domingo, 30 de setembro de 2012

Jesus e Adam Smith


A apropriação e transformação que o mundo moderno faz do cristianismo sempre me surpreende. É bem claro que a mensagem de Jesus pretendia ser atemporal e com um caráter que transcendesse a política, os judeus esperavam um messias que os libertassem do julgo dos romanos, Jesus oferecia uma mensagem que pretendia libertar o espírito. Talvez possamos resumir a mensagem de Cristo (como Paulo faz no final do famosíssimo texto de Coríntios 13) em fé, esperança e amor. Simples e objetivo. Mas será que existe uma mensagem que possa existir descolada de um contexto?

Fato é que ao longo da história utilizaram esta mensagem para cometer todo o tipo de atrocidade, não preciso entrar em detalhes. De repente estamos no século XXI onde impera uma ideologia capitalista, democrática e individualista (talvez até egoísta) e novamente a mensagem é reinterpretada. Os mistérios de Deus incompreensíveis aos homens agora são vendidos pela televisão, toda a hierarquia religiosa que Jesus derrubou ao afirmar ser o único caminho para Deus se remodelou e ganhou um caráter profissional e acadêmico e, via de regra, muito bem remunerado.

Em qualquer igreja que se frequente é comum ouvir pessoas afirmando terem esta ou aquela revelação por parte de Deus, em geral para a vida de uma outra pessoa. Antropomorfiza-se Deus e convencem o povo de que quem está lá na frente com um microfone é de fato um mensageiro dEle, principalmente se este profeta tiver o dom da oratória, da retórica. E uma vez que um número de fieis se convence disto vemos o surgimento de alguém com um privilégio de comunicação com Deus e que, portanto, pode dar pitaco na vida dos membros.

A lógica mercadológica capitalista provou-se novamente muito sagaz e apropriou-se do discurso cristão para legitimar o capitalismo e novas práticas religiosas. Claro que, o capitalismo não existe como um ser, mas sim através das pessoas que interiorizam este discurso. E a partir daí não há limites para a transformação da mensagem, a 'benção' virou moeda de troca, que virá para você se você trabalhar bastante, pagar seus impostos, dar o dízimo e ser obediente. Assim você será bem sucedido, afinal o que Jesus disse sobre vencer o mundo poderia ser um vencer NO mundo, principalmente o do trabalho.

Passa-se 8 ou mais horas por dia trabalhando gerando lucro para alguém, 8 ou mais horas dormindo, uma parcela de tempo cuidando do próprio corpo, estudando, e tentado vencer na vida, mas com a certeza de que esta é EXATAMENTE A VONTADE DE DEUS, e que estamos transformando o mundo num lugar melhor.

Aí esta nosso novo cristianismo pequeno burguês, seja ele vestido de um academicismo para as classes alta e média, seja ele com pinceladas de misticismo para as classes baixas, colocando pastores, padres, bispos, apóstolos como um caminho para alcançar a Deus e entender a si mesmo, revestindo-se de um discurso de um outrem para dar vazão a seus sentimentos, sem sequer procurar na Bíblia se o que dizem estar lá escrito realmente está.

Temos então um nova interpretação do cristianismo para cometer um novo tipo de atrocidade, o individualismo. Devemos ser bem sucedidos na vida para poder ajudar nossos irmãos e só eles. Devemos nos afastar do mundo, afinal isto que Jesus fazia de andar com o povo, prostitutas, cobradores de impostos e toda a parte considerada baixa da sociedade da época esta fora de moda. Infelizmente me parece ser mais fácil ser um cristão fora da igreja do que dentro de alguma.

terça-feira, 4 de setembro de 2012

Enigma

Ela incomoda. Vê-la incomoda. Não é lá muito falante - não é do tipo que gera desconforto. A bem da verdade é que, se tem algo que incomoda nela, é o fato de ser quase irrepreensível. A sua discrição é irritante, sem dúvida. Mas por quê?

Ela se veste de forma esquisita, convenhamos. Usa umas roupas de outra década que a faz no mínimo singular. Acho legal quem veste brechó, mas ela abusa. Montada demais. Isso é. Mas isso não é um defeito, por outro lado. Não é um ponto negativo, desses pessoais, dessas coisas que formam a índole de uma pessoa. Ela quer fazer crer que o traje é sempre casual, quando é bastante calculado. Mas e daí? Não justifica o mal estar que ela provoca. Eu no fundo nem a imagino diferente.

Creio que esteja mais no formato do rosto. Ou nas expressões, sabe? Porque quando ela sorri, fica uma covinha um tanto displicente no rosto. Não é feio, ao contrário, mas chama a atenção. As pessoas olham. Eu me sinto um pouco invadido com isso. E eu não sei se ela faz de propósito: se ela apenas ri ou se ela ri para os outros. Porque se for para os outros, ah, se for para os outros então o buraco é mais embaixo. É. Não que ela me deva algo, imagine, mas já pensou? Pros outros? Não se faz.

Eu não sei o que dizer pra ela. Que ela me incomoda. Como assim? Digo: você me incomoda? Não se diz. Pensei em me afastar, mas não é assim que se resolve. Mas resolve não é o termo, porque resolver remete a um problema. Não é um problema. Temos nossas diferenças, acho, e é normal, não é? É um enigma, digamos. Ela é um enigma. Fica assim. Ela é um enigma.

(Fica assim enquanto eu fugir da palavra amor...)