terça-feira, 22 de junho de 2010

o Funk e o Funk

Alguns dos leitores deste bom e velho blog subversivo e comunista bem sabem que meu sonho, e o que faço a maior parte do tempo é tocar guitarra. Isso dado, há uma série de implicações, por exemplo, leio diversas revistas de guitarra. Relendo uma edição ultrapassadérrima de março de 2007 de uma das grandes publicações nacionais de guitarra vejo uma interessante reportagem sobre o funk. Sim, aquele funk de James Brown (Deus o tenha).

No fim da reportagem há uma critica duríssima à comparação existente entre o funk carioca e o funk ‘original’ de James Brown (até rima)! Pois bem, o escritor desta reportagem literalmente “desce o sarrafo” no ‘funk’ carioca, ou ao menos no fato de chamar o funk do morro de funk, assim como seu antecessor rico. Argumenta o rapaz, que isso é uma afronta ao estilo original por dois motivos principais: as letras pobres, e a música (harmonia, melodia) pobre.
Após ler isto me pus a pensar naquela música da James Brown:

“Get up, (get on up)
Get up, (get on up)
Stay on the scene, (get on up), like a sex machine, (get on up)”

O leitor deve concordar comigo que não há nada de muito construtivo/ profundo/ subjetivo/ introspectivo nessa música. Ao contrario, o objetivo é claro, fazer o ouvinte se chacoalhar (se é que ainda existe esta palavra) e a letra é obviamente de uma conotação sexual. Não vejo problema nisso. Alias como sociólogo (ou antropólogo) vejo estas manifestações culturais como um fato que tem um objetivo e uma causa. James Brown e toda a industria por trás dele, bem como os seus antecessores que lhe influenciaram, conseguiram chegar onde chegaram pois havia uma demanda por este tipo de música, havia espaço. Também se olharmos a musica pelo seu viés técnico não veremos nada de difícil ou complexo em sua construção: poucos acordes que se repetem por toda a canção, e um ritmo marcante.

Agora voltemos ao morro. Pelo que me lembro o funk era criticado por não ter uma música complexa e por suas letras de conotação sexual. No que ele difere mesmo do seu primo rico? Porque insistimos em louvar uma manifestação cultural estrangeira, bem localizada no ‘main-stream’ da indústria musical que tem por característica as mesmas marcas do estilo mais demonizado pelos ‘intelectuais’ do Brasil?

Algum tempo atrás li uma frase de um famoso produtor musical e ótimo guitarrista de jazz que afirmava ter criticado por muito tempo as musicas ditas ‘do povão’, mas com o tempo percebeu que se shows deste estilo conseguem levar mais de cem mil pessoas a um estádio é porque há algo ali que agrada outros seres humanos.

Se de fato o objetivo dos bailes funks é o sexo, as músicas de James Brown parecem funcionar na mesma lógica (não é a toa que volte-e-meia as festas de casamento tocam músicas como esta em questão e ‘YMCA’ do Village People).

Volto a indagar então o por quê do preconceito? Não digo que devemos admirar, chegar em casa e escutar este tipo de música, afinal cada um ouve o que gosta (ou o que a sociedade te fez gostar - só pra provocar um pouquinho os que se acham indivíduos descolados de um contexto sócio-cultural-) mas afirmo que este tipo de critica já é pessimamente construída é mostra o quanto prezamos por tudo o que é importado, pasteurizado e dado como bom pelas grandes meios de comunicação.

Em defesa do autor, ele afirma que de fato há vários músicos de qualidade que saíram da favela e de morros e cita alguns, ironicamente estes citados são pessoas que foram absorvidas pela industria musical brasileira. Mas ele falha de modo decisivo ao não perceber que há um contingente imenso da população que tem nesses funks elementos constitutivos do seu dia-a-dia, e que as musicas ou os bailes de fato transmitem alguma coisa para elas (nem que seja esperma – brincadeira, perco a linha de raciocínio mas não perco a piada). Seu caráter independente e tecnicamente tosco serve apenas para mostrar a o quão heróico e socialmente necessário e o funk, afinal ele não precisou ser produzido em estúdios caríssimos nem pasteurizado pelas mixagem que igualam todas as musicas para se tornar um sucesso.

E se o nome pegou é por que semelhança há. Faço minhas as palavras deMichael Moore ao presidente Bush, para o autor desta reportagem “Shame on you F.S., shame on you”.

5 comentários:

Aline Stéfanie disse...

Po, Thiago...


Um dos melhores que já li!


Aproveito pra dizer que o funk carioca está ultrapassando os limites da favela, com Helo Quebra-Mansão...

(http://www.youtube.com/watch?v=PAoKGRvzVXo)

Mas, eu ainda prefiro a tati quebra barraco.

hahahahahah

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Então, achei super legal esse post...
É verdade que a música se divide em diversos estilos e que talvez isso sugira até um falso respeito à diversidade musical.
Isso dá um belo artigo, eu se fosse você aproveitava! Dá até pra traçar um paralelo com as antigas teorias sociológicas que usaram no Brasil por muito tempo a diversidade cultural e étnica para mascarar uma democracia racial inexistente. Na música também acontece isso: há uma grande diversidade de estilos, mas existem estilos que são sempre alvos em massa de críticas e, como todos criticam a mesma produção(normalmente marginal), finge-se que não existe o preconceito musical.

Adorei, mesmo!

=)

Carlos Pegurski disse...

Concordo com a Aline. Você pode usar o etnocentrismo invertido como argumento antropolóligo-sociológico.
Além disso, pense na Bossa Nova, na Jovem Guarda, no samba de estúdio, no baião que tem força de chegar aqui: açgum deles tem profundidade? Não. São pasteis. E são o rosto do país.
E outra: que compromisso o fanque tem de ser denso/conconteúdo? Nenhum. Não gosta? Problema seu. Compra um cedê leblonista. Né?
Ah, adorei a parte do esperma. Bem sua cara.

Anônimo disse...

Bom, eu gosto de 'quase'todo tipo de música e é fato que a sociedade impõe até isso, dita 'regras musicais'... inevitável!
Mas, ainda prefiro acreditar que esse preconceito está diminuindo.
Otimista eu, não?!rs.

Beijo.
das.ins.zip.net

César disse...

Ta aí o Thiago, relativizando os dogmas da industria cultural.

Só achei curioso a palavra 'chacoalhar'. Aposto que essa foi sua vó quem sugeriu!

Leonardo la Janz disse...

Thiago!

O texto ficou muito bom mesmo, kara - digo, além de bem escrito, muito bem estruturado no que se refere a sua crítica. De fato, não há como negar a existência de um amplo preconceito musical no Brasil (que não é de hoje) o qual, infelizmente, não se resume a esta área cultura em particular.

Tua colocação no que tange ao "main-stream" é deveras apropriada, pois que, sem dúvida nenhuma, o 'elitismo' cultural brasileiro permeia todas as esferas do nosso 'cocotidiano'; o que é algo lastimável, porém, compreensível.

Na medida em que, como dizem os 'mais velhos' o Brasil nunca foi mais do que um 'macaquinho dos EUA', não há com o que nos espantarmos - haja visto a validade da metáfora ainda para os dias de hoje.

Como dizem muito estudiosos por aí, o maior problema do Brasil é justamente o 'povo brasileiro' que, na falta de uma identidade própria, sempre tende a buscar e imitar modelos estrangeiros sem qualquer valor legítimo para sua própria brasilidade.

Abção, Léojanz.