sexta-feira, 4 de abril de 2008

O que é fazer Antropologia?


'É estudar indiozinho né?'

Não necessariamente... Essa é uma daquelas perguntas que não é estranho encontrar um aluno de Ciências Sociais, já no quinto período, que se enrole para responder; e para esclarecimentos, informo que um curso de Ciências Sociais se compõe em cima de Sociologia, Ciencia Politica e Antropologia como matérias chaves. Talvez culpa da enorme quantidade de teorias e métodos antropológicos, talvez a culpa seja da vadiagem ilimitada dos alunos, o fato é que é dificil saber o que é ela. Mas enfim, assumindo a presunçosa intenção de esclarecer a tão mal vista disciplina, me lanço numa empreitada utilizando-me de um pequeno exemplo do que é um trabalho de campo etnográfico, que é, afinal, a base da Antropologia.

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Cheguei(sim, todos os textos da matéria são em primeira pessoa... isso é ciência!?) no Restaurante Universitário – vulgo RU - para acompanhar mais um ritual do cotidiano acadêmico que é o almoço. A coisa se dá de modo simples: após enfrentar uma fila enorme, onde os nativos interagem aparentemente de forma intencional para demonstrar sua popularidade, paga-se o valor da refeição de acordo com seu status no meio acadêmico. É um grupo altamente hierarquizado e de privilégios subentendidos. Em seguida, pode-se ou não lavar as mãos; creio ser isto um reflexo do clima de liberalidade existente somente naquela aldeia(Reitoria), sendo que a tribo como um todo (UFPR) não compartilha dessa liberdade na mesma medida. São vários clãs(cursos) a participar deste ritual com fins alimentícios, sem aparente distinção de horários; é um enorme coletivo onde todos se confundem e confunde a todos(a Antropologia é mestre em jogos de palavra).


Porém, um bom antropólogo, com olhar externo e observador, consegue distinguir entre um clã e outro. A título de exemplo, cito um clã que como prerrogativa fura filas, são as chamadas pedagogas do clã Pedagogia – por razões ainda não avaliadas, há poucos homens nesse clã, sendo um mistério a sua reprodução. Há um outro clã, de certa facilidade para ser identificado, que é o História, com cabeleiras exuberantes e camisas de Heavy Metal. Poderia exemplificar mais, porém, quero me deter em um clã em especial com o qual tive maior contato(a Antropologia sempre se detém numa especificidade e diz que é algo científico... da para acreditar?).


O clã em questão é o Direito, muito peculiar por sinal. Atendem também por juristas e, não sei muito bem por que, por alugados. A etnografia (coleta de dados a partir da observação da realidade) nos permite deduzir um certo status diferenciado a esse clã – mesmo que haja um discurso geral proclamando a igualdade clãnica -, principalmente pelas suas vestimentas e pelo seu jeito único de portar-se perante os outros clãs. Suas roupas trazem símbolos e aparatos que nos remetem a figuras míticas do mundo moderno, e também aos seus totens, como a Nike. O uso desses totens representa um forte poder simbólico de adesão ao clã. Usam tecidos impecáveis e quando comparados a certos clãs como o Ciências Sociais, parece se tratar de um outro povo, outra cultura. Seu comportamento exclusivo é característico por um constante ar de arrogância, onde fica tacitamente implícita a interação somente dentro do próprio clã; deduzo que são endogâmicos e exceções são anormalias estruturais.


Sua relação com outros clãs, mesmo que em teoria sejam iguais, transparece como já disse, uma diferença valorativa. No ambiente coletivo, principalmente no ritual que acontece diariamente no RU, sentam em mesas quase exclusivas e repudiam dividir o espaço com membros de outros clãs. Não se sabe ao certo se esse comportamento foi iniciado pelos juristas, mas o certo é que os outros clãs reagiram a isso devolvendo o repúdio.


Posto isso, uma leve conceituação do clã do Direito em seu convívio coletivo, ou seja, com membros de outros clãs - mesmo que essa interação seja meramente virtual e obrigatória -, o próximo passo é descreve-lo em interação dentro do próprio clã. Entretanto, e contraditoriamente, o convívio dentro do clã é voltado para fora dele. Ou seja, mesmo quando conversam entre si, os alugados nunca deixam de fazer seu discurso tendo em vista que outros clãs podem estar ouvindo, e na verdade, eles querem ser ouvidos.


Pelas mãos do acaso, enquanto eu me misturava antropologicamente entre os nativos e sentei-me a mesa coletiva do ritual, ao meu lado sentaram-se alguns membros do Direito. Mantendo meu olhar distanciado e objetivo(a antropologia acha que é objetiva... há!) pude observar ações que justificam a fama de arrogantes que possuem. Primeiramente, sentaram-se e ocuparam uma cadeira a mais com o intuito de reserva-la a um outro membro do clã que logo chegaria; isso representa uma quebra na ordem ritualística pré-estabelecida do RU e que acaba comprometendo todo o funcionamento da instituição, mas uma das implicações nesse status silencioso dos juristas é poder quebrar certas normas coletivas sem qualquer repreensão. Logo em seguida, começaram a falar de seus próprios conceitos simbólicos(matérias), como constituição e código penal, de maneira alta e clara, pois acreditam que ao serem ouvidos receberão mais status ainda. Presenciei então toda uma conversação acerca de seus rituais intra-clãnicos e confesso pouco ter entendido, porém, graças a duas pequenas crises estruturais que ocorreram durante essa interação, pude entender melhor o universo dos alugados.


A primeira crise a que me refiro, foi quando a discussão estava focada nos seus aparatos de vestuário, bem como o jeito também peculiar que eles possuem de cortar o cabelo – outros clãs dizem ser um corte pós-moderno(hihi). Enquanto trocavam idéias e dicas, um deles, inocentemente, criticou o cabelo do outro, duvidando que o mesmo tinha sido cortado por um profissional. Pronto, a crise surgiu. Nesse ponto, percebe-se a importância dada a questão capilar. Aquele que ofendeu, assim que teceu sua crítica, sentiu-se envergonhado. O ofendido ficou vermelho, raivoso e constrangido. Os outros juristas que ali estavam, ficaram em silêncio. Todos sabiam o que havia acontecido e o que aquilo significava. Era um abalo na estrutura interna do clã, que só foi resolvida por intermédio da mudança drástica de assunto.


A segunda crise, ainda mais reveladora sobre o comportamento do clã em questão, se deu graças a um provável recém iniciado naquele grupo. Os alugados agem em relação ao mundo a sua volta com uma vista típica de castas, ou seja, há certas atividades para certos grupos, uma estratificação bem definida. Pelo menos para eles. Porém, um membro descuidado e desavisado comentou ter trabalhado como caixa em uma loja, o que, obviamente, não esta no nível de atividades exercidas por um alugado! Os risos foram generalizados. Caçoaram de seu companheiro e fizeram comentários pejorativos. Ele ainda tentou se justificar, porém em vão. Seu lugar dentro do clã nunca mais seria o mesmo depois de ter assumido tamanha subversão da ordem interna. Trabalho é visto com sérias ressalvas dentro deste clã.


Concluindo, dizemos então(os antropólogos mesmo escrevendo em primeira pessoa, também usam o plural... provavelmente por que seus egos são tão grandes que precisam ser citados) que há todo um status que se manifesta traiçoeiramente nessa tribo. Reconhecemos aqui, de forma clara, que foram estudos inconclusivos e merecem investigações posteriores(pelo menos eles tem a humildade de reconhecer isso).

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Uma leve introdução do estudo do 'outro' quanto ser cultural. É Antropologia... e tem quem goste...




9 comentários:

Élyka Dalossi disse...

ok, ok...
está preparado pra ouvir o comentário de uma estudante de Direito sobre esse post???

vc tá certo, cara!! O pessoal de Direito é lugado. E só o diabo sabe o pq.
vc pode citar tbm que há divergências dentro do proprio clã. na minha turma, por exemplo, os sociáveis são excluídos. eu mesma não tenho um grande numero de contatos... em virtude da índole arrogante que prevalece nos membros do curso. e tudo indica que tende a piorar: o pessoal do ultimo ano não mostra nenhum sinal de humildade. oq me leva a crer que, em algum período do curso eu terei que ter 70% de presença em uma matéria chamada Arrogância e Prepotência I. caso aconteça, te aviso pra vc ampliar suas análises antropológicas.
por falar nisso, vc estuda indiozinhos?

Carlos Pegurski disse...

"...são as chamadas pedagogas do clã Pedagogia – por razões ainda não avaliadas, há poucos homens nesse clã, sendo um mistério a sua reprodução."

"Seu comportamento exclusivo é característico por um constante ar de arrogância, onde fica tacitamente implícita a interação somente dentro do próprio clã; deduzo que são endogâmicos e exceções são anormalias estruturais."


AHUhaUHAuAHUAHauHAUhAUAH
Mto bom, Cesinha!
Meu olhar etnocêntrico se curvou à infalibilidade da academia antropológica.

Thiago Elias disse...

caraca véio, diria um membro do clã dos descolados (tal qual eu), muitíssimo bom o seu texto. Apavoraste demais...
e eu que dúvidava de sua capacidade literária...

Anônimo disse...

Minha irmã era uma estudante de direito do tipo que tira 10 em monografia. Isso tem alguma relação com o tema?

Carlos Pegurski disse...

que ímpeto, que graça e donaire [como diria o Fernando Sabino, e eu muito mais que ele], que antropological blues!

Anônimo disse...

Porra!

Faltou falar dos estranhos de design...

hunf.

pq os magrinhos alternativos claaamammm seu direito de ser visto como um clã reconhecido dentro da UFPR.

Aline disse...

Ah, esqueci de comentar, que a parte do Clã das pedagogas foi uó!
heuheuehuheue
mto boomm mesmo =P

Gabriela disse...

"Existem três áreas das chamadas verdadeiras Ciências Sociais: a Antropologia, a Sociologia e a Ciência Política. Das três, a Ciência Política é a única que se baseia verdadeiramente em uma grande mentira, já a Antropologia e a Sociologia estão fundamentadas quase que completamente em meias verdades." [Desciclopédia]
:)

Belo texto, moço!
'Tem quem goste' e, principalmente, 'tem gosto pra tudo' sempre me animam!

As pessoas são tão interessantes, né? Ou não.
Na verdade estou mais ligada a Antropometria. ;)

Carlos Pegurski disse...

Meldels, que biologizante! Vá de retro, positivista!