Vejam que coisa: por mais que o pensamento social tente aos poucos se desfazer do olhar dicotômico que marcou os séculos XIX e XX (creio que a dialética seja o maior exemplo disso), em mim esse viés persiste. Em mim e numa carrada de gente.
Entre o 0 e o 1 existem infinitos valores. No entanto, o fato é que, a nível de síntese teórica, tende-se mais ao 0 ou ao 1. Ou minhas estruturas psíquicas são anacrônicas, ou a realidade é de fato dialética. Ou ambos, sinteticamente.
Lembro que logo no primeiro semestre em que entrei em Ciências Sociais tivemos uma matéria chamada História das Revoluções. Ou algo assim. Lembro que o nome da professora era Judithe e que ela tinha idade para ser minha avó. Naquele semestre, lemos com ela apenas Revolução Francesa e Revolução Industrial. Por quê? Porque ela (embora cansada, ainda marxista) entendia que a primeira era responsável pela revolução ideológica que o mundo vive até os dias atuais, e a segunda pela revolução tecnológica que nos acompanha igualmente.
Apesar de ambas as revoluções serem fatos cujas gêneses remontem estruturalmente a fenômenos comuns, e embora as dicotomias sejam cada vez mais evitadas, como eu havia comentado, essa divisão epistemológica é analiticamente sensata. É preciso recortar o olhar, para otimizá-lo. É preciso até mesmo desenhar caricaturas, para melhor encontrar as características e causas determinantes do objeto de pesquisa. Como um primo meu me ensinou, “para arrumar um cubo mágico é necessário desarrumá-lo a partir de uma ordem prestabelecida e funcional”. Ou seja, a dicotomia é um logaritmo válido, na medida em que provisório, metodológico, distante da realidade factual. Ou resseja, ela não responde pelo mundo vivido.
Se pensarmos mais a fundo, todo o processo de aprendizagem e síntese que fazemos da realidade é organicamente metodológica. Afinal, a criança aprende sem saber que aprende, e aprende. Os animais aprendem sem saber que aprendem, e aprendem. Os povos ditos primitivos aprendem mesmo sem ter um sistema de formação de conhecimento formal, e aprendem. (Parêntese: se você não gosta da comparação entre criança, selvagem e animal, por mais razão que você tenha, isso não vem ao caso no momento. Logo, contenha-se). Sendo assim, nosso olhar perante a realidade – nossos julgamentos, nossos valores, nossos discursos, toda a mediação que fazemos entre o mundo pensado e o mundo vivido – passa por uma espécie de sistema orgânico de assimilação. Algo como um sistema operacional.
Enfim, pode ser que a tendência ao olhar dicotômico provenha justamente desse sistema natural e intrínseco, pelo qual não respondemos conscientemente. Por um lado, isso nos une à realidade, na medida em que nós próprios somos parte dela, dentre causas e efeitos, motivações e manifestações – deixamos de ser o protagonista e somos parte integrante do Todo. Por outro, nos afasta da realidade, na medida em que todo esse “sistema operacional” é virtualmente condicionado pelos determinantes culturais, definitivamente operantes.
E acabamos com uma dicotomia.
3 comentários:
não chamavam isso de estruturalismo (o do Levi-Strauss no caso)?
ou eu to mt enganado?
deixo pro cesar responder...
De acordo com as memórias daquelas manhãs sonolentas de aulas de antropologia, sim, isso tem algo de estruturalismo.
E vindo do Carlos, só podia ter mesmo. Ele nunca esqueceu o sexto andar e tá contando os dias pra voltar =)
Carlos e seu amor mal resolvido. =)
Postar um comentário