segunda-feira, 28 de abril de 2008

Lamento, ele queimou.


De um nerd para seu computador. Que descanse em paz

A tragédia começou numa sexta-feira, semanas atrás. Num rompante a lá Ursulão - aquele urso do desenho animado que queria fazer tudo por contra própria, tipo instalar uma geladeira, e acabava derrubando a casa toda – eu resolvei dar fim no problema de cooler do meu computador, e acabei dando fim no computador todo. Mas vamos por partes.

Vou até a loja de informática pronto para comprar um novo cooler e despreocupado pois é uma das coisas mais baratas do computador - é só o ventiladorzinho que fica em cima do processador. Chego lá, a mulher, uma senhora indo pra lá da meia idade já, me pergunta o socket do meu processador. Eu ri por dentro e pensei comigo: “Há, não é com essa que você vai me pegar!”. Tão logo respondi ela me traz o cooler novo para o meu socket(ui), mas já prevendo a cagada que ia acontecer, ela ainda pergunta se eu não queria que eles instalassem para mim. Com meus longos anos de nerdice me ofendi com a pergunta e quase mandei ela ir ensinar o padre a rezar missa.

15 minutos depois que eu saí da loja pensando no que eu poderia ter dito para a atendente para mostrá-la que não sou um desses idiotas qualquer que mexem com computador – imagina... -, eu volto lá imaginando a cara ela faria ao me ver retornar com o computador debaixo dos braços. Foi uma cara de triunfo, é claro. “Hihihi, deu problema?”. Se eu não estivesse desesperado com o fato do meu computador não ligar mais depois de eu ter trocado o cooler, teria respondido a altura; porém me contentei e entreguei-o nas mãos de um técnico.

Ele levou o gabinete lá para dentro enquanto eu, aflito, espiava pela porta o que ele fazia. A atendente, para concretizar a vingança, ainda grita em bom som para todos que ali estavam escutarem “Ele deve ter queimado o processador quando trocou o cooler.”. Engoli o orgulho e assisti emocionado o técnico mexendo no meu computador todo aberto e fragilizado, ali naquela mesa fria, entre cadáveres eletrônicos. Eu me perguntava o que seria dele torcendo para que não tivesse chegado a sua hora. Eis então que o técnico levanta os olhos desapontados, balança a cabeça negativamente, larga suas ferramenta cirúrgicas e enxuga o suor da testa. Olha para mim tentando medir as palavras, mas não havia o que fazer ou o que dizer: o computador tinha queimado.

O pior não era ele ter partido dessa para melhor, e sim o fato que fui eu, bancando o Ursulão, que inoculei nele a semente mortífera. A atendente chegou até mim – eu nem conseguia tirar os olhos do computador ainda aberto na minha frente - e mandou “Hihihi, que prejuízo hein... parece até que eu tinha previsto isso quando te ofereci ajuda pra instalar.”. A ignorei. Pedi ao técnico que tirasses os restos da minha frente; eu não podia mais olhar.

Desde sua ida dessa para melhor, andei de lan em lan, buscando preencher o vazio que ele tinha deixado em mim; busquei em outros o que ele me dava, mas era tudo em vão; e ao chegar em casa, e ver o lugar vazio que ele costumava ter no meu quarto, só me dava um aperto enorme no coração. Meus dedos não tinham mais função, vagavam inertes no ar. E agora, depois de 2 anos com muitas histórias, de várias noites em claro quando ele era remédio para minha insônia, eu dou um adeus entristecido para aquele que só me fez feliz.

Mas ok. Aprendi a lição; não vou mais trocar cooler nenhum do meu computador novo. Vou ficar no lugar onde todo não-técnico deve ficar: atrás do mouse e do teclado.

quinta-feira, 24 de abril de 2008

"As árvores somos nozes"

Ninguém escreveu nenhuma moção de repúdio. Não fizeram nenhum protesto ou manifestação. Os universitários, que em teoria sempre lutaram pelo meio ambiente em detrimento à modernização, simplesmente observaram calados a derrubada das árvores, outrora belas e imponentes, do pátio da universidade.

Provavelmente sentiram, depois do ocorrido, aquele remorso que todos sentimos sabendo que deveríamos ter feito alguma coisa, seja lá o que! Mas eles simplesmente olharam. Alguns tristes e impotentes sem saber como impedir o progresso da “modernidade”, outros nem aí –praticando esportes ou azarando (se é que ainda cabe este termo) pelo pátio-, outros talvez até a favor da derrubada, para maior comodidade e espaço físico. Eu simplesmente sacudi a cabeça em desaprovação, tanto pela derrubada quanto pela falta de pulso dos alunos, que em outros tempos teriam feito uma manifestação nus ou algo do gênero (se o termo não for deveras psicologizante).

Mas não adianta chorar pelo leite derramado, chorais, pois por aquelas belas árvores que talvez fossem apreciadas por pouco, mas que testemunharam tantas brigas e declarações de amor no pátio, tantas demonstrações de amizade ou piadas pseudo-intelectuais. Enfim assim como as arvores os alunos não disseram nada contra a decisão imposta por órgãos superiores que o tempo da “natureza” havia chego ao fim.

domingo, 20 de abril de 2008

Estrela cadente

Que se tome o céu por limite. Que se traga à luz da noite terrena os questionamentos sobre justiça – dos homens? de Deus? Que se lancem sobre a verdade todos os errantes de boa vontade para elucidá-la. Que se busque incessantemente a rede profana que tudo explica e não se pode conhecer.
Que se tomem todas as precauções para preservar as redes. Mas não agora. Não é dessas redes que a pequena precisa. Não são essas redes que devem encerrá-la nos braços. Não são essas redes que sem corte devem figurá-la por trás da tela. Não é assim que se preserva o amanhã. Não é assim que se conhecem os demônios.
Que se tomem os anjos com fé e peça-se que bem recepcionem a menina Isabella. Que se faça uma festa que ponha abaixo o céu! Que se celebre divinamente o dia em que o anjo muniu-se de fim e ingressou na eternidade. Que a tenham nos braços. Que a embalem dia após dia em cândida cantiga de bem viver. Que ofertem algodões-doces coloridos e pueris, mesmo que a chuva insista em derrubar a nuvem.
Que se cobre de César o que é de César. Mas que deixem a pequena estrela elevar-se sublime ao Lúdico. Que deixemo-la acertar a angelitude.
Que nos seguremos nós, que cá a gravidade e a saudade são sempre maiores. E que brilhe por nós.

quarta-feira, 16 de abril de 2008

Amor, família, cotidiano

O jantar estava à mesa, mas o clima pesado. A família se preparava para a refeição mas os filhos haviam acabado de presenciar um daqueles momentos que todos os filhos que vivem com os pais presenciam pelo menos uma vez, uma daquelas brigas que acabam com qualquer clima. O mais desatento acharia que começou por coisa boba, mas todo mundo que estava ali sabia que a coisa não andava boa há tempos.

A filhinha, por volta dos 8, quase como sintetizando o momento perguntou inocentemente::

- Mamãe, o que é o amor?

Houve um longo e desconfortável silêncio, o olhar do pai e da mãe se cruzaram rapidamente, e foram logo interrompidos pela risadinha sarcástica do irmão, mais velho que estava em plena puberdade:

- Não existe amor, hoje é só pelo se... – a mãe o impediu de falar qualquer coisa que gerasse mais perguntas com um tapa de leve no braço e um olhar de reprovação.

- Amor filha – começou a mãe sem qualquer certeza – amor é se dar...

O filho quase cuspiu o suco pelo nariz de tanto rir e falou:

- Se dar, só se as meninas...- O pai o impediu com tapa um pouco mais forte.

- Deixa ela falar! – exclamou o pai, colocando os talheres na mesa e se inclinando para ouvir a definição de amor de sua esposa.

A mãe sentia todo o peso do mundo nas costas, como falar de algo para a filha que a desiludiu a vida inteira? Quando era jovem sentia tanto amor pelo esposo, mas agora sua vida conjugal tornara-se um peso. Sentia antes tanto amor pelo filho, mas agora havia um abismo enorme entre eles e ele só a causava problemas. A filhinha era a única por quem ainda sentia um amor incondicional, jamais mentiria para ela.

- Amor é se dar filha,- continuou- deixar de se preocupar com você e colocar os outros como mais importantes!

- Eu amei tanto minha família – disse quase em tom de arrependimento -que parei de trabalhar e estudar pra dar um lar pra vocês.

O pai se irritou muito, poderia parecer coisa pouca, mas a situação não estava nada bem e esta história nunca tinha sido resolvida, ele sempre se sentiu culpado por ter mudado tanto a mulher que um dia amou.

- Vai falar que acabei com tua vida!- gritou o pai, batendo na mesa fazendo todos os talheres pularem e para além disso assustando os filhos. – Você acha que eu não abri mão de um monte de coisa nessa vida por vocês?

- Não estou reclamando - tentou justificar a mãe com lágrimas nos olho, mas tomando coragem desabafou - eu só estou dizendo a verdade. Me doei pra vocês e ninguém valoriza nada do que eu faço, eu tinha uma carreira, estava na faculdade, ganhava mais que você e escolhi ficar aqui nessa casa infeliz.

- Porra,- gritou o pai, os filhos jamais haviam visto isso – o que é que te fiz de errado? Eu trabalho todo dia pra pôr comida nessa mesa!

- E depois se joga na frente da tv – revidou a mãe, já chorando muito – você prefere a vida das lindas da tv do que sua família! Você nunca deixou faltar nada de material nessa casa, mas nunca colocou amor nem carinho aqui.

O pai levantou furioso e assustado com a essa nova mulher que agora o desafiava e começou a bater na mãe. O filho tentou impedir, mas foi jogado para longe, a filha começou a gritar. Os vizinhos, não acostumados com gritos naquela casa chegaram rápido, a tempo de impedir o pai de fazer algo pior.

Encontrando forças de algum lugar o filho levantou calmamente e abraçou apertado a irmãzinha que chorava amargamente (daqueles choros que apertam nossa garganta e o coração), chegou perto do seu ouvido e falou, num tom de segurança:

- Calminha, vai ficar tudo bem.

Mesmo assim a família nunca mais foi a mesma: a mãe teve seus problemas psicológicos agravados e não pode mais ser responsável pelas crianças, o pai foi preso por um bom tempo (a justiça ainda funciona de vez em quando para a classe média). Os filhos ficaram um tempo com os tios, depois com uma avó, e acabaram na adolescência num orfanato com pouco contato com a família. A filha nunca conseguiu definir o amor, mas conhecia um sentimento de paz e segurança que o irmão lhe mostrou com ações e não com palavras.

domingo, 13 de abril de 2008

Fim de Domingo


Segunda-feira é o pior dia da semana, indiscutivelmente. Mas domingo não fica longe não. Ainda mais quando acompanhado de uma chuvinha lá fora e de uma derrota roubada de seu time. E como se já não bastasse, hoje é o Dia do Beijo. Gente, existe data mais inútil do que essa?

Dia dos Namorados até vai, afinal, os solteiros melancólicos precisam de uma data pra canalizar toda sua frustração, do mesmo jeito que os brigados precisam de uma data anual para fazerem as pazes e os já 'namorando' tem que ter mais um dia para gastar dinheiro. Mas Dia do Beijo? Duvido que alguém dê flores para alguém só por que hoje é dia disso que ninguém nem ao menos sabe como e quando começou. Aliás, aquela teoria da mãe zelosa que mastigava os alimentos e cuspia de volta na boca dos seus filhos nunca colou. Não dá para conceber a existência de filhos sem beijos – ai de mim se um antropólogo lê isso. As outras teorias então... Talvez evolução de mordidas de ritos pré-sexuais dos macacos, ou ainda originário das lambidas em que os homens das cavernas davam uns nos outros em busca do sal na pele. Eca. Nada romântico, né? Acho que as verdades do beijo, assim como as do Papai Noel, são coisas que nunca deveriam ser encontradas pelo bem de nossas criancinhas. Mas isso não torna a data menos inútil, e nem o domingo menos pior.

A coisa vai além da excelente programação televisiva, que oscila entre vários graus escatológicos porém sem nunca deixar de ser escatológica. É um dia tão irritante que você sai na rua e vê idosos com seus poodles irritantes que latem para tudo e vão fazer na calçada aquela coisinha que amanhã ou depois você pisa em um momento de desatenção. Tem ainda a pressão, muito bem escondida, de que domingo é dia para ser feliz e fazer o que gosta. Ser feliz e fazer o que gosta quando no outro dia é segunda? Há, me engana que eu gosto. Acho que o maior problema do domingo é que ele se fundamenta numa eterna contradição: ele é o ultimo suspiro de prazer que damos antes da execução semanal. Ao mesmo tempo que o queremos, também o tememos. Algo parecido com o Lula antes de ser eleito. Mas ok, chega de ser ranzinza antes dos 40.

Até desejaria um feliz dia do beijo para quem ler isso, mas depois que li sobre o beijo, falar dele é imaginar dois homens da caverna, imundos e peludos, lambendo um ao outro num frenesi incessante; então melhor não ser hipócrita.

Boa semana a todos.

terça-feira, 8 de abril de 2008

Desertor

O cacto só no deserto
Cansado de tanto sofrer
Um dia avistou outro ser
Ao longe, que chegou perto.

Era tão seguro seu passo
E vinha tão galante o rapaz
Que sem saber o que faz
O cacto ofereceu um abraço.

O rapaz, como se nada
Tivesse ouvido, seguiu
Obstinado a caminhada.

O cacto triste não viu
Que a imagem à sombra calada
Era apenas miragem: seu rio.

segunda-feira, 7 de abril de 2008

Pessoal II


Antítese capilar e reações estéticas


Demorou mas veio. O Dalton não deixou quieto.
Dias atrás, após não conseguir convencê-lo de uma idéia proposta em sala, a professora encerrou a discussão dizendo que era melhor a discussão parar por ali antes que ele perdesse de vez os cabelos. [http://cocotidiano.blogspot.com/2008/04/pessoal.html]
Pois demorou mas veio. A professora hoje falava dos seminários feministas a partir dos anos 60 que discutiam o espaço da mulher na ciência:
- Vocês sabiam que foi uma mulher quem inventou o pára-brisa? E que teve muita dificuldade em patenteá-lo porque os homens diziam que com aquele bracinho se mexendo os motoristas ficariam tontos?
- Não seriam os limpadores de pára-brisa, professora? – interveio o Dalton.
- Isso. Gafe minha. Perdoem.
O Dalton não perdoou:
- Se bem que não seria de se estranhar: o pára-brisa ajuda a não estragar o penteado.
Burburinho. Repúdio das feministas escandalizadas.
Dalton, meu querido, essa ficou pra história. Só o tempo dirá quais os louros que colherá por tamanha ousadia epistemológica, mas manifesto minha solidariedade. Essa foi bonita. E nada pessoal.

sexta-feira, 4 de abril de 2008

O que é fazer Antropologia?


'É estudar indiozinho né?'

Não necessariamente... Essa é uma daquelas perguntas que não é estranho encontrar um aluno de Ciências Sociais, já no quinto período, que se enrole para responder; e para esclarecimentos, informo que um curso de Ciências Sociais se compõe em cima de Sociologia, Ciencia Politica e Antropologia como matérias chaves. Talvez culpa da enorme quantidade de teorias e métodos antropológicos, talvez a culpa seja da vadiagem ilimitada dos alunos, o fato é que é dificil saber o que é ela. Mas enfim, assumindo a presunçosa intenção de esclarecer a tão mal vista disciplina, me lanço numa empreitada utilizando-me de um pequeno exemplo do que é um trabalho de campo etnográfico, que é, afinal, a base da Antropologia.

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Cheguei(sim, todos os textos da matéria são em primeira pessoa... isso é ciência!?) no Restaurante Universitário – vulgo RU - para acompanhar mais um ritual do cotidiano acadêmico que é o almoço. A coisa se dá de modo simples: após enfrentar uma fila enorme, onde os nativos interagem aparentemente de forma intencional para demonstrar sua popularidade, paga-se o valor da refeição de acordo com seu status no meio acadêmico. É um grupo altamente hierarquizado e de privilégios subentendidos. Em seguida, pode-se ou não lavar as mãos; creio ser isto um reflexo do clima de liberalidade existente somente naquela aldeia(Reitoria), sendo que a tribo como um todo (UFPR) não compartilha dessa liberdade na mesma medida. São vários clãs(cursos) a participar deste ritual com fins alimentícios, sem aparente distinção de horários; é um enorme coletivo onde todos se confundem e confunde a todos(a Antropologia é mestre em jogos de palavra).


Porém, um bom antropólogo, com olhar externo e observador, consegue distinguir entre um clã e outro. A título de exemplo, cito um clã que como prerrogativa fura filas, são as chamadas pedagogas do clã Pedagogia – por razões ainda não avaliadas, há poucos homens nesse clã, sendo um mistério a sua reprodução. Há um outro clã, de certa facilidade para ser identificado, que é o História, com cabeleiras exuberantes e camisas de Heavy Metal. Poderia exemplificar mais, porém, quero me deter em um clã em especial com o qual tive maior contato(a Antropologia sempre se detém numa especificidade e diz que é algo científico... da para acreditar?).


O clã em questão é o Direito, muito peculiar por sinal. Atendem também por juristas e, não sei muito bem por que, por alugados. A etnografia (coleta de dados a partir da observação da realidade) nos permite deduzir um certo status diferenciado a esse clã – mesmo que haja um discurso geral proclamando a igualdade clãnica -, principalmente pelas suas vestimentas e pelo seu jeito único de portar-se perante os outros clãs. Suas roupas trazem símbolos e aparatos que nos remetem a figuras míticas do mundo moderno, e também aos seus totens, como a Nike. O uso desses totens representa um forte poder simbólico de adesão ao clã. Usam tecidos impecáveis e quando comparados a certos clãs como o Ciências Sociais, parece se tratar de um outro povo, outra cultura. Seu comportamento exclusivo é característico por um constante ar de arrogância, onde fica tacitamente implícita a interação somente dentro do próprio clã; deduzo que são endogâmicos e exceções são anormalias estruturais.


Sua relação com outros clãs, mesmo que em teoria sejam iguais, transparece como já disse, uma diferença valorativa. No ambiente coletivo, principalmente no ritual que acontece diariamente no RU, sentam em mesas quase exclusivas e repudiam dividir o espaço com membros de outros clãs. Não se sabe ao certo se esse comportamento foi iniciado pelos juristas, mas o certo é que os outros clãs reagiram a isso devolvendo o repúdio.


Posto isso, uma leve conceituação do clã do Direito em seu convívio coletivo, ou seja, com membros de outros clãs - mesmo que essa interação seja meramente virtual e obrigatória -, o próximo passo é descreve-lo em interação dentro do próprio clã. Entretanto, e contraditoriamente, o convívio dentro do clã é voltado para fora dele. Ou seja, mesmo quando conversam entre si, os alugados nunca deixam de fazer seu discurso tendo em vista que outros clãs podem estar ouvindo, e na verdade, eles querem ser ouvidos.


Pelas mãos do acaso, enquanto eu me misturava antropologicamente entre os nativos e sentei-me a mesa coletiva do ritual, ao meu lado sentaram-se alguns membros do Direito. Mantendo meu olhar distanciado e objetivo(a antropologia acha que é objetiva... há!) pude observar ações que justificam a fama de arrogantes que possuem. Primeiramente, sentaram-se e ocuparam uma cadeira a mais com o intuito de reserva-la a um outro membro do clã que logo chegaria; isso representa uma quebra na ordem ritualística pré-estabelecida do RU e que acaba comprometendo todo o funcionamento da instituição, mas uma das implicações nesse status silencioso dos juristas é poder quebrar certas normas coletivas sem qualquer repreensão. Logo em seguida, começaram a falar de seus próprios conceitos simbólicos(matérias), como constituição e código penal, de maneira alta e clara, pois acreditam que ao serem ouvidos receberão mais status ainda. Presenciei então toda uma conversação acerca de seus rituais intra-clãnicos e confesso pouco ter entendido, porém, graças a duas pequenas crises estruturais que ocorreram durante essa interação, pude entender melhor o universo dos alugados.


A primeira crise a que me refiro, foi quando a discussão estava focada nos seus aparatos de vestuário, bem como o jeito também peculiar que eles possuem de cortar o cabelo – outros clãs dizem ser um corte pós-moderno(hihi). Enquanto trocavam idéias e dicas, um deles, inocentemente, criticou o cabelo do outro, duvidando que o mesmo tinha sido cortado por um profissional. Pronto, a crise surgiu. Nesse ponto, percebe-se a importância dada a questão capilar. Aquele que ofendeu, assim que teceu sua crítica, sentiu-se envergonhado. O ofendido ficou vermelho, raivoso e constrangido. Os outros juristas que ali estavam, ficaram em silêncio. Todos sabiam o que havia acontecido e o que aquilo significava. Era um abalo na estrutura interna do clã, que só foi resolvida por intermédio da mudança drástica de assunto.


A segunda crise, ainda mais reveladora sobre o comportamento do clã em questão, se deu graças a um provável recém iniciado naquele grupo. Os alugados agem em relação ao mundo a sua volta com uma vista típica de castas, ou seja, há certas atividades para certos grupos, uma estratificação bem definida. Pelo menos para eles. Porém, um membro descuidado e desavisado comentou ter trabalhado como caixa em uma loja, o que, obviamente, não esta no nível de atividades exercidas por um alugado! Os risos foram generalizados. Caçoaram de seu companheiro e fizeram comentários pejorativos. Ele ainda tentou se justificar, porém em vão. Seu lugar dentro do clã nunca mais seria o mesmo depois de ter assumido tamanha subversão da ordem interna. Trabalho é visto com sérias ressalvas dentro deste clã.


Concluindo, dizemos então(os antropólogos mesmo escrevendo em primeira pessoa, também usam o plural... provavelmente por que seus egos são tão grandes que precisam ser citados) que há todo um status que se manifesta traiçoeiramente nessa tribo. Reconhecemos aqui, de forma clara, que foram estudos inconclusivos e merecem investigações posteriores(pelo menos eles tem a humildade de reconhecer isso).

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Uma leve introdução do estudo do 'outro' quanto ser cultural. É Antropologia... e tem quem goste...




quinta-feira, 3 de abril de 2008

Determinismo analítico



Sobre a liberda determinada por fatalida determinada



A sala está em círculo, as mentes se alinham, forma-se um espírito monástico a ser compartilhado pela celebração: hoje é dia de seminário!


Seminário, aos menos versados na última e bela flor do Lácio, pode significar o nome do mosteiro onde residem e estudam padres em formação. Pode ainda significar o “nário” pela metade – que nário? O primo do Mário. No caso, porém, o significado de seminário diz respeito a uma discussão teórica ministrada por uma ou mais pessoas aptas a tal explanação, tendo como público pessoas determinadas que procuraram esse determinado evento que discorre sobre determinada episteme.


O ritual de hoje é de sociologia – oh, curioso determinante. Apresenta-se (com muita determinação!) a idéia do sujeito no mundo, na modernidade, nos clichês enfim. Clichês determinados, a saber. E diria mais: predeterminados, uma vez que o tema, o palestrante e o assunto são conhecidos a priori.


Para bem ilustrar ao que me referi – se é que minhas referências não foram demasiado indeterminadas – dou-me o trabalho de atualizá-los perante o andamento do seminário (que ainda mantém o significado de explanação prevista): questiona-se, relativiza-se, problematiza-se, enchicheza-se se o sujeito social sofre um determinismo social (oh, recorrência!) ou se, como sugere o conceito do autor, ele é sujeito ao seu jeito na sociedade.


Como o seminário é – como já disse em um passado muito bem determinado – determinado, faz-se claramente definido: explana-se religiosamente como o previsto que o agente é móvel e goza de livre arbítrio, manifestação da subjetividade. Diz-se isso com uma determinação seminarista! E, realmente, os seminaristas (os aqui citados, por exemplo) reproduzem com estética bastante pessoal o discurso predeterminado.


Uma boa saída (de um inegável sujeito social) para se romper com a determinação, a que com muito afinco e determinação me referi, é acabar essa explanação impressa antes da explanação oral – que perde-se no Indeterminado, irregistrada senão pela memória de determinadas pessoas.


Acabo aqui, portanto, em tempo: antes de terminado.

quarta-feira, 2 de abril de 2008

Pessoal

- E me diga: quais os fatores condicionantes da identidade de gênero de um indivíduo que não são sociais, Dalton?
A professora de sociologia ficara brava. Falava devagarinho, degustando as palavras, assumindo combate. Culpa do Dalton, que julgou que um transexual poderia fazer essa cirurgia por ímpeto sensacionalista, "capricho pessoal", para chocar. E, para ele, isso seria meramente psicológico. Para ela, meramente psicologizante:
- Ainda que o que você inventou seja verdade, isso não é evidentemente social, Dalton?
O Dalton estava convicto de que não: era psicológico. Ou melhor, psicopatológico.
- Não, professora. Seria uma opção pessoal.
Ela fez cara de 'paciência', muito impacientemente, e encerrou:
- Vamos acabar com essa discussão antes que o Dalton termine de perder os cabelos.
E um tanto satisfeita pelas risadas que brotaram, mentiu:
- Não leve a mal Dalton. Nada pessoal.