quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Lá iam as formiguinhas.


Não, isso não é uma daquelas historinhas de fundo moral.

No parque, domingo a tarde, uma longa fila de formigas atravessava o chão perto dos banquinhos. Um guri, naquela fase detestável dos ‘por ques’, ia testando a paciência de seus pais perguntando sobre as coisas mais aleatórias. “Por que os peixes não comem barro?”(sic!). Quando viu a fila dupla de formigas – uma carregava folhas e restos de comida que o pessoal que vinha ao parque deixava, e a outra fila, rente a primeira, iam as formigas em sentido contrário, indo buscar mais folhas e restos de comida – o guri se agachou com aquele entusiasmo curioso que se perde conforme vamos passando pela escola.

- O que é isso, mãe?
- Ué, isso é formiga filho.
- Por que elas tão assim?
- É o caminho que elas tem que fazer.
- Por que?
- Por que elas querem.
- E por que essa daqui ta fora da fila? – apontou para uma formiga que não ia em fila nenhuma.
- Ela se perdeu. Ta vendo aquela outra ali, ó? É a mãe dela preocupada e procurando por ela.
- Cadê o pai?
- Aaah, hoje é domingo, o pai-formiga não ta, ele foi passear.

(breve silêncio do guri, mas como é sabido, silêncio de criança só quer dizer que ela está prestes a aprontar alguma)

- Posso matar elas!?
- Ai, filho. Deixa disso. Elas não estão fazendo mal algum, além do que...
- Toma! Tap, tap, tap - mais ou menos esse o barulho das chineladas que o moleque deu.
- Ah, filho! Não precisava fazer isso.
- Hehehe, tap, tap, tap - chineladas de novo... criança é um treco maldoso.
- Olha lá! Ta vendo aquela formiga? É mãe também, e agora ta chorando por que você matou os filhos dela...

(surge no garoto uma expressão de espanto, seria remorso se ele soubesse o que é isso e se não fosse criança)

- Mãe... por que elas não se mexem mais?
- Você matou elas, estão mortas. Mó-rreu. Babau. Agora não tem mais jeito.
- Mas elas não vão embora?
- Não filho, você matou todas.

(o guri, quieto, ainda tentou empurrar as formigas mortas para ver se surtia algum efeito, quem sabe elas voltariam a andar, mas diante do fracasso desistiu de tentar de novo)

- Manheee... – todo choroso.
- O que foi filho?
- Quero ir embora...

Acho que esse vira militante do Greenpeace quando crescer, só para dar vazão ao arrependimento.

sábado, 3 de janeiro de 2009

Simpatia pra começar 2009 com tudo: como fas/

Primeira introdução babaca do ano, a ver pelo tiopês. Sobre a primeira introdução babaca do ano.

Respire fundo. Beba uma boa dose de coragem sem gelo. Repita cem vezes: “És um monstro, ó besta! Mereces o fim!” A passos determinados, vá para a frente do espelho. Encare o dinossauro cara-a-cara a no máximo 15 centímetros de distância. Ignore o mau cheiro – é apenas mofo, quem sabe um pouco de mau hálito. Provoque o cascudo até que ele rosne. Permita que ele babe e sue, até o vidro embaçar completamente.
Aproveite esse momento e espalhe maquiagem corretiva em toda superfície do crânio do animal. Você poderá sentir no ar, gradativamente, o hipotético aroma de menta! Sinta o frescor e a leveza da propaganda de Kolinos – água, jetesquis, garotas seminuas! Rapidamente, treine um semblante feliz e satisfeito.¹
Lembra da posição de Lótus, própria para relaxar, deixar o pensamento fluir e as energias positivas tomarem conta do seu eu? Esqueça. Ela é extremamente dolorida para os não-iniciados nas práticas ioguísticas. Ninguém que fuja de sua consciência agüenta a dor nas costas. Imagine-se, isso sim, sentado com as costas no sofá mole da sua avó vendo televisão num final de semana indolente, com a cabeça totalmente vazia – sugiro os Pequenos Talentos do Raul Gil.²
Feche os olhos. Saque um ral de cereja do bolso e espere as papilas gustativas entrarem em movimento harmônico. Desperte em sua mente uma música que lhe dê prazer. Sugiro a sonata para piano em ré maior K576, II Adágio, de Mozart. Se conhecer algum mantra tibetano, entoe. Eu, particularmente, aprecio o OM AH HUNG VAJRA GURU PADMA SIDDHI HUNG.³ Evite o transe, todavia.
Experimente! Você verá a diferença logo na primeira aplicação! É melhor que Activea. Expõe você a aquilo que habita no seu reflexo, é bem verdade. Mas fique tranqüilo: sua saúde retocologastrointestinal continuará no limiar da privacidade. Nada de vender seu “reloginho”.4

Feito esse ritual de purificação pessoal, você estará pronto para entrar no Ano Novo sem maculá-lo. Assim, já pode se preocupar com os rituais socialmente normatizados para o reveiom.
A urucubaca mais querida pelo senso comum é o significado das cores das roupas. Passar a virada5 de branco atrai paz. Amarelo traz dinheiro. Verde, esperança. Vermelho é a cor da paixão. Azul, do Cruzeiro. E assim por diante.
No campo da culinária, existem milhares de simpatias. Milhares de razões para milhões de pessoas prometerem ao Ano que chega que emagrecerão bilhões de quilos. Podemos citar o hábito de comer porco, porque fuça para frente, e lentilha, por crescer ao ser cozida – hábito realmente comum nessa época.
Enfim, poderíamos citar listas imensas de costumes e práticas que se perpetuam ao longo de décadas, ainda que a cultura de comunicação de massa, a globalização, o advento da tecnologia, os clichês subcríticos, o Tio Sam, a racionalidade e, convenhamos, o bom-senso ofereçam resistência. Trata-se de um fenômeno sociológico fantástico! É formidável observar como as relações matrilineares de poder no seio familiar estabelecem as mães, tias, as avós e as tias-avós como detentoras do sistema de condução desses ritos coletivos de passagem!6
Longe de esgotar o tema7, espero ter contribuído, ainda que a posteriori, para um começo de ano alto astral!
Em tempo, faço votos de que uma das metas do leitor para 2009 seja a fidelidade ao Cocotidiano.



¹Sabe aquela Kolinos amarela?
²Longe de considerar o baluarte dos cholmens domingueiros ou os novos expoentes da Música Popular Brasileira desinteressantes.
³Existem duas interpretações correntes. Em uma delas, o mantra significa: “Possamos nós receber a transmissão completa das bênçãos do corpo, da palavra e do espírito do Mestre de Diamante!”.
4Espero que sirva de consolo.
5...
6Sociológico, eu disse.
7Um dos clichês de predileção.