quarta-feira, 16 de abril de 2008

Amor, família, cotidiano

O jantar estava à mesa, mas o clima pesado. A família se preparava para a refeição mas os filhos haviam acabado de presenciar um daqueles momentos que todos os filhos que vivem com os pais presenciam pelo menos uma vez, uma daquelas brigas que acabam com qualquer clima. O mais desatento acharia que começou por coisa boba, mas todo mundo que estava ali sabia que a coisa não andava boa há tempos.

A filhinha, por volta dos 8, quase como sintetizando o momento perguntou inocentemente::

- Mamãe, o que é o amor?

Houve um longo e desconfortável silêncio, o olhar do pai e da mãe se cruzaram rapidamente, e foram logo interrompidos pela risadinha sarcástica do irmão, mais velho que estava em plena puberdade:

- Não existe amor, hoje é só pelo se... – a mãe o impediu de falar qualquer coisa que gerasse mais perguntas com um tapa de leve no braço e um olhar de reprovação.

- Amor filha – começou a mãe sem qualquer certeza – amor é se dar...

O filho quase cuspiu o suco pelo nariz de tanto rir e falou:

- Se dar, só se as meninas...- O pai o impediu com tapa um pouco mais forte.

- Deixa ela falar! – exclamou o pai, colocando os talheres na mesa e se inclinando para ouvir a definição de amor de sua esposa.

A mãe sentia todo o peso do mundo nas costas, como falar de algo para a filha que a desiludiu a vida inteira? Quando era jovem sentia tanto amor pelo esposo, mas agora sua vida conjugal tornara-se um peso. Sentia antes tanto amor pelo filho, mas agora havia um abismo enorme entre eles e ele só a causava problemas. A filhinha era a única por quem ainda sentia um amor incondicional, jamais mentiria para ela.

- Amor é se dar filha,- continuou- deixar de se preocupar com você e colocar os outros como mais importantes!

- Eu amei tanto minha família – disse quase em tom de arrependimento -que parei de trabalhar e estudar pra dar um lar pra vocês.

O pai se irritou muito, poderia parecer coisa pouca, mas a situação não estava nada bem e esta história nunca tinha sido resolvida, ele sempre se sentiu culpado por ter mudado tanto a mulher que um dia amou.

- Vai falar que acabei com tua vida!- gritou o pai, batendo na mesa fazendo todos os talheres pularem e para além disso assustando os filhos. – Você acha que eu não abri mão de um monte de coisa nessa vida por vocês?

- Não estou reclamando - tentou justificar a mãe com lágrimas nos olho, mas tomando coragem desabafou - eu só estou dizendo a verdade. Me doei pra vocês e ninguém valoriza nada do que eu faço, eu tinha uma carreira, estava na faculdade, ganhava mais que você e escolhi ficar aqui nessa casa infeliz.

- Porra,- gritou o pai, os filhos jamais haviam visto isso – o que é que te fiz de errado? Eu trabalho todo dia pra pôr comida nessa mesa!

- E depois se joga na frente da tv – revidou a mãe, já chorando muito – você prefere a vida das lindas da tv do que sua família! Você nunca deixou faltar nada de material nessa casa, mas nunca colocou amor nem carinho aqui.

O pai levantou furioso e assustado com a essa nova mulher que agora o desafiava e começou a bater na mãe. O filho tentou impedir, mas foi jogado para longe, a filha começou a gritar. Os vizinhos, não acostumados com gritos naquela casa chegaram rápido, a tempo de impedir o pai de fazer algo pior.

Encontrando forças de algum lugar o filho levantou calmamente e abraçou apertado a irmãzinha que chorava amargamente (daqueles choros que apertam nossa garganta e o coração), chegou perto do seu ouvido e falou, num tom de segurança:

- Calminha, vai ficar tudo bem.

Mesmo assim a família nunca mais foi a mesma: a mãe teve seus problemas psicológicos agravados e não pode mais ser responsável pelas crianças, o pai foi preso por um bom tempo (a justiça ainda funciona de vez em quando para a classe média). Os filhos ficaram um tempo com os tios, depois com uma avó, e acabaram na adolescência num orfanato com pouco contato com a família. A filha nunca conseguiu definir o amor, mas conhecia um sentimento de paz e segurança que o irmão lhe mostrou com ações e não com palavras.

7 comentários:

Carlos Pegurski disse...

É ficção, Tchago?

Anônimo disse...

Vocês combinaram o texto e a tirinha ali em cima foi? Hehehe

Como sempre, um bom texto sobre um triste cotidiado.

K.C disse...

gostei daqui tb..

vou favoritar no meu blog, q é sempre bom terem o que ler x)

;*

Thiago Elias disse...

Muito psicologizante?

Eduardo Luiz Klisiewicz disse...

Cara... obrigado pela visita e parabéns pelo seu, muito interessante e rico. Abra´cos

Élyka Dalossi disse...

viu qq dá fazer perguntas difíceis na hora da janta?

Aline disse...

Sem comentários.

Eu quase chorei =´(