terça-feira, 6 de maio de 2008

Etnografia de um sábado pela manhã

Começo pela etimologia. Em termos aurelianos, etnografia [do Gr. éthnos, raça + graph, r. de graphein, descrever] significa “ciência que estuda os povos, suas origens, suas línguas, religiões e costumes, a partir da forma como se vive o sábado pela manhã.”
Porém, soube por outra fonte – um tanto menos confiável que a do pequeno-burguês radical grego, é verdade – que o termo etnografia significa “puta leitura inútil, obsoleta que o diacho, mais chata que ata de reunião de condomínio”.
Sobre tal contenda filológica eu não me atenho. Apostaria na segunda hipótese por razões empíricas, mas prefiro não levantar bandeira alguma. Meu ofício [sic] é esmiuçar mesquinharias, não rejeitá-las tão facilmente, mesmo porque um dia elas hão de ser convenientes.
E esse dia chegou: a partir do sábado de manhã de uma data escolhida a dedo, conceito gregoriano¹ [quiçá aristotélico], dissertarei acerca das construções sociais que simbolicamente permeiam o meio cultural² observado.
O sábado em questão [a saber, três de maio] começou com o atraso do Elias – não confundir esse papo todo com antropologia. Elias é filho do meio, criado em métodos normais, de uma família equilibrada e sensata, imbuída do conceito de prosperidade, muito trabalhadora, além de ser neto de duas avós deveras capitalistas: enfim, Elias é a figura que foi classificada visionariamente por Weber como o protestante ideal. Aliás, deve ser mesmo ideal, uma vez que é claramente observável que dispõe de uma rede de contatos muito maior e melhor que os outros agentes desse relato. Houve momentos inclusive em que Elias provou ser o macho-alfa supremo no grupo usando de seu orcute³ para coerção das outras pessoas do grupo que, tamanha era a legitimidade transcendente que viam em Elias, submetiam-se a uma dominação tipologicamente carismática.
Entre papos e sopapos, Elias e Pegurski [coadjuvante mimético] chegaram na casa de César. Nada de importante ocorreu lá, senão a descoberta, através de um telefonema, de que a Aline – o elemento xis: vem com açúcar, tempero e tudo o que há de bom4 – ainda estava dormindo.
Abro um parágrafo para considerar que, sendo a etnografia uma literatura sem qualquer tipo de regulamentação da sensatez, permito-me dizer que essa comunidade lembra o conto dos três porquinhos. César, Pegurski e Elias são os ditos suínos. Suínos com muita graça e donaire. Já o lobo mal é o Marechal [ausente desta passagem por estar em curso, conta-se]. E a Aline é o vento que o lobo mal faz: não dá pra dizer que não existe, mas ninguém vê; só quem sabe quando ela vem ou não é o lobo mal; e aí por diante.
Desamparados pela deslealdade do vento preguiçoso, saíram os heróis desta etnografia barata – dessa vez porcos, não índios – para tomar café. Por limitações da espécie, após muito correrem [o que embriagou César de nostalgia], acabaram no pátio em que são criados. Tiraram fotos: limitação da natureza de Elias. E almoçaram a lavagem cotidiana. E tomaram um café, após isso.
Não rolaram na lama, mas foram estupidamente felizes.
E não obstante isso, termino essa etnografia agora por diversas razões: em primeiro lugar, porque não tem mais nada pra contar; em segundo lugar, porque ela já foi propositiva em demasia, em se tratando de etnografia; e enfim, porque leitor nenhum, de blogue nenhum, de lugar nenhum, de curso nenhum, de natureza nenhuma teria saco de terminar a leitura.

Em tempo: para ninguém ficar desorientado, joguei uma moeda pra cima e caiu cara. Ou seja, essa foi uma leitura funcionalista.


¹ Gregoriano é sinônimo de grego, como se sabe. Não confundir com a técnica vocal demodê.
² Social, não: cultural.
³ Sítio amplamente utilizado no início do Séc. XXI. Ver: PEGURSKI, Carlos. As 10 Piores Manias do Homem Moderno Bitolado. Ed. Bohemia, 2008.
4 Ver http://br.youtube.com/watch?v=vqbliGBgsrE


7 comentários:

Anônimo disse...

Uma etnografia para deixar claro o que eu sempre soube: há um antropologo atrás desses óculos e do sambinha assoviado em manhãs nostalgicas de sábado.

Prof. Carlos Pegurski, especialização em Etnografia do Cotidiano.

Lívia disse...

Eu ri muito lendo os posts e como surgiu o blog! :D

O post foi engraçado, principalmente o "a partir da forma como se vive o sábado pela manhã", a analogia aos três porquinhos e a definição de orkut, hauahua. Muito bom.

Gabriela disse...

A Enriqueta. ^^

Aline disse...

E a Aline é o vento que o lobo mal faz: não dá pra dizer que não existe, mas ninguém vê; só quem sabe quando ela vem ou não é o lobo mal.

WTF?


heuehuehuehuehheuehuehuehue... resta saber... quem será o Lobo mal? Mamãe?! E mais, eu sou uma menina superpoderosa?

Afff!

ehuehuehuehuehuehuehuehueheuheuhe

Os três porquinhos mais aleatórios que eu já conheci. Ótima descrição. Embora, se formos analisar o escrito como uma etnografia, precisariamos de um propósito maior do que meramente a observação dos costumes do povo estudado - visando uma maior compreensão de sua ""'natureza'"""

Afff.

Thiago Elias disse...

massa,
pena q só vai ser apreciado por um círculo muito restrito (o que , obviamente não desmerece o texto, nem tira nada de toda sua graça e donaire).
Obrigado pelas citações, esses tres porquinhos vão longe...

Vinícius disse...

felizmente faço parte desse círculo muito restrito.
muito bom o texto, como todo o resto do blog tb

Lívia disse...

Franqueza emocional? Depende da fase, acho. Mas ultimamente, sim. HAUAHU. Ele serve como saco de pancadas (virtual?) na maioria das vezes, coitado.