sexta-feira, 15 de junho de 2012

Palhaçada Vintage


                Eu vinha andando por uma importante rua da cidade que conhecia tão bem. Parecia que eu conhecia todos os ladrinhos daquela calçada, estava usando meu casaco favorito,um pouco velho é verdade, mas tinha o bolso no lado de modo que podia colocar as mãos no bolso sem precisar fazer manobras (como fazem alguns desses casacos modernos). Quem conhece aquela cidade bem sabe que ela pode ser bem deprimente as vezes, mas aquele dia era diferente. Havia um clima de empolgação no ar, apesar do vento a temperatura era amena e o céu estava marrom com tons avermelhados ao contrário do cinza habitual. Era uma atmosfera bem apocalíptica (diria até escatológica, caso não precisasse utilizar esta palavra mais tarde com outra conotação), e isto servia para corroborar a impressão surreal que os acontecimentos posteriores confeririam àquele dia, tudo me pareceu um sonho.

                A cidade estava tomada por um clima circense, haja visto que um grande circo internacional havia chegado à cidade para uma longa temporada. Como tudo que é internacional havia muita propaganda, patrocinadores deram um jeito de espalhar palhaços de perna-de-pau pela cidade para divulgar o circo, além disso arlequins e arlequinas, malabaristas e estes 'artistas' que soltam fogo pelas ventas faziam a alegria da criançada, que faziam a tristeza dos pais obrigando-os a comprarem os ingressos com preços abusivos. A cidade parecia estar repleta de bandidos da gangue do Coringa nos jogos de video-game do Batman. Até então tudo bem, apesar de eu não gostar de palhaços estava até admirando aquele clima pós-moderno-retrô-vintage daquele dia, mas tudo que eu queria era chegar ao meu café favorito e tomar uma bela xícara de café forte. Enquanto estava indo uma voz me chamou num canto:

                - Ei rapaz! Vem aqui. - Obviamente achei que seria assaltado, mas bom cristão que sou fui para não demonstrar fazer pré-julgamento de pessoas. Quando me aproximei me assustei pra valer, era um palhaço desses assustadores vestido de azul a la Bozo e com a maquiagem inteira borrada, como uma mulher que chorou com um rímel ''a prova d'água''.       
       
                - Olá! - Respondi tentando esconder minha aflição - tudo bem?

                - Não, não está tudo bem. É tudo culpa deste maldito circo internacional!

                Eu estava com medo, achei que ele talvez fosse usuário de crack, e se tem algo que me assusta mais do que palhaços são usuários de crack. O que dizer de  palhaços que usam crack? Por algum razão continuei a conversa:

                - O que é culpa deles?

                - O fato de eu estar aqui, desempregado, na rua da amargura. -             Olhei na placa o nome da rua, era de fato a Rua da Amargura.

                - Eu posso te ajudar? - Perguntei achando que ele pediria meu dinheiro - O que aconteceu?

                - Bem, - começou ele  que por alguma razão me achou um bom ouvinte e como não falo muito ele estava certo - você conhece o Circo do Salsicha?

                - Claro que conheço - era o circo mais tradicional da cidade, que me deixou com tantos traumas de infância.

                - Pois bem eu trabalhava lá, eu nasci lá! Meus pais eram trapezistas e uma vez minha mãe caiu e meu pai caiu encima e eu fui concebido assim. - Tentei sem sucesso esconder minha cara de espanto, ele continuou - Cresci naquele ambiente e logo me tornei um palhaço, vivemos alguns momentos gloriosos, tirando risadas de crianças utilizando apenas um monociclo e dois guarda-chuvas. De uns anos pra cá o Dom Salsicha, dono do circo, morreu e fomos a derrocada total, as pessoas pararam de vir, pararam de rir, ninguém mais se surpreende com nossos números! Só querem saber das super-produções. Gastam dinheiro pra ver os blockbuster's de Hollywood, os mega-shows internacionais, os circos de além-mar que misturam dança, efeitos especiais, fantasias caríssimas, coreógrafos russos e contorcionistas asiáticos, além de uma equipe de produção e engenheiros multi-disciplinar e multi-etnica.  Ninguém mais quer ver nosso velho elefante, ou globo da morte.

                - Bom, - comecei eu após um tempo de silêncio, tentando medir minhas palavras para achar algo decente para consola-lo - você ainda pode fazer muitas coisas...

                - Como o que? Eu poderia estar matando ou roubando, ou pior fazendo stand-up - graças a Deus ele tinha a noção de como com esse boom do stand-up inúmeros comediantes sem graça ficam fazendo piadas medíocres para um publico medíocre que ri de qualquer referencia escatológica;) ainda bem que ele não era desses. - mas eu ainda tenho minha dignidade!

                Neste exato momento um jovem hipster (ou pseudo-hipster se todos os hipster já não são, por definição, pseudo algo) cruzou a rua com uma lambreta, ou scooter, dessas bem caras que tentam parecer antigas e descoladas. Alias o jovem, obviamente estudante bancado pelos pais (como este que vós fala), vestia-se de modo a parecer retrô, paletó e calças curtas, capacete pela metade amarrado no queixo, mala estilo carteiro e gravata slim. Rapidamente refleti em quão caras eram aquelas roupas e aquela tentativa de ser vintage. E tive uma idéia que mudaria a vida do palhaço e da cidade.

                - Siga-me! - Disse eu ao palhaço,que me olhou assustado mas seguiu. Levei-o ao café e fiz todo um plano de publicidade e marketing para ele, que consistia basicamente em vender o peixe de que o Circo do Salsicha era um circo retro.

                O plano era simples, continuar fazendo os mesmos números, mas vender nos sites e nos jornais fotos com filtros vintages aplicados no instagram, aplicar Patina nos bancos do circo (cada um com uma cor diferente alias) e cobrar um ingresso excessivamente caro, porque nesses nossos dias de pós-modernidade os ''indivíduos'' pagam qualquer preço para se diferenciarem das massas!

                Tempos mais tarde estava eu no mesmo café, dessa vez num dia cinza, e li no jornal local uma reportagem sobre o renascimento e o sucesso do Circo do Salsicha, liderado pelo Palhaço. A noticia louvava o circo como o mais tradicional não apenas da cidade mas da região, e não faltavam elogios a escolha estética vintage do local. Lembrei da conversa com o palhaço como lembrasse de um sonho antigo,um sonho vintage e retrô.