segunda-feira, 3 de maio de 2010

Apontamentos antropológicos: o agroboy

Pelas contingências da vida - e certamente por algo relacionado às periódicas visitas a meus pais numa cidade interioranamente bucólica - acabei tendo várias oportunidades para observar antropologicamente uma complexa, dinâmica e complicada figura cultural chamada agroboy.

Bem, e o que é o agroboy? Para quem não está familiarizado com o cenário de pastos no horizonte, carroças que cruzam a cidade puxadas com força animal e quero-queros audíveis no fim de uma tarde, digamos que se o playboy é o filhinho de um papai médico, advogado ou empresário, o agroboy é o filhinho de um papai agricultor muito bem sucedido. Aqui pros lados do Norte do Paraná, ele é a típica prole da terra vermelha com a soja.

O agroboy é aquele sujeito que não quer o carrinho arredondado europeu, quer a camionete barulhenta das pradarias norte-americanas – é, bem aquela que corre ao lado de cavalos selvagens. Não se veste como a juventude utópica das novelas da Globo, mas sim como um cowboy saído diretamente de algum saloon que não existe senão enquanto representação de uma vontade coletiva; o agroboy usa as calças apertadas feito embalagem de café, cinto com uma fivela do tamanho da tampa de margarina, e suas camisas sempre deixam à mostra o peito – com ou sem cabelo... vale notar essa variável.

(Alias, procurando uma foto para este texto, descobri que o agroboy já esta sendo incorporado como um 'novo movimento cultural mundial'. Acredite se puder.)

A verdade é, e realidade foi, que fiquei arrependido por um ingresso já pago para um tal de Batidão Universitário – as vezes o bom senso da gente sofre umas recaídas e nos mete em cada situação... – e só por isso saiu a analise aqui transcrita. Como uma luz no fim do túnel, as capengas aulas de antropologia ofereceram um alento contra meu desespero. E tudo se encaixava para isso uma vez que o estranhamento - visual, auditivo e social - foi completo durante o tal do Batidão, e pude então ver o agroboy e logo em seu habitat social típico: uma festa de música sertaneja regada a álcool.

Mas, oras bolas, de onde surgiu o agroboy? E essa bizonhice – com o perdão da subjetividade exposta – chamada Batidão Universitário?

A cultura enquanto um quadro amplo nos lembra a máxima de Lavoisier: nada se perde, tudo se transforma. Assim, o agroboy é como o ponto intermediário da passagem do mundo rural ao mundo urbano. Ele incorpora as novidades mas sem abrir mão de certos resíduos e reminiscências. Ele é o mix pós-moderno da cultura de massas, consumismo, ensino superior, urbanidade e agropecuária. Cultura é mesmo um treco multiforme - ou seria, nesse caso, disforme?.

(Para quem se perguntou por que do Universitário, vale lembrar que tudo que carrega essa palavra passa as ser extremamente legítimo. Forró, funk, sertanejo ou sabe-se-la-mais-o-que, são coisas aceitas desde que venham com o universitário como adjetivo condicionante, e sem ele, seriam coisas bregas, toscas, sem noção, etecétara e tal)

Olhando para o agroboy como essa figura mixada, entendemos também o Batidão Universitário posto que o segundo só existe por causa do primeiro – enquanto origem e enquanto destino da demanda satisfeita – e também é um mix surreal. Pois no Batidão – aquelas longas, tortuosas, lentas e sofridas 4 horas de trabalho de campo – a viola e a cerveja se fundem com as batidas eletrônicas e o ecstasy. É a mistura (in)sensata de duas vontades: a de não largar o osso da tradição do campo, mas incorporando o que é moda na cidade. Em miúdos: mistura de música sertaneja intercalada com batidas eletrônicas – sim, isso existe, e gera a curiosa figura de um comboy que escarra no chão displicentemente e, em seguida, está se requebrando todo num tunts-tunts­ frenético, fazendo parte inclusive daquela multidão enchapelada que compartilha de um frisson quase ritualístico.

Enfim... depois de tão pífia análise, encerro o tormento do leitor com a lembrança do texto em que o Thiago certa vez aqui postou discutindo para que servia Ciências Sociais e concluindo serem elas um belo hobby.

Eu assino embaixo e emendo: hobby principalmente para situações adversas como um evento suspeitíssimo chamado Batidão Universitário tomado por agroboys.