sexta-feira, 12 de junho de 2009

Os pupilos do senhor reitor

Como sabem – afinal, quem lê nossa bodega na certa o faz por proximidade pessoal, e não por hedonismo literário –, estive matriculado em Ciências Sociais na UFPR de 2006 até a metade de 2008. Tinha aulas nos prédios da Reitoria e fazia laboratório sobre a sociabilidade urbana no pátio entre os prédios durante as idas e vindas regadas a cafeína.
Confesso que não fui o mais aplicado dos acadêmicos. Nem o segundo melhor. Sequer o terceiro. O que tem seu lado bom: o último serei o primeiro. Mas, além desse recurso retórico, e não obstante eu fuja do estereótipo bicho-grilo-maconheiro-com-tempo-de-ler-teóricos-anacrônicos-e-ver-a-banda-passar-no-pátio-da-reitoria e não conheça com profundidade muitas respostas a algumas questões que eu mesmo nutro, tive algum aprendizado que não sai de mim não sai de mim não sai. Assim como quem ouve Chico Buarque e Tom Jobim não apenas aprende a cantá-los, mas conhece Chico Buarque e Tom Jobim – ganha consistência.
Senão as amizades singulares que me sustentam generosamente nos caminhos que escolhi, mesmo que distantes desse pátio, a melhor parte desses poucos anos em que fiz Ciências Sociais são algumas certezas que trago comigo. O acesso ao pensamento científico-formal trouxe alguns nortes que eu não encontraria no círculo doméstico, religioso ou profissional. São portas específicas.
Entre elas, o fato de eu olhar criticamente para tudo e todos. Olhos de julgamento analítico. Olhos ora compreensivos, ora rotulantes. Algo pouco cristão, é verdade, mas desvendar(-se) exige uma coragem, um distanciamento e uma doação perene – mais que dez por cento dos esforços, mais que um horário marcado com o êxtase do encontro íntimo. O filem acadêmico não dá conta de todas as demandas do ser humano, mas abre-nos os olhos para algumas maravilhas e alguns horrores da sua manifestação.
Não se trata de divinizar a Ciência. Afinal, como ilustração, há teorias que sustentam a superioridade de uma etnia perante as demais. A questão é outra, quase oposta: se há na Ciência um ranço positivista de culto à razão (ou a sofismas), há também uma dimensão de liberdade. Um espectro lúdico ronda os bastidores da Ciência; um espírito onírico, de quem não dá conta e sequer reconhece, existe por ela.
Não precisamos ir longe. A arte ama a Ciência. O pensamento científico ainda representa, em alguns aspectos, a libertação de uma criatura subjugada pelo seu Criador – ela toma as rédeas do mundo do saber e torna-se produtor de conhecimento. A arte é justamente a licença poética que a Ciência precisa para ser plena.
Em termos objetivos, julgo que a Ciência seja um fenômeno inédito na história da humanidade. Num recorte milenar, nenhum outro advento gerou tamanho impacto no direcionamento da História. Afinal, é graças à Ciência que o fogo hoje é vendido praticamente em caixinhas e uma parte considerável da humanidade dispõe de meios de transporte impensáveis há alguns séculos. E o bojo ideológico parece-me ainda mais pontual. Onde pulsa a Ciência? Na academia, é claro! É lá que residem os matizes de humanismo que a Ciência gera por resíduo, por antítese, por resistência, por capricho. É lá que se afirma quem é mais importante. É lá que o ator social veste-se autenticamente e usa as cores que lhe convém com liberdade. É lá que o homem científico sente-se em casa. É lá que pulsam as regras do jogo dessa Ciência passional. É lá que o homem é inteiro.
Quem diria: o pátio da Reitoria faz bem para a auto-estima da humanidade.