. Daqui a cem anos, nas Universidades [então Universidades Nacionalistas Independentes de Formação Bolivariana], a juventude engajada e revolucionária estudará fósseis de capitalistas em escalas antropométricas e lerá este relato etnográfico de vanguarda que vos penetra durante uma aula de paleontologia bolivariana. Então o camarada professor falará de alguns grupos humanos extintos ao longo do séxulo XXI, sumidos junto à tecnologia de fetiche: o homo graxeirus, o homo consumus, o homo egoicus...
Chegando à esquina, o senso de cuidado para atravessar a rua estourou a bolha hipotético-imaginativa-pseudofilosófica-semionírica. Minha irmã ainda estava ligada. Falava de uma briga entre coleguinhas. Bons tempos esses em que a gente brigava por mesquinharias sem valor de troca...
E paramos antes do meio-fio, frente à faixa de pedestre. Primeiro a máquina.

4 comentários:

César disse...

Um bom texto sobre a sutil arte de ser um piá de prédio!

Mas confesso que a parte das Universidades Nacionalistas Independentes de Formação Bolivariana assustou um pouco, bem como a expansão do Mar Vermelho.


Ah...
"Fingi pensar. Franzi a testa."

Quem conhece o Carlos tem a exata noção da fisionomia que ele assume - frequentemente por sinal - nessas situações.

Aline disse...

Gostei da parte que fala da academia.
"Minha formação acadêmica maneja palavras, não porcas e parafusos"
Essa coisa de se perder em palavras e sair do mundo que faz o mundo faz a gente se sentir inútil.

E quer saber... na real mesmo? Acho que é isso mesmo. Vaidade de ego que quer saber tudo em palavras e não aprende construir nada empírico.

Anônimo disse...

droga!
quando eu penso q escrevo um texto bom...


:}

pelvini disse...

você é um dos meus escritores favoritos - me faz pensar.

gostaria apenas que você escrevesse mais =]

abraço, amigo carlos!