sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Crônica do xerox perdido

Para quem não teve a oportunidade de conhecer o xerox da Reitoria da UFPR, vai uma pequena descrição. Situado entre um estacionamento e o falecido Mercadorama da rua Amintas de Barros, é uma salinha para dentro de um paredão. Espaço pequeno e modesto, tem um balcão que divide o lado de quem pede as coisas do lado de quem atende pelas coisas pedidas, sendo que o primeiro é uma parte apertada e a segunda é uma parte um pouco menos apertada. Em suma, de um lado alunos e do outro funcionários e as pastas. Sim, as pastas, essas coisas onde os professores lotam de coisas para serem lidas – motivo, afinal, pelo qual vão os alunos até o xerox.

Para poupar o leitor de entediosa descrição pormenorizada do sistema operacional do xerox e sua participação no lucrativo submundo da educação universitária, bem como economizar nas adjetivações subjetivas, completo a introdução apenas a título de maior entendimento dizendo que a coisa se processa de modo simples: o aluno informa ao funcionário o número da pasta, o funcionário traz a pasta, o aluno analisa o que quer copiar, e assim também o pede ao funcionário. Mui simples, não fosse horário do rush.

Sim, rush, atropelo, engavetamento de pessoas no xerox. Geralmente no intervalo dos períodos, almoço e janta. E lá estava eu, a espera do meu lugar ao balcão, tentando fazer minhas cópias. Pela espera ser longa, me entreguei a observação.

Na minha frente havia um grupo de risonhas pedagogas – que com o perdão da observação, só fazem rir -, um casal alternativo, uns professores e seus pupilos, e alguns alunos indistintos quanto ao curso, estilo ou status maior. Seja como for, minha vez de ser atendido ainda ia longe.

Por um momento esqueci o que ia pedir, até que as risonhas pedagogas entre relinchadas – não por ofensa animal, apenas semelhança sonora – comentaram qualquer coisa sobre política educacional. Um estalo sugerido veio na cabeça: Marx!. Sim, um texto sobre teoria marxista era o meu objetivo. Não que eu goste, mas são ossos do ofício acadêmico. 'Marxismo induz a preguiça mental', não sei quem disse isso não sei quando, mas pareceu música aos meus ouvidos e culpei ele por toda minha preguiça presente e futura.

As pedagogas se vão, é a vez do casal alternativo alcançar o balcão. Por alternativo é difícil lançar um conceito, pois no setor acadêmico de humanas o alternativo é o comum e o comum é alternativo. Seja como for, de vista e fuxicos anteriores sabia eu se tratar de um casal todo 'ista'. Marxista, leninista, anarquista, comunista, socialista, ou um outro 'ista' qualquer de afinidades revolucionárias de cor esquerda; confesso que pouco sei sobre esses 'istas', mas não me importo pois quem se diz 'ista' geralmente também não sabe muito e cai em contradição. Acharia bonito a troca de carícias entre os dois não fosse o eco do bravejar, deles, sobre as instituições machistas, controladoras e opressivas de nossa sociedade capitalista – cruzes!. Mas fato é que até os istas precisam de um amor para chamar de seu.

Eles se vão, e agora dois professores e seus alunos são as bolas da vez. Intelectualidade instituída formalmente via organização social, em suma, ser professor, tem duas prerrogativas: uma é ser frustrado nos relacionamentos afetivos, e a outra é ter público ad aeternum para rir de suas piadas. Deduzo por simples observação empírica: professores raros são os que usam anéis de noivado ou casamento, e raros são aqueles que diante de uma piada boba não tenha seu Bira do Jô Soares de prontidão.

Seja como for, foram embora também, os professores à frente e os pupilos pendurados atrás rindo tanto quanto as pedagogas. Quase alcançando o balcão só espero a massa de alunos indistintos pegarem o que querem e irem embora. Como estou quase na ponta da fila, muita gente se aglomera atrás. Se eu fosse gaúcho uma piada caberia, mas como não sou, nada cabe – o que dá pano para outra piada.

Os alunos indistintos vão embora, chego até ao balcão. Pasta 495, por favor. O funcionário com a vontade que merecidamente não tem, olha lenta e vagarosamente a prateleira de pastas. Nada. Busca na outra prateleira. Nada. Resolve checar se por a caso a pasta 495 não estaria jogada por cima, sinal de que a pouco alguém a tinha usado. Aí ele a achou; pousada numa parte do balcão distante de onde eu estava, estava a pasta 495. O funcionário, repito que com a vontade que merecidamente não tem, aponta para ela e dá os ombros. Te vira, imagino que ele tenha dito em pensamento. Por sorte, um outro funcionário, esse sim deveras prestativo, me alcançou a pasta 495. Cabia até uma música de fundo no melhor estilo Rocky.

Um vento bateu, e trouxe um perfume. Morango, cereja, amoras. Talvez, não sei. Devia ser de alguma frutinha vermelha simpática tamanho era o prazer olfativo causado. Do meu lado chega uma mulher. Não dava 30 anos para ela. Pele alva, rosto com umas sardas cheias de graça, cabelo liso e preto. Olhos não vi, pois como sabe o leitor, em Curitiba é atentado ao pudor encarar nos olhos alguém tão próximo quanto ela estava de mim.

O cheiro bom era dela, mas emulava alguma frutinha vermelha muito da simpática. A mulher carregava algumas partituras; ignorante que sou em música, só pude notar a beleza que é uma página cheia daquelas notas musicais em longas linhas que se sucedem por todo o espaço em branco. No canto superior direito, um nome de italiano; imagino que o autor. No centro, também no alto, um nome que não recordo, pois minha atenção ficou toda numa frase logo abaixo: Moderato Affettuoso. Não sei o que é, mas é um treco bonito de se ler quando eu nariz é tomado por um perfume de frutinhas vermelhas simpáticas.

Volto para meu mundo e dou a devida atenção à cópia que preciso fazer. Procuro entre as folhas grampeadas da pasta 495, mas nada. Ou o material ainda não chegou, ou algum aluno roubou – outra tragicômica picardia do mundo acadêmico.

Teria sido tudo mui simples e esse texto acabaria no quarto parágrafo, não fosse o horário do rush.

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Peças que a vida nos prega

Boa notícia: após o crítico período de ócio salutar causado por um agente virótico produzido pela ala neomaltuziana da indústria biofarmacêutica [e após o clamor desesperado de pais e/ou responsáveis], os colégios deste planeta voltaram à ativa. Que alegria! Uma leva pandêmica de nanosseres cuja safra data da última década desafiou o luto de um ano recomendado pela ONU em virtude do falecimento de Michael Jackson e desde esta segunda-feira, 17/08/09, renlouquece inspetores de todo o globo.
As aulas na Universidade onde estou matriculado e eventualmente estudo só voltam no dia 24. E eu, bom irmão que sou, decidi buscar meu adorável calo consangüíneo que atende por Vitória na saída do colégio. Cheguei cedo e sentei num murinho em frente ao colégio, conforme recomendam a prudência e a preguiça. Garoava um pouco. Fazia algum frio. Vadiava brisa. O dia cheirava a normal. E, estando a admirar as calças de uma moça simpática que passava do outro lado da rua, para um carro em minha frente. O motorista me pergunta:
– Sabe onde tem uma autelétrica que recondicione alternador?
Fingi pensar. Franzi a testa. Fiz cara de quem não conhece a região e me desculpei.
– Por aqui eu não sei, cara. Fico te devendo.
Me senti um piá de prédio. Afinal, sou um piá de prédio. E o que é que um piá de prédio vai saber sobre conserto de carro? A geração toddynho foi criada pra ter um carro e ouvir tuche num posto sábado à noite. Nunca ouvi falar de propaganda de problemas autelétricos. E minha formação acadêmica maneja palavras, não porcas e parafusos. Comunicação não dá conta dessas coisas excessivamente tangíveis. Não sei o que um alternador alterna nem sabia que ele era condicionado.
Aliás, adendo: embora o nome do curso que faço na Universidade seja Comunicação Institucional, alunos e professores anulam este adjetivo. Todos sabemos que o Comandante Chávez vai mandar no mundo, expandir o Mar Vermelho, elevar a boina per capita e rir do Mercado. Logo, fazemos Comunicação lato sensu [porque alguém terá que se dizer democrático e achar o Bolivar broder, de preferência em rede nacional]. Na real mesmo, trata-se de um laboratório para o Discurso Bolivariano.
Nisso saiu minha irmã em meio a uma manada de filhotes. O que eu tava fazendo ali, que eu levasse a mala dela, a aula foi boa, a de português melhor, tinha a professora grávida faltou de novo, pegou um livro na biblioteca...
E nada como a ladainha infantil para blindar o ouvido, centrar a mente, resgatar o adendo e nos remeter a pensamentos metafísicos: eu havia me comunicado com alguém de outra espécie! Por necessidade de sobrevida da tecnologia – em última análise, humana – eu fui interpelado por um primo, duma espécie próxima, e consegui me comunicar com razoável sucesso! Muito bem: eu fiz contato com um legítimo homo graxeirus. Em carne e osso. Que fantástico. Que exótico. Pensei de imediato no blogue: vou registrar esse momento histórico e o cocotidiano aparecerá na wikipédia. Vamos bombar no “Hoje” do Live Messenger. E mais. Daqui a cem anos, nas Universidades [então Universidades Nacionalistas Independentes de Formação Bolivariana], a juventude engajada e revolucionária estudará fósseis de capitalistas em escalas antropométricas e lerá este relato etnográfico de vanguarda que vos penetra durante uma aula de paleontologia bolivariana. Então o camarada professor falará de alguns grupos humanos extintos ao longo do séxulo XXI, sumidos junto à tecnologia de fetiche: o homo graxeirus, o homo consumus, o homo egoicus...
Chegando à esquina, o senso de cuidado para atravessar a rua estourou a bolha hipotético-imaginativa-pseudofilosófica-semionírica. Minha irmã ainda estava ligada. Falava de uma briga entre coleguinhas. Bons tempos esses em que a gente brigava por mesquinharias sem valor de troca...
E paramos antes do meio-fio, frente à faixa de pedestre. Primeiro a máquina.

terça-feira, 11 de agosto de 2009

Ciência pura, comportamento sexual nem tanto




Como os leitores devem saber, descobriu-se que o comportamento sexual dos indivíduos da espécie humana são determinados por um alelo em um cromossomo de certo gen. A comunidade científica mundial esteve em festa nos últimos dias, finalmente as ciências exatas puderam demonstrar suas teorias e rechaçar de vez a idéia de que o meio social influencie os comportamentos sexuais humanos (e das cachorras também).



Divulgou-se na revista científica anglo-saxonica “The Truth”* que os hetero-orientados caracterizam-se pela presença do agente químico “metil-certil” no gen especifico da reprodução, enquanto os homo-orientados caracterizam-se pelo “dil-metil”, os bissexuais pelo “bucetil-metil” e assim por diante.


Alguns grandes intelectuais deram seu parecer sobre a nova descoberta: O antropólogo Levyu-Tudo (um ícone do pensamento estruturalizante-estruturador) afirmou que cada agrupamento social produz uma verdade que define padrões pré-estabelecidos de linguagem, que por sua vez acabam em dar em nada, bem como em tudo, produzindo assim a sociedade atual-contemporanea-apocalitpica-pos-moderna. Ao termino de sua entrevista vários dos repórteres ali presentes converteram-se ao dadaísmo epistemológico, rasgaram as roupas e foram morar no mato, com o grupo indígena mantido pela USP.



O sociólogo Roberto Henrique Justus, em uma analise mui esclarecedora ponderou que nada se cria na vida, muito menos filho boiola. E que se há um grande culpado nessa história toda é a demonização de algum estilo de vida que deu-se ao longo da história por medo do desconhecido. Dentre os principais vilões da história o sociólogo citou a igreja católica, o vaticano, o papa, a Disney, a ditadura militar, os opositores da ditadura militar, os judeus, os turcos, e o PT.


Do outro lado o biólogo alemão, homo-orientado, Chucrutz Sanchez, defendeu a descoberta como um pequeno passo para um homem, mas um sapato de salto para os outros, explicando que agora poder-se-á** produzir fetos e similares in vitro, possibilitando que os mais tímidos também tenham sua chance de repassar seus gens para as próximas gerações.

O tão esperado posicionamento do papa deu-se ontem pela manhã. Ele retomou vários pontos da história para reafirmar a infabilidade papal, e concluiu em sete idiomas diferentes: “tudo isso é uma incógnita! A vida, ah a vida, ninguém sabe nada da vida.”

Enfim nota-se claramente como não há consenso entre os diferentes setores da sociedade, mas todos voltaram a discutir a velha oposição individuo x sociedade, instinto x costume, cultura x palmeiras. Essa notícia serve apenas para demonstrar como uma descoberta pode reabrir velhas feridas.

Em nota de última hora, foi demonstrado que os pedófilos tem um desvio no gen IN-fantil-comil, e que não podem fazer para suprimir esse comportamento. Com isso militantes dos PSDB (Pedófilos Simpatizantes De Bebes) sairam as ruas pedindo a soltura dos presos por esse crime. O papa não quis comentar, mas vários padres aplaudiram de pé.

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* Periódico científico europeu, titulo traduzido como ”A verdade, pura e simples e absoluta”
**Perdão pela mesoclise, parece-me errada.