quinta-feira, 28 de abril de 2011

Salsicha enlatada

Eles eram um grupo de jovens da Igreja Luterana em viagem pelo Brasil. Na verdade, formavam um coral de música gospel, e por isso estavam na cidade – uma porção de apresentações aqui e ali.

Tudo muito corriqueiro não fosse o detalhe de serem norte-americanos.

Fala aqui, convida ali, cobra um favorzinho de lá, e puft: os americanos visitariam a nossa universidade. Mais especificamente, a nossa turma de Língua Inglesa é que seria a agraciada.

Tudo didaticamente orientado, claro, pela professora; seria uma aula interativa para que treinássemos conversação com os nativos e coisa e tal.

O primeiro nó veio aí: nativos. Até hoje só ouvi essa palavra com um velado tom pejorativo. Os índios brasileiros são nativos, alguma cultura tribal africana é feita por nativos, aqueles povos sem-fim da Melanésia são nativos .

Mas os yankees, eles, logo eles, são em algum ponto nativos? Enfim, o primeiro de outros nós antropológicos.

O segundo nó, não meu, veio com a fantasia em cima de nossos vizinhos distantes. As garotas suspiraram em imaginações que iam longe. Devaneios sobre a harmonia e beleza nórdica.

Seriam do tipo Zac Efron para os moderninhos, ou à la George Clooney para os clássicos – para redimir eventuais suspeitas sobre minhas preferências, cito que precisei pesquisar como se escreve Zac Efron já que não fazia parte do meu universo simbólico-cognitivo.

Quando os americanos chegaram, as garotas notaram, desapontadas, que são gente como a gente. Não fosse o idioma, passariam despercebidos na fila do supermercado.

Mas o terceiro nó, o grande, dado notavelmente em mim, foi durante a dita conversação com o nativo. A dinâmica era em pequenos grupos; um americano por grupo, fazendo perguntas diretas para os alunos. Em inglês, obviamente.

Lá pelas tantas, ele me pergunta meu estilo musical preferido. Eu, tirando da ponta da língua, digo cheio de mim que adoro o rock dos anos 60. O nativo norte-americano exclamou animado – Oh, yeah! – e disse adorar também o rock dos anos 60.

Em segundos veio o clique. E fiquei deprimido. Céus, como sou colonizado! Quando falei do rock dos anos 60, a comunicação teve completo sucesso sem que eu precisasse dizer qual era o rock da década de 60. Estava dado que só existia um, e o yankee entendeu ser o seu rock dos anos 60.

Foi, de fato, como se só existisse um rock-dos-anos-60: o estadunidense. Pior: na minha cabeça uma potencial distinção nem sequer chegou a insinuar-se. Na minha cabeça, quando disse o que disse, o rock anos 60 era um só, e em completa sintonia com a cabeça do norte-americano. Sinonímia de aculturado.

O fato de eu ser brasileiro, e cá ter tido um rock na década de 60, passou longe de ter qualquer relevância quando eu disse gostar do rock anos 60.

Não sou do tipo purista que propala neuróticas acusações contra as misturas e influências culturais, porém, fiquei com um incômodo eco.

Colonizado, dito bem baixinho, suave, mas grafado em itálico, repetido na consciência.

Ou, como diria minha professora de Português: "Não se iluda! Você é uma salsicha enlatada!"

O sentido da frase é confuso, polissêmico, cheio da verve marxista da dita professora, mas sinto que deve aplicar-se a esse caso.