Olho para a lista, e
depois de cebolas tem melão.
E eu escolhia um melão
quando tive a grande sacada da semana. Semana não, do mês mesmo –
e se nada melhor vier daqui em diante, do ano. A coisa piscou em
grandes letras dentro da minha testa: viver é como tentar escolher um
melão maduro.
E no duro, é isso
mesmo.
A gente pega aquele
troço que fica rolando nas mãos e você tem que tomar cuidado pra
não deixar cair e ferrar tudo. E você quer um melão bom, daqueles
suculentos e docinhos, que quando cortados inundam a cozinha com um
cheiro fresco. Mas, caramba, como é que você escolhe a porcaria dum
melão bom? Não dá pra sacar assim, de cara, não mesmo.
E a gente até tenta.
Aperta aqui, bate ali. Gira bem para ver todos os lados; não tem
manchas, nem batidas, nem buracos... e ainda assim não dá pra ter
ideia se por dentro o negócio tá bom ou não. E você fica lá,
igual paspalho, com aquele melão na mão, com cara de quem não tem
a mínima ideia do que tá fazendo.
Mas aí que tá o
segredo da coisa e que pouca gente ensina (esses sacanas
conspiradores!).
Bater, girar, apertar,
até dar uma cheiradinha de leve na casca: é tudo um faz de conta
cretino pra burro. O lance é você não dar a entender que tá ali
perdidinho com aquele treco nas mãos. Ainda mais quando tem gente
olhando. E sempre tem gente olhando o paspalho da vez na ingrata
tarefa de escolher o melão.
No auge do desespero,
quando se percebe que daquela casca amarela (podia ser verde-escuro,
se melão caipira, mas vá lá) a gente não vai tirar informação
de nada mesmo, surge a ideia. Ideia besta, mas na hora parece super
lógica.
- Oi. Viu, me ajuda
aqui? Sabe como escolher um melão maduro?
E aí a cretinice vai a
mil. Depende da pessoa, mas geralmente vai a mil, porque quase
ninguém admite que tá tão perdido quanto você. E vão bater,
girar, apertar, dar uma cheiradinha, e em tudo fazendo cara de um entendimento
profundo. Verdadeiros frutólogos.
- Pega esse daqui ó, esse tá bom.
Só porque sabem que
quando você abrir o melão e se decepcionar com aquela coisa insossa
e rígida, que te faz pensar num isopor orgânico, vão estar longe
de qualquer culpa, inalcançáveis para qualquer tipo de
responsabilidade.
As tias velhinhas são
as piores. Meteram na cabeça que seria uma vergonha sem-fim admitir que não
sabem escolher um melão (isso é sério, jamais confie nas tias velhinhas).
E o duro é que tem
melões que são ruins por safra mesmo, nem tem muito o que escolher.
Outros, é o mercado que fode com tudo – o mercado não cuida lá
muito bem dos melões nem de nada – e aí é escolher o menos pior
e se contentar.
Mas o triste mesmo é
que tem gente que nunca escolheu melão algum. Se bobear, nem sabe do
melão.
Aí alguém interrompeu
minha grande sacada. Acho que já eu tava ali há um bom tempo com
aquele melão em mãos e passava a impressão de um frutólogo
experiente, do tipo que dá entrevista na Globo e tudo.
- Oi, moço. Hein, sabe
me dizer qual melão tá bom?
Olho
para a pessoa. Sinto uma força incrível em mim, que começa em
desespero e termina com farsa. Respiro fundo, só pra já ir
alimentando as palavras, mas sinto o ego pegando umas beiradas. Empunho outra dessas bolas amarelas com
tanto sabor em potencial – ou não. Bato aqui, giro lá, aperto
mais pra frente, aproximo do nariz. Assumo ar profundamente
filosófico, mais frutólogo do que nunca fui.
- Esse daqui tá maduro, pode pegar.
(Baseado em uma história real, menos a parte das tias velhinhas; elas são as pessoas mais adoráveis que podemos encontrar num mercado e pedir informações sobre frutas e verduras).
Um comentário:
Nunca li um texto tão bom e sensato sobre melões... não que eu tenha lido muitos, mas esse está realmente muito bom! rsrs
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