segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

Médicos e Gnomos (ou 'Geneticmente Psicossomático)


         De casa para a padaria, da padaria para o trabalho, do trabalho para o restaurante e de volta para o trabalho, às vezes do trabalho pro happy hour, mas na maioria dos dias do trabalho pra casa. Sempre de carro, é claro. Essa foi a rotina de Edmilson durante alguns anos antes de ele perceber que havia perdido a capacidade de andar.  Quando  uma reunião emergencial de domingo de manhã havia sido cancelada e ele resolveu dar uma volta no parque que ficava ao lado do mega complexo  predial da sua empresa, tentou andar mas não conseguiu. Não sentia dor e não viu nada de errado com as pernas, era como se fosse um daqueles sonhos em que tentamos correr mas não conseguimos.

              A partir daí (e não me pergunte como foi que ele conseguiu sair do parque) sua vida entrou em dias tenebrosos, foi um correria de médicos fazendo exames e não encontrando nada.  Obviamente indicavam outros especialistas que sugeriam tratamentos experimentais caríssimos com remédios de laboratórios famosos sem garantir melhora.  Edmilson já havia perdido a esperança, mas sendo um homem metódico resolveu se consultar com o último médico da lista do plano de saúde (era o mais barato).

        Chegou a um consultório em um prédio marrom com um ar opressor num canto afastado da cidade. Foi recepcionado pela secretária que aparentemente estava lá desde os anos 70 sem voltar para casa. Enquanto aguardava leu a revista seleções mais recente que encontrou, 1986. Seu estado de espírito estava com uma impressão tão ruim do lugar que quando foi chamado pensou em desistir da consulta, mas quando lembrou do esforço que teve para chegar lá pela escada achou uma nova opinião não faria mal.

             O ‘doutor’ era um homem pequeno, com uma  aparência diferente que dificultava supor qual era sua idade, tinha olhos atentos com um quê de malícia que o conferiam um ar de sagacidade. Ele encarou longamente os olhos de Edmilson enquanto ele se aproximava da mesa.

         A consulta estava ocorrendo normalmente, com Edmilson apresentando sua pasta de exames e o médico fazendo-lhe as perguntas de praxe. Encucado com a magnitude do problema o doutor coçou a rala barba enquanto suspirava analisando uma série de exames inconclusivos, então falou:

- Ineficaz por ineficaz sugiro que façamos um mapa astral, também tenho algumas perguntas sobre seus pais, pode deitar neste divã por favor – disse apontando o divã verde acinzentado e empoeirado. Edmilson assustou-se com o sincretismo investigativo, mas o doutor foi tão incisivo e obstinado que ele atendeu prontamente.

Após cerca de três horas de conversa e muito choro das duas partes, os dois sentiam-se como velhos amigos, o médico pediu permissão para ser franco e disse-lhe:

- Sinceramente querido, seu problema é grave, mas parece ser de uma origem “geneticamente psicossomática” – ilustrou as aspas com os dedos, - eu conheço uma “pessoa” – novamente, - que pode te ajudar, mas tenho que te avisar que existe muito preconceito com o tipo de tratamento que ele oferece.
- A esta altura eu não me importo – respondeu Edmilson.

- Pois bem, ele é um gnomo, aqui esta o cartão com o telefone, endereço e a batida secreta da porta.    – O doutor falou de forma calma e pausada, olhando por cima dos óculos para que Edmilson não duvidasse. De fato sua resposta sequer deixou transparecer as dúvidas que ele sentia:

- Mas o plano de saúde cobre isso? – Perguntou Edmilson pegando o cartão colorido.

         - Certamente, está aqui no escopo do Plano, ao lado de homeopatia, psicologia e acupuntura.

  No dia seguinte, Edmilson foi ao endereço indicado e encontrou uma grande arvore, embaixo de um grande cogumelo, com uma porta. Bateu do modo solicitado na porta e foi prontamente atendido por um simpático gnomo. Beliscou-se e não restando dúvida de que estava acordado aceitou o convite de entrar.

   Uma vez lá dentro a consulta ocorreu de forma normal, as mesmas perguntas e a analise dos mesmo exames, porém quando ele acabou de contar o causo o gnomo disse:

     - Não se preocupe, tenho a solução, – falou dando baforadas no longo charuto e abrindo um sorriso – e vou faze-la agora mesmo.

       Quando Edmilson viu o chá de cogumelos sendo preparado, objetou:

              - Peraí, cogumelo também não!

              - É isso ou o Templo De Salomezão.

              - Ok, charlatanismo também não né – Respondeu Edmilson rindo com o gnomo.

             - Enquanto tomavam o chá e passavam a tarde juntos, Edmilson percebeu que não poder andar já não era mais problema, uma vez que agora ele voava.